Poluição ameaça sobrevivência de igarapés


"…Manaus é moça debruçada no espelho do Rio Negro, que avança por ela com os longos braços dos igarapés, encharcando a saia de seus quintais, improvisando piscinas selvagens nos subúrbios…". Trecho do poema “Água Represada”, da escritora amazonense Astrid Cabral, o texto é uma das muitas demonstrações do quanto os igarapés que "cortam" a cidade eram presentes na vida cotidiana dos manauaras. Uma revelação de perfeita harmonia entre seres humanos e natureza. 

Contudo, os anos se passaram, a população cresceu, o desmatamento de grandes áreas florestais aumentou e a poluição tomou conta dos igarapés de Manaus, de tal forma que qualquer semelhança entre o texto poético e a realidade se tornou quase mera coincidência.

"Os fragmentos de floresta que ainda restam em Manaus estão sendo rapidamente destruídos e nossa capacidade de recompor esses ambientes é muito limitada. Ou cuidamos do que ainda resta ou em breve só teremos igarapés nas lembranças dos habitantes mais velhos da cidade”, alerta o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Jansen Zuanon, coordenador do estudo "Integridade de estrutura e função em igarapés: efeitos da fragmentação e alteração da cobertura florestal".

Zuanon aponta como dado preocupante o desaparecimento de espécies nativas de peixes nos cursos d’água localizados na área urbana da cidade em decorrência do crescimento populacional desordenado, desmatamento de grandes áreas de florestas e a poluição das águas, principalmente, por esgotos domésticos. “Poderíamos ter uma cidade belíssima, cortada por dezenas de igarapés de águas claras, e clima mais ameno e agradável. Ao invés disso, temos esgotos a céu aberto, calor intenso, proliferação de doenças e a perda da biodiversidade nesses ambientes”, comenta.

Outro resultado que requer atenção é o fato de que os efeitos negativos das mudanças na cobertura vegetal afetam com mais intensidade os igarapés em áreas urbanas, em função das grandes distâncias, que separam esses corpos d’água de outros rios e igarapés em áreas de floresta primária, que poderiam servir de “fontes” de organismos para a recolonização dos ambientes alterados. “Cuidar dos igarapés presentes na área urbana de Manaus é uma obrigação de todos”, afirma.

Segundo o pesquisador, é preciso discutir alternativas para a revitalização dos igarapés urbanos. “Enterrar o problema não resolve a situação, simplesmente, empurra a frente de degradação para a periferia da cidade”, critica.

Apoio

Lançado há alguns anos, o projeto de pesquisa foi o primeiro do Estado voltado à identificação dos efeitos da fragmentação florestal em sistemas aquáticos. Até então, os estudos produzidos nesse âmbito eram focados principalmente nas conseqüências da fragmentação florestal somente em ambientes terrestres.

O projeto aprovado recentemente pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), por meio do Programa Integrado de Pesquisa e Inovação Tecnológica (PIPT), tem, entre outros objetivos, caracterizar a estrutura física de igarapés nas diferentes situações ambientais, incluindo a paisagem do entorno; identificar a fauna associada aos igarapés nas diferentes condições de integridade ambiental; determinar a composição e a similaridade da fauna de igarapés e analisar as relações entre alterações ambientais e os padrões de ocorrência de espécies, grupos funcionais e processos ecológicos.  O valor do financiamento da Fapeam para o projeto é de R$ 30 mil. Entretanto, em edição anterior do PIPT, foi concedido ao grupo de pesquisadores envolvidos no estudo outros R$ 40 mil.

Resultados anteriores

Desde o início do estudo, os pesquisadores têm atuado em diferentes vertentes. De acordo com Jansen Zuanon, a investigação iniciou no âmbito do “Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais”, resultado de convênio entre o INPA e o Smithsonian Institute, instituição educacional e de pesquisa associada a um complexo de museus, administrada e fundada pelo governo dos Estados Unidos. Foram realizadas coletas padronizadas para conhecer a fauna de peixes, aranhas, insetos aquáticos, libélulas e anfíbios associados aos igarapés.

"A partir daí, começamos a analisar os efeitos das mudanças ambientais e alterações na paisagem sobre esses grupos de organismos, o que permitiu avaliar a diferença entre as alterações decorrentes de perturbações ambientais produzidas pelo homem e as mudanças naturais do sistema", explica o coordenador.  

Dos resultados, foram publicados diversos trabalhos científicos, dissertações de Mestrado e uma tese de Doutorado, enfocando desde a história natural de organismos até a análise de padrões de distribuição de animais aquáticos, em função de variações nas características ambientais.

Mais informações sobre o projeto podem ser obtidas na página da Internet: http://www.igarapes.bio.br.

Lisângela Costa – Agência Fapeam

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