Comunidade baniwa vai comercializar pimenta em pó
Elas têm cores, tamanhos, aromas e formatos variados, que saltam aos olhos. Cheias de significados para a cosmologia dos indígenas da etnia Baniwa, as pimentas são um dos temperos mais vendidos e consumidos mundialmente. No entanto, não foi o potencial econômico que despertou a atenção das mulheres baniwa para as possibilidades da comercialização do produto. Elas apenas querem colocar no mercado o resultado do trabalho que elas desenvolvem com as pimentas na aldeia.
Não vai demorar muito para que isso realmente se torne uma realidade. Hoje, após cinco anos da decisão tomada pela Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), já se sabe a existência de 60 variedades de pimentas cultivadas em uma extensão de aproximadamente 300 km² na comunidade, localizada em São Gabriel da Cachoeira (distante 852 km de Manaus). Entre elas, a pimenta seca em pó (jiquitaia), que será comercializada sob o rótulo de produto de valor cultural e ambiental.
Durante uma assembleia, com o poder de persuasão que só as mulheres têm, elas conseguiram convencer os homens da tribo em colocar no mercado o resultado do trabalho delas.
O resultado é fruto do projeto “Pimentas na Bacia do Içana-Ayari: bases para a sustentabilidade de produção e comercialização”. O projeto também é desenvolvido no município de São Gabriel da Cachoeira (distante 852 km de Manaus).
O estudo beneficia não apenas a comunidade baniwa, mas também a coripaco, pois foi possível ampliar a capacidade de comunicação com diferentes tipos de parceiros interessados no processo de comercialização da jiquitaia.
O projeto é coordenado pelo pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA), Adeilson Lopes da Silva, que identifica, monitora e descreve a diversidade de pimentas que os indígenas manejam e agora desejam colocar na mesa dos consumidores.
Quanto à comercialização da pimenta produzida pelas mulheres, o pesquisador preferiu não atrelar os dados monitorados a valores comerciais. Ele explicou que para os indígenas as plantas não são simplesmente objetos de estudo, mas sim “agentes no mundo”, precisam ser encaradas e respeitadas mais como sujeitos do que como objetos.
Segundo ele, com a jiquitaia pode ocorrer o mesmo que ocorre com o café: “a formação dos consumidores para uma ampla gama de sabores e aromas”, enfatizou Silva.
Experiência Positiva
As pesquisas são desenvolvidas levando-se em conta as questões éticas, relacionadas com a anuência, a permissão das mulheres e comunidades que querem se integrar aos estudos para que eles se desenvolvam. O pesquisador contou que são feitos encontros de formatação e planejamento das ações e realizadas desde oficinas de informática até de fotografia e botânica.
“Com o estudo está sendo possível identificar a diversidade e o potencial produtivo, além de monitorar o incremento da produção em atendimento ao mercado. Busca-se fortalecer a capacidade dos baniwa em contornar problemas que essas novas demandas podem trazer para seus sistemas de produção”, explicou.
Segundo Silva, com base nas informações obtidas, pode-se afirmar que as mulheres conseguem ampliar, em até dez vezes, o número de pés de pimentas que podem manejar em suas roças e quintais sem prejuízo para outras atividades da rotina diária.
Ele contou, ainda, que há um potencial produtivo nesses agroecossistemas que não se realiza somente por falta de acesso ao mercado. “As mulheres não têm porque aumentar a sua produção de pimentas se não existir um mercado que as absorva”, observou.
“Para esse processo, é de extrema importância a caracterização física e botânica da pimenta em pó, que supre uma exigência em se apontar no rótulo do produto sua composição”, afirmou.
Jovem Cientista Amazônida (JCA)
O projeto envolveu a participação direta de dois pesquisadores do ISA, um ecólogo e uma pedagoga, e uma rede de dez pesquisadores indígenas estudantes das escolas indígena Baniwa e Coripaco Pamáali, escola indígena Maadzero, escola indígena Waliperedakenai, escola indígena Paraattana e escola Indígena enawe, localizadas na bacia do Içana-Ayari, localizadas no município de São Gabriel da Cachoeira.
Os estudantes participam do projeto por meio do Programa Jovem Cientista Amazônida (JCA) desenvolvido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), também realizado por meio de uma parceria entre o ISA, a Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI) e a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN).
Durante o estudo, a equipe buscou reunir um conjunto de indicadores para que, ao longo desse processo, os baniwa possam monitorar o negócio que afeta diretamente a biodiversidade.
“Muitos métodos têm que ser criados ou adaptados ao longo das atividades, principalmente em relação à linguagem. Optamos por privilegiar sempre o registro das informações em língua baniwa, e depois partir para as traduções baniwa-português”, contou Silva.
Questionado sobre os benefícios do projeto para a vida dos jovens pesquisadores, Silva destacou que o JCA oferece as ferramentas da ciência e tecnologia à serviço da qualidade de vida no Estado do Amazonas”, finalizou.
Camila Carvalho e Luís Mansuêto – Agência Fapeam