Pesquisa aborda regionalização da mãe de Jesus na Amazônia
Há dez anos realizando pesquisas sobre as representações de Maria, a mãe de Jesus, nas artes plásticas, na literatura e no teatro, a doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro (UFFRJ), Auricléa Oliveira Neves, explica como Maria é representada e regionalizada em diferentes culturas, por meio do projeto “Maria a mãe do redentor: pintura, teatro e literatura”.
Educadora e professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), nesta entrevista exclusiva concedida à Agência Fapeam, Neves fala sobre o ponto de partida para a escolha do tema, as dificuldades enfrentadas em suas pesquisas, a leitura amazônica da imagem de Maria e como suas crenças a influenciaram ao longo de sua carreira acadêmica.
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Agência Fapeam – Quais os objetivos do seu trabalho?
Auricléa Neves – Defendi a tese de que “o culto à Virgem Maria remonta ao início da era cristã, sofre adaptações no tempo e no espaço em diferentes expressões artísticas”. Empreendi a pesquisa com os objetivos de examinar as diferentes representações da mãe de Jesus na tradição ibérica espanhola, discorrendo sobre o percurso histórico do louvor à Virgem Mãe. Analisei as primeiras obras literárias que fazem referência ao culto mariano durante a vigência da estética barroca e confrontei, entre si, a poesia, a iconografia e o teatro. Demonstrei como essas artes assumem especificidades ao representar a figura de Maria.
Agência Fapeam – Qual foi o ponto de partida para a escolha do tema?
AN – Escolhi o tema a partir da percepção de que muitos artistas assumiam uma postura diferenciada ao falar da figura de Maria e de que muitos escritos, na literatura dos viajantes, tinham uma atenção especial para com a Mãe de Jesus.
Agência Fapeam – Existem diferenças na abordagem de Maria na pintura, no teatro e na literatura?
AN– Há diferença na construção da imagem, pois a tese de que “a figura de Maria sofre modificações no tempo e no espaço” é perceptível nas artes plásticas, possivelmente pelo condicionamento de alguns fatores, como o ideário estético a que está submetido o artista, a sociedade onde ele está inserido, as condições de produção, a destinação da obra, entre outros. Mas na literatura (poesia e teatro), diferentemente, as imagens poéticas apresentadas pelos autores estudados demonstram permanência quanto à variação e uso das figuras de linguagem, principalmente, as metáforas.
Tanto na poesia, como na voz de algum personagem do teatro, Maria é representada como mãe, como rainha e como intercessora, ou seja, como alguém muito especial, que conduz o leitor a devotar nela sua confiança.
Agência Fapeam – Há uma leitura regional da figura de Maria?
AN– Na obra de Max Carphentier, que foi objeto de pesquisa, a imagem de Maria é de Medianeira que roga ao Filho, Jesus, proteção às matas, aos rios, à fauna e à flora. Pede paz e segurança aos ribeirinhos e aos habitantes da cidade. A imagem física de Maria no quadro do artista Moacir de Andrade, que foi pintado exclusivamente para a obra Nossa Senhora de Manaus, é completamente regionalizada, ali você identifica vários elementos da cultura amazônica.
Agência Fapeam – De que forma sua formação religiosa influenciou na escolha do tema?
AN– Como sou católica praticante, tenho procurado conhecer mais minha religião. Em Manaus, atuei nas Missões Populares na equipe da Arquidiocese da cidade. Quando passei na seleção para o doutorado e iniciei a pesquisa, as coisas se complicaram, pois o Barroco é considerado a “arte da Contrarreforma” e, dessa forma, haveria necessidade de buscar outros estudos, de diferentes matizes, especialmente o teológico e o artístico para melhor analisar as obras. Felizmente, estava no Rio de Janeiro e ali participei de alguns cursos no Centro de Fé e Cultura Loyola, no Mosteiro de São Bento, na Escola Mater Eclésia e em mini-cursos propostos em Congressos de História das Religiões.
Agência Fapeam – Como Maria marca sua vida?
AN – Como minha mãe espiritual, tanto é que dediquei a minha tese a ela e a todas as mulheres. Essa dedicatória foi acompanhada das imagens de Nossa Senhora de Guadalupe e de Nossa Senhora Aparecida, além de uma epígrafe extraída do IV CELAM [Conselho Episcopal Latino-Americano].
“Maria tem representado um papel muito importante na evangelização das mulheres latino-americanas e tem feito delas evangelizadoras eficazes, como esposas, mães, religiosas, trabalhadoras, camponesas e profissionais. Continuamente lhes inspira a fortaleza para dar a vida, debruçar-se sobre a dor, resistir e dar esperança quando a vida está ameaçada, encontrar alternativas quando os caminhos se fecham, como companheiras ativa, livre e animadora da sociedade”. (IV CELAM, Santo Domingo, no 104)
Foto: Imagem física de Maria na obra de Moacir de Andrade é totalmente regionalizada
Camila Carvalho e Marcelo Vasconcelos – Agência Fapeam