“A memória de conhecimento instalado nas pessoas e nas comunidades é a base para a inovação”
Em entrevista à Agência Fapeam, Roberto Vizentin traçou um panorama da nova matriz econômica ambiental do Amazonas, disse que os investimentos em ciência, tecnologia e inovação são fundamentais para dar o conhecimento necessários sobre os “produtos da floresta” e ressaltou as ações da Fapeam
Rio Preto da Eva – Apostando que a Amazônia pode se transformar na base para a nova matriz econômica do Estado, o doutor em Agroecologia, Sociologia e Desenvolvimento Rural Sustentável pela Universidade de Córdoba, na Espanha, o engenheiro agrônomo Roberto Vizentin, explicou como a floresta é o grande trunfo para o Amazonas sair da crise econômica e despontar no cenário mundial.
Ele, que desde 2003 atuou em cargos de direção no Ministério do Meio Ambiente, foi diretor do Instituto Chico Mendes (ICMBio), pesquisador nato e apaixonado pela área ambiental, disse que os amazônidas estão com “a faca e o queijo na mão”. Em entrevista à Agência Fapeam, Roberto Vizentin traçou um panorama da nova matriz econômica ambiental do Amazonas, disse que os investimentos em ciência, tecnologia e inovação são fundamentais para dar o conhecimento necessários sobre os “produtos da floresta” e ressaltou as ações da Fapeam. “A Fundação é um dos principais elos da nova matriz econômica do Estado”, disse.
Confira:
Agência Fapeam – Como construir uma matriz econômica sustentável integrada com a agenda de desenvolvimento sustentável global?
Roberto Vizentin: Primeiro é reconhecer que muita coisa já tem sido feita. As bases para essa matriz estão sendo construídas em um esforço dos governos, mas também da sociedade civil, incluindo o setor empresarial, os movimentos sociais. No caso do Amazonas, não podemos perder de referência que mais da metade do território é constituído de terras indígenas e unidades de conservação.
Essa matriz tem que expressar essa realidade e contemplar as diferentes visões que esses sujeitos sociais tem em relação ao presente e ao futuro da região. O governo do Estado propõe é isso: convocar a sociedade amazônica, mobilizar os órgãos estaduais e chamar o governo federal para se somar nesse esforço haja vista que a economia do Estado centrada na Zona Franca foi responsável, até esse momento, inclusive pela manutenção da floresta em pé. Mas, todos compartilhamos da ideia que é um modelo que tem o seu limite e que o desenvolvimento tem que ser pensando nas próprias riquezas, nas bases de recursos naturais que o Estado tem. Como fazê-lo de maneira que isso seja sustentável e corresponda as expectativas do povo amazônida? É desta forma: mobilizando, convocando e colocando, sobretudo, a massa crítica de conhecimento a serviço desse projeto.

“Precisamos ter um projeto claro, como o que está sendo desenhado, e construir a infraestrutura e logística a luz das necessidades desse projeto”.
AF – Como o senhor avalia a iniciativa do governo do Estado em convidar diversos atores para conversar e construir essa nova matriz econômica?
Roberto Vizentin: Nós entendemos que essa é a condição das condições. É a pré-condição. Um projeto dessa envergadura tem de desfrutar, minimamente, de um consenso. Não quer dizer unanimidade. Mas um consenso é uma situação em que as forças ativas econômicas, políticas e culturais, se alinham em torno de um projeto com um objetivo comum. Essa iniciativa é a base para qualquer projeto de desenvolvimento que se queira de forma sustentável, democrática e participativa.
AF – A Amazônia é apontada como uma das maiores biodiversidades do planeta. Para a construção de uma nova matriz econômica, isso se constitui em uma vantagem?
Roberto Vizentin: Não há dúvida de que é uma vantagem. Entretanto, existe ainda uma distância relativamente grande entre o que isso representa em termos de potencialidades e o que já sabemos fazer. Então, as iniciativas e experiências localizadas, bem-sucedidas, precisam ganhar escala e, ao ganhar escala, podem romper arranjos pré-estabelecidos. Então, é um processo difícil e desafiador.
