Pesquisas desvendam um novo olhar sobre a Amazônia


13/10/10 Há quase sete anos morando no Amazonas, a pesquisadora Sandra Zanotto, doutora em Química Orgânica pela Universidade Federal de Santa Catarina, fala sobre a paixão pelo trabalho de pesquisa na Amazônia e dos desafios enfrentados por ela, que precisou desconstruir os preconceitos históricos acumulados no imaginário de quem não conhece a realidade local. Para ela, hoje é inadmissível a falta de informações sobre a Região Amazônica, que não pode mais ser vista apenas como uma “periferia exótica”.

Integrante do corpo docente da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Zanotto é responsável pela implementação do curso de mestrado em biotecnologia da Universidade.

Ao ressaltar as dificuldades de logística como um dos maiores gargalos para a realização de estudos no interior do Estado, Sandra Zanotto faz questão de destacar a importância das agências estaduais de fomento à pesquisa, como a FAPEAM, instituição da qual fala com orgulho.

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Agência Fapeam – Como foi o começo dos seus trabalhos como pesquisadora e qual foi seu principal incentivo para seguir nesta área?

Sandra Zanotto – Em 2003, após defender o doutorado e aprovar um projeto de Pós-Doutorado na USP fui convidada para integrar o corpo docente responsável pela implementação do Curso de Mestrado em Biotecnologia da UEA. Renunciei o meu pós-doc e aceitei o convite da UEA, neste mesmo ano fixei residência na cidade de Manaus. Em minha tese de doutorado estudei a Utilização de Microorganismos e Enzimas para a Obtenção de Compostos Oticamente Ativos, substâncias geralmente com interessantes atividades biológicas. Quando surgiu a oportunidade de trabalhar no Amazonas fiquei encantada com a possibilidade de investigar a diversidade microbiana para obtenção de enzimas e outros metabólitos de interesse na área biotecnológica. Assim já se vão quase sete anos.

Agência Fapeam – Como é esse trabalho no dia a dia?

Sandra Zanotto – Em qualquer área que se pretenda realizar uma pesquisa, só se terá êxito com muita dedicação e persistência. Muitas vezes, a persistência pode ser confundida com teimosia, mas o pesquisador jamais vai deixar de se encantar por novos rumos e novas ideias. Nos trabalhos realizados pelo nosso grupo, os pesquisadores têm a oportunidade de participar e conhecer diferentes áreas do conhecimento, favorecendo ações interdisciplinares. Os trabalhos experimentais podem começar desde a coleta em campo de material para o isolamento de microorganismo, à utilização destes isolados para a realização de reações químicas, além da identificação estrutural de substratos, biotransformados através de diversas técnicas espectroscópicas. Testes, com as substâncias isoladas ou biotransformadas, com o intuito de averiguar possíveis atividades biológicas, também são realizados pelo nosso grupo. O grupo tem o suporte de pesquisadores envolvidos na manutenção dos isolados microbianos utilizados nos estudos, para que num futuro próximo tenhamos uma coleção microbiológica na UEA.

Agência Fapeam – Quais os principais resultados desse trabalho?

Sandra Zanotto – Como resultado principal de nossas atividades, ressalto a formação de recursos humanos qualificados para atuar em diversas áreas de ciência e tecnologia, além de artigos científicos e patentes resultantes dos estudos realizados.

Agência Fapeam – Quais os desafios de ser pesquisadora na Amazônia?

Sandra Zanotto – Acredito que o maior desafio, para as pessoas que chegam à Amazônia é desconstruir os preconceitos históricos estabelecidos em nosso imaginário. A região é ímpar e, como tal, temos que nos adaptar com suas peculiaridades. Dificilmente modelos estabelecidos em outras regiões se aplicam aqui. As questões referentes à logística da região com certeza são um desafio para todos e, para a realização de pesquisas tanto na capital como no interior, isso se torna um dos maiores gargalos que enfrentamos.

Agência Fapeam – Quais as perspectivas atuais para a qualificação da produção científica no interior do Estado?

src=https://www.fapeam.am.gov.br/arquivos/imagens/imgeditor/ZANOTTO001.jpgSandra Zanotto – A Região Norte é por vocação gigante em muitos aspectos – os números com relação à Amazônia nos orgulham e enchem os olhos dos estrangeiros. Temos a mais importante reserva biológica do planeta, o enorme potencial hídrico da Bacia Amazônica e uma extraordinária diversidade cultural. No entanto, existem dificuldades reais para o desenvolvimento de atividades científicas na região, principalmente no interior tão desprovido de recursos humanos qualificados. O pequeno número de pesquisadores doutores fixados no Norte em relação às outras regiões, pode ser considerado um dos maiores problemas para a qualificação da produção científica no Estado. É importante ressaltar o papel fundamental das agências estaduais de fomento à pesquisa, neste sentido, não posso deixar de mencionar aqui o esforço da FAPEAM, que tanto nos orgulha. Muito ainda está por ser feito e é preciso maiores incentivos, porque somente com pessoal qualificado e financiamento para as pesquisas é que a produção científica no Norte do Brasil se desenvolverá e atingirá os níveis de qualidade dos grandes centros. Acredito que é o momento da Amazônia não ser mais vista apenas como “Periferia Exótica” no imaginário popular. Não é mais admissível a falta de informação sobre a Região Amazônica, que a mantém tão isolada do resto do país. Isso dificulta a atração e a fixação na Região Norte de doutores oriundos das outras regiões, o que se torna um obstáculo para a ampliação do número de cursos de pós-graduação nesta região.

Agência Fapeam – Fale sobre o trabalho do grupo de pesquisa “Biotecnologia de Fungos da Amazônia”.

Sandra Zanotto – A busca por novas enzimas com diferentes especificidades e aplicações tem crescido significativamente nos últimos anos, e a biodiversidade amazônica tem importância estratégica nesse aspecto. À medida que metodologias mais adequadas e sensíveis são desenvolvidas para identificar e avaliar atividades enzimáticas, torna-se mais fácil a triagem de novos biocatalisadores com requisitos específicos para serem utilizados em processos com viabilidade econômica/ambiental mais sustentável. Do ponto de vista da química sintética, as reações catalisadas por lipases (esterificação e transesterificação) em meios não-aquosos (solventes orgânicos) podem ser usadas como uma excelente ferramenta na síntese de importantes e numerosos produtos, tais como ésteres aromáticos, monoacilgliceróis, blocos de construção quiral (oticamente puros), biodiesel, entre outros. Partindo do pressuposto que enzimas identificadas por métodos hidrolíticos não são necessariamente apropriadas para as reações sintéticas desejadas, o grupo de pesquisa “Biotecnologia de Fungos da Amazônia” da UEA está testando diferentes reações (síntese de ésteres, transesterificação e resolução de alcoóis) em solvente orgânico, visando desenvolver uma metodologia para a triagem de lipases da biodiversidade fúngica amazônica com aplicação biocatalítica.

Agência Fapeam – E qual a relevância deste estudo?

Sandra Zanotto – Os fungos selecionados serão identificados por técnicas de biologia molecular e utilizados, conforme seu potencial catalítico, para a biotransformação de moléculas biologicamente ativas, tais como: zerumbona, cinabarina, bergenina, artemisinina, etc. obtidas de plantas ou fungos. Esta estratégia visa a modificação estrutural destas biomoléculas, com o intuito de aumentar a atividade de interesse ou diminuir efeitos indesejados destes compostos.

Alessandra Leite –  Agência Fapeam

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