Prevenção contra malária deve destacar aspectos históricos


É preciso pensar campanhas de prevenção contra a malária no Amazonas nas quais sejam incorporadas as dimensões históricas da doença. Essa foi uma das sugestões feitas pelo pesquisador Júlio Cesar Schweickardt. Ele acaba de defender a tese “Ciência, nação e região: as doenças tropicais e o saneamento no Estado do Amazonas (1890-1930)”. O pesquisador  tratou o assunto quarta-feira (27/4) pela manhã, em palestra realizada no salão Canoas, do Instituto Leônidas e Maria Deane (Fundação Oswaldo Cruz – AM), em Manaus, onde é servidor.

A apresentação mostrou resultados da tese de doutorado defendida por Júlio Cesar Schweickardt no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). A pesquisa levou quatro anos para ser concluída, sendo iniciada em 2002. Seu trabalho aborda a discussão da medicina tropical e das doenças tropicais entre 1890 e 1930, com o objetivo de mostrar como os médicos e cientistas da época conseguiram aplicar as descobertas científicas no controle da transmissão da malária e da febre amarela por meio de campanhas de saneamento e políticas públicas em Manaus e no interior do Amazonas. 

Parte dessas conquistas, segundo o pesquisador, deu-se porque os cientistas da época tinham uma visão ampla não somente da doença, mas da economia, do fluxo migratório, da cultura, ou seja, tinham a compreensão do espaço no qual estavam inseridas as pessoas. “As campanhas atuais precisam ser pensadas tendo esses elementos históricos sociais vinculados aos ambientais”, ressaltou. Para ele, hoje há uma discussão rica sobre a ecologia, elementos do ambiente, mas, às vezes, a ecologia prende-se à ecologia apenas dos mosquitos.      

A crítica que se faz, de acordo com Schweickardt, é que não se pode pensar as doenças tropicais apenas pelo aspecto biológico. O cientista, que é ex-bolsista do Programa de Apoio à Formação de Recursos Humanos Pós-Graduados para o Estado do Amazonas (RH-POSGRAD), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), disse que é preciso incorporar dados antropológicos, culturais e até mesmo simbólicos da sociedade no processo de controle das doenças. Por isso, não se pode reduzir os casos apenas ao problema do mosquito, do parasita ou do agente. Ou seja, é algo bem mais complexo.

“Quando vemos os estudos na área de malária, por exemplo, são focados nos aspectos biológicos: tratamento, medicamento etc. É uma lógica de se pensar a doença. Entretanto, esquece-se do indivíduo e o que ele representa. As informações levantadas por meio da tese podem ajudar nesse processo. A malária é uma doença que tem mais de cem anos de história, com a qual o homem convive até hoje”, lembrou. 

Durante o trabalho, o cientista pontuou que foram levantadas informações sobre campanhas feitas por comissões locais e federais há mais de cem anos, as quais obtiveram êxito. Foram encontrados relatórios sobre as atividades, o cotidiano dos sanitaristas, tudo detalhado. Ele disse, por exemplo, que nos locais de maior incidência da malária era comum a convivência com a doença, ou seja, era cultural.

 

Campanhas sanitárias

Segundo Schweickardt, as campanhas contra a febre amarela e a malária não se diferenciavam muito das atuais que são feitas, por exemplo, contra a dengue, pois envolviam educação sanitária, não acúmulo de água, armazenamento de garrafas e o combate à larva. Por isso, para o pesquisador é importante fazer uma análise histórica das campanhas. Dessa forma, é possível aprender como os médicos da época lidavam com as doenças.  

 “Hoje parece que sempre se começa do zero. Pelo contrário, a ciência na medicina tropical era muito dinâmica, porque interessava aos países europeus, que tinham tropas no local, comerciantes, colonos, por isso, a medicina surge como um braço do imperialismo europeu, principalmente, inglês. Atualmente, acontece o inverso, o Brasil desenvolveu tecnologias, há instituições que trabalham com a temática”, ressaltou.  

 

Avanço científico

Na época, a malária era um problema de todo o Estado do Amazonas, o que é muito claro nos relatos dos cientistas que viajavam para a região: Oswaldo Cruz, na época da Madeira Mamoré, e Carlos Chagas, entre 1912 e 1913. Manaus era um lugar onde a malária era a responsável pela metade das mortes na cidade. “Era um problema sério e acometia, principalmente, a população nativa ou as pessoas que migravam para o Estado”, salientou. Mesmo diante das dificuldades, Schweickardt informou que as comissões conseguiram erradicar a febre amarela e controlar a malária.

 

Geografia dificultava controle da malária

A malária era um problema mais complexo, porque envolvia a geografia da cidade, regime de águas, igarapés, cultura da população, mas, em cinco meses, os médicos da época conseguiram controlar a doença. Segundo Schweickardt, Manaus recebeu todas as campanhas nacionais até 1920 contra a doença.

Em 1921, houve uma mudança na política de Governo Federal, a partir da implantação do programa de Saneamento Rural, que fez parte de todo um movimento chamado Saneamento dos Sertões, no qual os Estados faziam um contrato com a União para combater as doenças tropicais da época. Em 1921, o serviço de saneamento e profilaxia rural foi chefiado pelo médico Samuel Uchoa.

Na ocasião, todo o Amazonas passou a ser atendido pelos serviços de saneamento. Criou-se uma modalidade chamada de “Postos Itinerante”, que não havia no Brasil, que tinha como objetivo instalar um serviço médico de saúde em todas as calhas dos rios da região.

 

Luís Mansuêto – Agência Fapeam

 

 

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