Polêmicas ambientais
Uso de reservas ambientais para geração de emprego e renda, alternativas de transporte e energia, geração de energia a partir de compostos orgânicos em feiras, controle de natalidade em países em desenvolvimento. Essas são algumas das propostas de pesquisadores vinculados a institutos de ensino e pesquisa no Amazonas para melhorar a qualidade de vida na região de maior biodiversidade do mundo – e a de maior evidência na atualidade.
A pesquisadora Albertina Pimentel Lima, do Centro de Pesquisa em Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), já desenvolveu uma série de propostas destinadas aos governos municipal e estadual para a implantação de áreas de lazer no entorno da Reserva Ducke, na zona Leste de Manaus.
“Se quisermos evitar que a área seja, mais cedo ou mais tarde, destruída, precisamos desenvolver estratégias de geração de emprego e renda incluindo a preservação da reserva no cotidiano das pessoas”, explica Albertina, ressaltando que a pressão sobre as áreas de preservação ambiental ainda é intensa.
Muitos projetos recebem investimento estadual, via Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), e a maioria sugere a organização de um balneário, fazendo uso dos igarapés que nascem na reserva e saem dela com as águas ainda limpas. Grosso modo, a comunidade passaria a ter uma relação financeira e social com a Ducke. “A população é carente de área de lazer e sabemos do potencial financeiro de balneários, que oferecem diversos postos de trabalho”, avalia.
A idéia de geração de renda e participação social para a conservação ambiental é compartilhada por Alexandre Kemenes, pesquisador do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA, na sigla em inglês). Ele sugere investimentos em tecnologia para o desenvolvimento de biodigestores, que, uma vez implantados em locais que produzem carbono orgânico em escala (restos de alimentos, dejetos humanos, resíduos orgânicos), como mercados e feiras, transformariam lixo em energia elétrica.
A geração de energia elétrica em biodigestores é possível a partir do aproveitamento do gás metano, emitido principalmente por atividades biológicas, na decomposição de carbono no solo e na água. O metano é 25 vezes mais poluente do que o gás carbônico (CO2) junto ao processo de aquecimento global. Queimar o metano impede que ele seja emitido diretamente para a atmosfera, ocorrendo daí a liberação de CO2 e água. Portanto, reduzir a emissão de resíduos nos igarapés, rios e lagos, implica em reduzir os impactos da ação humana no meio ambiente, gerar energia e, ainda, lucrar com créditos de carbono.
“Todos os dias são desperdiçadas milhares de toneladas de carbono orgânico que podem virar milhares de megawats de energia elétrica. Nas feiras e mercados, por exemplo, os biodigestores podiam gerar energia a partir de resíduos orgânicos para ser auto-suficiente no abastecimento de energia elétrica”, afirma Alexandre Kemenes.
A mesma tecnologia poderia ser aplicada em lixões e, em última instância, nas ruas da cidade. “Evitando que muito desse material orgânico chegue aos igarapés, produzindo energia para abastecer a iluminação pública da cidade toda e gerando milhões de dólares em crédito de carbono”, explica.
A proposta mais polêmica vem de um pesquisador indiano radicado no Brasil desde 1975. Prakki Satyamurty é pesquisador do Inpa e professor sênior do Programa de Pós-Graduação em Clima e Ambiente (parceria Inpa/UEA), com bolsa da Fapeam. Também já atuou no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), onde chefiou a divisão de operações do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/Inpe).
Satyamurty tem opiniões radicais quando o assunto é ação humana e aquecimento global. Sem simplificações, ele é enfático ao afirmar que o controle de natalidade em países em desenvolvimento pode ser uma saída real para melhorar a qualidade de vida no planeta. “Para os pobres, ficará cada vez mais difícil manter um mínimo de qualidade de vida. Hoje, são eles que têm cada vez mais filhos e as classes médias cada vez menos”.
A iniciativa de controle de natalidade, entretanto, reconhece o pesquisador, ainda é um debate político e cultural incipiente. “O Governo tem de incentivar o planejamento familiar e o homem tem que mudar a noção de que ter pouco filho reduz sua masculinidade. O governo pode prover todos os métodos disponíveis, principalmente para a mulher”.
Estima-se que até 2050, a população mundial alcance 9 bilhões de habitantes, correspondente a 50% da atual, que é de 6,5 bilhões. A maior parte delas usa veículos motorizados para se locomover, incentivando a queima de combustíveis fósseis. Por isso, os pesquisadores insistem numa mudança nos planos urbanísticos da cidade.
“Precisamos reduzir o uso de automóvel e desencorajar as pessoas que pegam seus veículos e saem sozinhas pelas ruas. Uma medida que pode ser tomada é a criação de faixas para carros que trafegam com mais de duas pessoas. Se o carro tiver uma só pessoa, só pode usar a faixa da direita, que não anda, e a pessoa vai passar o dia todo para chegar ao trabalho”, fala Satyamurty.
Albertina Pimentel é menos polêmica, mas não menos utópica. “A implantação de ciclovias é uma medida concreta na oferta de alternativas de transporte para as pessoas, mas sabemos que avanços desse tipo passam pela mudança da postura política dos governos”, finaliza.
Michelle Portela e Valmir Lima – Agência Fapeam