Amazonense se destaca em pesquisa de fármaco contra artrite
Todo cientista deseja ver seu trabalho reconhecido nacional e internacionalmente. São anos de dedicação, noites sem dormir, abdicação de uma vida social mais intensa e, além de tudo, determinação. Poucos conseguem atingir esse patamar, como é o caso do bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Sílvio Manfredo Vieira.
Ao longo de seu trabalho de mestrado e conclusão do doutorado, ele ganhou dez prêmios, sendo oito nacionais e dois internacionais. Entre eles, o Prêmio José Ribeiro do Valle, considerado o mais importante da área de farmacologia brasileira para jovens cientistas, e o entregue pela empresa alemã Sigma-Aldrich (uma das maiores indústrias químicas do mundo com sede nos EUA). Além disso, conseguiu fechar uma parceria com uma importante instituição de ensino americana, que trará para o Amazonas um investimento de cerca de R$ 100 mil para sua pesquisa.
As conquistas se devem ao trabalho sobre a influência do receptor NOD2 no processo inflamatório que leva a artrite reumatoide. Nessa entrevista exclusiva à Agência Fapeam, o doutor em farmacologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) fala um pouco sobre seu trabalho e como é ter obtido reconhecimento pela comunidade científica da Europa e dos Estados Unidos.
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Agência Fapeam – Quais os desafios de se estudar fora do Amazonas e obter destaque na área de farmacologia com a pesquisa sobre o NOD2?
Sílvio Manfredo – Primeiramente, deve-se saber aproveitar todo o potencial que uma agência de fomento proporciona aos pesquisadores que têm interesse em fazer o doutorado fora do Estado. Outro ponto é corresponder aos recursos investidos por meio de dedicação à pesquisa e abdicação de uma vida social mais intensa. Não que eu tenha sofrido tanto, mas tive que deixar a família, amigos e parentes. Todavia, consegui construir um círculo de amigos dentro do próprio local de trabalho, na USP de Ribeirão Preto. Dedicar-se ao trabalho é fundamental. Às vezes, tinha quer perder noites de sono, mas tinha assumido um compromisso que teria de cumprir. Além disso, a qualidade intelectual é fundamental, ou seja, ler bastante, estudar e acompanhar os avanços científicos da área de farmacologia. Claro que obtive propostas para permanecer no Sul. Mas tenho um compromisso com o Amazonas. Quero montar meu próprio grupo de pesquisa e formar recursos humanos para a região.
Agência Fapeam – Qual foi o objeto de sua pesquisa de doutorado?
S M – Comecei a trabalhar com as respostas inflamatórias em doenças autoimunes, no caso, a artrite. A meta era entender como os receptores intracelulares poderiam estar ajudando no processo inflamatório (disparando a resposta inflamatória). No caso, após estudos, nos concentramos no NOD2, que faz parte de uma família de receptores intracelulares. Quando uma substância estranha ao organismo atravessa a barreira da membrana celular e não é reconhecida, esses receptores a detectam e disparam o sinal de alerta. A célula repassa o sinal de alerta para as que estão próximas para que elas produzam mediadores para defesa do organismo. Esses receptores foram descobertos há uma década apenas. É pouquíssimo tempo para a ciência.
Agência Fapeam – De qual forma o NOD2 ajuda no processo inicial da artrite reumatóide?
S M – Fizemos testes em animais e obtivemos resultados promissores sobre o receptor, por isso, partimos para pesquisas com humanos. Em três anos de trabalho, fizemos coletas no edema do joelho de 42 pacientes, entre homens e mulheres. Os pacientes faziam acompanhamento no Hospital das Clínicas de São Paulo. O objetivo era verificar se havia diferenças entre os pacientes com osteoartrite (doença causada pelo desgaste ósseo e peso corporal) e artrite reumatoide. O resultado foi que, nos pacientes estimulados com o NOD2, a quantidade de mediador inflamatório nas células estava elevada nas pessoas com artrite reumatoide. Todavia, as células antes de serem estimuladas já tinham uma produção intrínseca do mediador inflamatório.
Agência Fapeam – Como explicar que um receptor que detecta componentes bacterianos extracelulares participava da artrite reumatoide?
S M – Bem no início do processo inflamatório, as células produzem um sinal de perigo que é reconhecido pelo NOD2. Ele dispara, levando inflamação, edema, dor e rigidez ao local afetado. Fizemos outros testes em animais que confirmaram que o receptor contribui para o desenvolvimento da artrite reumatóide.
Agência Fapeam – Como essa descoberta pode ajudar no desenvolvimento de medicamentos contra a artrite reumatoide?
S M – Para o tratamento local do edema, a descoberta é fundamental. O próximo passo é descobrir quem é o ligante que ativa o NOD2 e, consequentemente, desencadeia o processo inflamatório. Estamos isolando substâncias estranhas (proteínas e lipídios) às células para tentar descobrir. Contudo, acreditamos que não é bacteriano. No futuro será possível evitar que o receptor dispare a inflamação. Poderemos prevenir os danos causados pela doença, como destruição da cartilagem, dano ósseo, a perda da função em estado avançado (deixar de caminhar) e, dependendo da localização, pode levar até à morte.
Agência Fapeam – Quais medicamentos são usados no tratamento da artrite reumatoide?
S M – Tem-se usado, por exemplo, o Infliximabe. Não é um medicamento caro. Contudo, é um fármaco quimérico (com porção humana e de camundongo). A parte camundongo liga-se ao transmissor humano, enquanto a parte humana fica exposta as células próximas para que não haja reação ao corpo estranho, contudo o organismo ainda produz porções de anticorpos. Um dos grandes problemas dessas drogas é que elas agem contra substâncias que estão sendo produzidas dentro do organismo. Caso o paciente tenha alguma infecção secundária, o medicamento pode acelerar a doença e levar à morte. Há casos na Europa. Com a pesquisa sobre o NOD2, poderíamos atuar diretamente sobre o edema.
Luís Mansuêto – Agência Fapeam