Aquecimento global deve afetar forma de governar a Amazônia
A região amazônica viveu por muito tempo sem instrumentos de governança, como se fosse colônia do Brasil. Além disso, os sistemas de ocupação da região foram ineficazes, causando destruição da floresta. Provavelmente, com a necessidade de enfrentar as mudanças climáticas globais esse quadro mude. Foi o que apontaram os pesquisadores que participaram da mesa “O Fim da Amazônia”, durante a 61ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada no último dia da reunião (17/7), no campus da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Segundo o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e mediador da mesa, Charles Clemente, não há instrumentos de governança, porque a Amazônia funciona como uma colônia do país. É vantagem para o Brasil o sistema econômico atual. Com a ideia de que se precisa enfrentar as mudanças climáticas, talvez o quadro mude. “É fundamental interiorizar as responsabilidades como cidadão do mundo, responsáveis pelo planeta”, lembrou.
Sobre a BR-319, que ligará a cidade de Porto Velho (RO) a Manaus, o cientista da Ufam, Alexandre Rivas, salientou a blindagem ao redor da BR, por meio das Unidades de Conservação, como forma de proteger a floresta da devastação. Conforme ele, antes o pensamento do colonizar era desmatar para tirar o maior proveito possível. Hoje há a preocupação com a preservação, aproveitando, dessa forma, os benefícios que a floresta em pé pode oferecer.
A manutenção da floresta no entorno da BR, de acordo com Rivas, passa pela definição fundiária de propriedade, que é um dos principais problemas do desmatamento. “Claro que não resolve tudo, mas é um sinal para solucionar o problema, diferentemente do pensamento da década de 1960 e 1970”, destacou o pesquisador, acrescentando que a ocupação foi feita de forma errônea. Ele disse que em muitos locais não há presença e inteligência suficiente por parte do Estado. Por isso é fundamental promover investimentos.
A reitora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Marilene Corrêa, questionou a posição de que a regularização fundiária seja a saída para a Amazônia. Ele lembrou que os processos exploratórios na região e no país sempre tiveram a mesma posição, por exemplo, as capitanias hereditárias e a exploração da borracha e militar, que tiraram a propriedade da terra das mãos dos caboclos. “Ela é excludente e antiga. A população tradicional tinha a posse da terra”, lembrou.
Segundo a reitora, antes das estradas, as cidades da Amazônia tinham melhores condições sócio-econômicas, eram mais humanas quando tinham como ponto de referência os rios. “Humaitá parece uma cidade do faroeste”, disse, acrescentando que o problema é que são as decisões políticas que orientam a ciência, e não o contrário. A academia não tem força suficiente para impor a política. Por isso, a imprensa e a sociedade devem exercer seus papeis sociais.
O cientista do Inpa Philip Fearnside disse que é preciso dar mais valor aos serviços ambientais prestados pela floresta em pé. Ele explicou que a questão não é mandar os produtos oriundos da biodiversidade para agregar valor fora do país. O processo precisa ser feito localmente. “O problema do desmatamento da Amazônia não são os caboclos ou ribeirinhos, mas os grandes fazendeiros e grileiros”, afirmou.
Para Fearnside, a reconstrução da BR fará aumentar os processos migratórios entre Rondônia e Amazonas. Ele observou que antes a justificativa para a BR-319 era a viabilidade econômica e diminuição dos custos dos produtos fabricados no Polo Industrial de Manaus (PIM). “Não existe viabilidade econômica. Agora a desculpa é a questão da segurança nacional. A argumentação mudou. Serão gastos mais de R$ 1 bilhão com a obra. O recurso deveria ser usado para construir postos de saúde e escolas”, salientou.
Luís Mansuêto – Agência Fapeam