AF – O senhor acredita que o nosso principal desafio ainda é a logística?
Roberto Vizentin: Não, não é a logística. A logística tem que estar a serviço do projeto. Prevaleceu até hoje uma leitura de que para a Amazônia se desenvolver basta que você a dote de infraestrutura e logística. Pode até ter um impacto positivo, mas também os impactos negativos são bem conhecidos. De tal maneira que não impede uma nova trajetória de desenvolvimento. Pelo contrário, precisamos ter um projeto claro, como o que está sendo desenhado, e construir a infraestrutura e logística a luz das necessidades desse projeto.
AF – Nesse cenário, os investimentos em pesquisa, principalmente voltados à inovação, são fundamentais?
Roberto Vizentin: Não há nenhuma possibilidade sem isso. Toda inovação está baseada no conhecimento. Agora, existe o conhecimento de natureza acadêmica, científica e o empírico. Isso não é uma equação fácil de ser resolvida porque para além dos desejos normativos existem realidades concretas que dificultam essa prática de relacionar o saber laborado para o saber tradicional das comunidades. Mas, não há outra maneira de fazê-lo.
A ciência já sabe disso de que a memória de conhecimento instalado nas pessoas e nas comunidades é a base para a inovação. Precisamos é interiorizar os centros de pesquisa.
A política do governo do Estado de ampliar o campus da Universidade estadual, criar realmente polos de desenvolvimento em Manaus e no interior vai nessa direção, de ampliar essa base de conhecimento, qualificar as pessoas que estão nessas áreas, preparando, inclusive, recursos humanos para esta nova fase de industrialização que o Estado vai passar.

“Zona Franca vai ter um papel de vanguarda nisso porque as indústrias que estão instaladas na Zona Franca são as primeiras a ter interesse nessa reconversão produtiva”.
AF – É possível criar uma nova alternativa de desenvolvimento na Amazônia atrelada a Zona Franca de Manaus, mantendo a floresta em pé?
Roberto Vizentin: É mais do que possível. A Zona Franca vai ter um papel de vanguarda nisso porque as indústrias que estão instaladas na Zona Franca são as primeiras a ter interesse nessa reconversão produtiva. Então, as que estão situadas no campo da inovação tecnológica, da informação, de produtos aplicados para bioprospecção, esse próprio CBA (Centro de Biotecnologia da Amazônia), isso sob um novo arranjo institucional que tenha as empresas do Polo Industrial interessadas pode ser alavancado para cumprir o papel que foi pensado para ele.
Vamos ter uma aglomeração de conhecimento, de pesquisa aplicada a novos processos e produtos que fazem parte dessa biodiversidade.Como diriam os mineiros: “o Estado, o povo do Amazonas, talvez esteja com a faca e o queijo na mão, no sentido de se soubermos aproveitar esse momento histórico talvez possamos ter um período importante para a Zona Franca de Manaus enquanto naturalmente essa transição vá sendo desenvolvida”.
AF – A BR 319 ainda é um desafio a ser vencido?
Roberto Vizentin: É um desafio porque, lamentavelmente, as dinâmicas de ocupação do espaço não se restringem ao que constam nos nossos planejamentos para as regiões e territórios. Por mais que nos municiemos de salvaguardas de toda natureza, sobretudo ambientais, pavimentar a estrada por si só vai representar um vetor de fluxo de pessoas. A solução para além das medidas de controle, e acho que o governador está ciente disso e mais do que isso, ele tem liderado esse movimento, é necessário ter ali um projeto de desenvolvimento para esse corredor de unidades de conservação, terras indígenas, enfim, para esse núcleo do coração florestal, a área mais preservada de toda a Amazônia brasileira.
Agência Fapeam
Fotos Roberto Vizentin: Martim Garcia / MMA
Foto destaque: Flavioloka