Opinião: Phelps e Bertha, artigo de Odenildo Sena
Nada como uma leitura atrás da outra. Deu-se que, num desses exercícios de paciência na sala de espera de um consultório médico, peguei por acaso um exemplar de “Carta Capital” que trazia uma entrevista com Edmund Phelps, Prêmio Nobel de Economia de 2006. Fui fisgado pela leitura no exato momento em que ele diz que a riqueza abundante de recursos naturais, ao invés da convicção com que se propaga por aí afora, pode representar uma verdadeira maldição para o país que a detém. Mandava um recado aos brasileiros e, sobretudo, a nós, amazônidas, que nos gabamos de viver cercados por uma das maiores fontes de riquezas naturais do Planeta. Apressei-me em buscar os argumentos de Phelps para a afirmação, que desafia uma lógica que já ganhou ares de tautologia. Ele cita o exemplo de Hong Kong, que conseguiu um extraordinário desenvolvimento científico, econômico e social, mesmo sem contar com as benesses dos recursos naturais. Advoga, ainda, que a riqueza em recursos naturais trava a ambição, necessária ao desenvolvimento de um país, e estimula o conformismo, limitando o espírito empreendedor, o que, por sua vez, compromete os processos de inovação, hoje cruciais para a soberania de qualquer país. Fiquei remoendo com meus botões aquela fala provocativa. Deu-se, então, ter lido, semanas depois, um resumo da conferência que Bertha Becker proferiu em Manaus sobre um tema igualmente provocativo: “A quem interessa a floresta em pé?” De um lado, as palavras da professora da UFRJ corroboram o pensamento de Phelps. Ela reconhece que os produtos da floresta – bem denominados de capital natural – não têm sido transformados em capital fixo para o Estado. Em outras palavras, não temos sabido, em escala maior, traduzir essa riqueza em bem-estar e qualidade de vida para a sociedade. De outro lado, entretanto, Bertha acerta na mosca quando reconhece que isso se deve muito mais ao ritmo ainda lento dos processos de inovação tecnológica, diferente do que Phelps chama de conformismo. E arremata com maestria, fazendo-nos faz lembrar que, hoje, quem tem natureza tem poder. Mas é preciso tirar proveito da nossa biodiversidade sem destruí-la. A ordem, portanto, não é manter intocável a floresta, mas utilizá-la com sabedoria. Obrigado, Bertha.
Artigo de Odenildo Sena publicado no jornal Diário do Amazonas e no Portal Amazônia