Cientistas analisam atmosfera limpa do clima na Amazônia
20/09/2010 – São Paulo – A Amazônia é uma das poucas regiões continentais onde os aerossóis (partículas sólidas ou líquidas suspensas na atmosfera) e seus efeitos climáticos não são dominados por fontes antropogênicas. Durante a estação chuvosa, sem sinal de queimadas, é possível encontrar propriedades da atmosfera similares às condições limpas pré-industriais. Pela primeira vez, cientistas mediram em detalhes a composição e a distribuição de tamanho dos aerossóis na atmosfera limpa e elucidaram os mecanismos de interação entre a floresta e o clima da região nessas condições.
Nos meses de fevereiro e março de 2008, pico das chuvas na Amazônia, durante o experimento LBA/AMAZE (Amazonian Aerosol Characterization Experiment), foram medidas concentrações ultra baixas de aerossóis, de cerca de 200 partículas por centímetro cúbico, enquanto em áreas continentais no hemisfério Norte essa concentração varia entre 20 mil a 30 mil partículas por centímetro cúbico, por causa da poluição sempre presente. Os dados foram coletados na Reserva Biológica do Cuieiras, estação de pesquisa do Inpa (a 55 Km ao Norte de Manaus). Os resultados estão publicados em artigo na revista Science da sexta-feira, 17/09.
Referencial de "atmosfera limpa"
Sendo os aerossóis componentes importantes do funcionamento do ecossistema (transporte de nutrientes, interação com radiação, formação de nuvens), observar as propriedades dessas partículas sob condição tão limpa possibilita um referencial de "atmosfera limpa". Em um planeta onde é muito difícil encontrar regiões livres da influência de poluentes, medir as propriedades nessa condição é crucial quando se pretende saber quais as alterações que a atividade antropogênica está causando ao clima global.
Os dados proveem o equivalente a um "caso-controle", ou seja, seria difícil dizer qual é a alteração induzida sem saber como a atmosfera se comporta sem influência de poluentes.
“Conhecer as condições atmosféricas do passado e do presente é fundamental para fazer melhores previsões sobre o futuro clima do nosso planeta”, afirmou Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, os dados mostraram que a Amazônia é um forte reator biogeoquímico, no qual a biosfera e a atmosfera produzem núcleos para a formação de nuvens e sustentam o vigoroso ciclo hidrológico na Amazônia. “O regime de interações aerossóis-nuvens-precipitação neste ambiente natural é muito distinto de regiões poluídas de nosso planeta”, disse. O cientista ressalta o diferencial desse trabalho em relação a outros já realizados na Amazônia.
“Pela primeira vez, foram medidas em detalhes a composição e a distribuição de tamanho das partículas de aerossóis, desde 10 nanômetros até 20 micrômetros”, afirmou Artaxo, coordenador do experimento. Segundo ele, o estudo revelou mecanismos em que a floresta emite diretamente partículas que são chave na nucleação de nuvens. As propriedades físico-químicas dessas partículas apontam processos de formação de aerossóis secundários na atmosfera da Amazônia que são muito particulares.
“Cerca de 85% da massa de aerossóis da fração fina das partículas (aerossóis menores que 2.5 micrômetros) é constituída de partículas orgânicas, em forte contraste com áreas oceânicas e áreas continentais poluídas, dominadas por compostos inorgânicos tais como sulfatos e nitratos”, explicou o cientista. Pela análise dos dados, observou-se que a composição dos aerossóis na Amazônia é muito particular e reflete como eram as condições atmosféricas nos ecossistemas terrestres há milhares de anos, antes da poluição generalizada que caracteriza a atmosfera continental atual, em particular no hemisfério Norte.
Amazônia tem condições atmosféricas limpas
“A Amazônia é uma das poucas regiões continentais (a outra é a Antártica) em que ainda é possível observar condições atmosféricas extremamente limpas durante a estação chuvosa, que foi quando o estudo foi realizado”, ressaltou Artaxo. De acordo com o estudo, as partículas submicrométricas, que constituem a maior parte dos núcleos de condensação de nuvens, são predominantemente compostas de material orgânico secundário formado na atmosfera pela oxidação de compostos biogênicos gasosos emitidos pela vegetação.
“Compostos voláteis gasosos emitidos para a atmosfera pelas plantas são oxidados por reações com ozônio e radicais de hidroxila que mudam sua estrutura química adicionando átomos de oxigênio. Isso faz com que estes compostos sejam menos voláteis e condensem, formando novas partículas ou se condensando em partículas pré-existentes”, acrescentou o cientista. Artaxo explica que essas partículas servem como núcleos nos quais vapor de água atmosférico condensa e nuvens são formadas, mecanismos fundamentais para o ciclo hidrológico da Amazônia e o balanço radiativo atmosférico.
Por outro lado, as partículas maiores que 1 micrômetro são emitidas diretamente pela vegetação e constituem uma fração majoritária dos núcleos de condensação de gelo, que formam nuvens convectivas profundas e congeladas na Amazônia. “Núcleos de gelo que são necessários para a formação de nuvens profundas na Amazônia foram observados como sendo originários majoritariamente de processos biológicos, emitidos pela vegetação, como partículas primárias”, ressaltou Artaxo.
Implicações do estudo
O estudo mostra também que o número e o tamanho de partículas de aerossóis são mais importantes do que as propriedades higroscópicas das partículas. Isso tem implicações importantes nos mecanismos de produção de nuvens convectivas sobre a Amazônia. “As implicações deste estudo indicam que as atividades humanas estão definitivamente alterando de modo intenso as propriedades atmosféricas em amplas áreas de nosso planeta, e os mecanismos de formação e desenvolvimento de nuvens estão sendo modificados pela ação do homem”, disse o pesquisador.
Os fenômenos observados, mecanismos e realimentações podem ser relevantes na evolução dos ecossistemas e no clima em escala global ao longo da história do planeta. “A alta atividade biológica, controlando processos atmosféricos da região Amazônica, mostra que os seres vivos de nosso planeta de certo modo moldam o meio ambiente de acordo com suas necessidades. Mas, quando a poluição industrial domina, estes mecanismos são suprimidos. Para entender o futuro do clima de nosso planeta, precisamos compreender como o clima era formado antes do advento da revolução industrial e a contaminação atmosférica que ocorreu nos últimos séculos”, acrescentou.
Na opinião de Artaxo, esse trabalho adiciona mecanismos científicos mais sólidos para entender o papel da floresta amazônica no clima global, e como as alterações no uso do solo em curso na Amazônia podem influenciar o clima da região e do planeta como um todo. O experimento contou com a participação de pesquisadores do Inpa, da Universidade de Harvard (Estados Unidos), do Instituto Max Planck de Química (Alemanha) e de outras instituições estrangeiras. A pesquisa recebeu apoio financeiro da FAPESP, CNPq, MCT/LBA, NSF dos Estados Unidos e Instituto Max Planck, entre outras agências de fomento.
O artigo “Rainforest Aerosols as Biogenic Nuclei of Clouds and Precipitation in the Amazon”, de Ulrich Pöschl, Paulo Artaxo e outros, está disponível para assinantes da Science em "http://www.sciencemag.org". Theotonio Mendes Pauliquevis, da Universidade Federal de São Paulo, e Antônio Manzi, do Inpa, também são coautores.
Fonte: Portal D24 AM