Especialista afirma que ainda não encontramos um caminho para o jornalismo científico na Amazônia
Para Valmir Lima, cada vez mais os governos e as empresas estão investindo em projetos e pesquisas nessa região e entre os desafios deste segmento jornalístico estão, principalmente, a liberdade de informação e a qualidade do material a ser produzido, fugindo do simples release. De acordo com o jornalista, um outro desafio é a criação de veículos de comunicação independentes, uma vez que os sites institucionais nem sempre são independentes o suficiente para publicar matérias que contrariem os interesses institucionais. Em entrevista por e-mail, Valmir conversou sobre o tema que será desenvolvido na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia.
“Por enquanto, ainda não encontramos um caminho para o jornalismo científico na Amazônia. Há um fato inegável: a Amazônia é um ambiente potencialmente rico (talvez o mais rico do planeta) para a produção de ciência. Neste ambiente, estão sendo desenvolvidas inúmeras pesquisas, mas o jornalismo não tem captado essas informações de forma adequada para transmiti-la à sociedade”, acredita Lima.
Em sua avaliação, ainda falta uma articulação maior entre os jornalistas e os institutos de pesquisa, ou entre os veículos de comunicação e as instituições produtoras de conhecimento. “Há avanços neste sentido, se lembramos que o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o maior instituto da região, até bem pouco tempo não tinha um veículos de comunicação com a sociedade (mantinha apenas as publicações científico-acadêmicas)”, disse.
Valmir Lima, que é jornalista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), defende o jornalismo científico como ferramenta de popularização do conhecimento científico. “Mas essa discussão na região precisa avançar. O que os veículos de comunicação de fora da região têm noticiado deixa muito a desejar, até pela falta de conhecimento da região, mas os jornalistas da região também oferecem pouca opção para o público leitor”, enfatizou.
Com objetivo de reunir alunos do ensino fundamental, médio e profissional, além de pesquisadores, universitários e a comunidade em geral, a Semana traz como tema central “Evolução & Diversidade”, de clara referência à Teoria da Evolução pela Seleção Natural, do naturalista Charles Darwin, que está completando 150 anos.
Este ano foram incluídos na programação, várias atividades, entre elas mini-cursos, oficinas, mostras de vídeo, mesas redondas, exposições e palestras.
A coordenação é da Secretaria de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia (Sedect), através de sua diretoria científica (DCT), com o apoio de diversas instituições como Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); Empresa de Processamento de Dados do Pará (Prodepa); Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa); Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (Idesp); Instituto Evandro Chagas; Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG); Parque de Ciência (ONG); Secretaria de Estado de Educação (Seduc); Universidade do Estado do Pará (UEPA); Universidade Federal do Pará (UFPA); Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).
Leia abaixo, na íntegra, a entrevista com Valmir Lima.
Ascom/Fapespa: Qual o papel do jornalismo científico no Brasil?
Valmir Lima: O jornalismo científico deve ser encarado apenas como uma editoria, como já existe em diversos veículos de comunicação tanto impressos quanto televisivos. Nos impressos são as editorias de “ciência”; na TV, os programas como “Globo Ciência”, etc. O que estamos percebendo, nos últimos anos, é que esses veículos não têm dado conta de popularizar a ciência, porque buscam sempre divulgar a pesquisa aplicada e a pesquisa de ponta, cujos fatos são esporádicos. Nesse vácuo, os próprios institutos de pesquisa e as fundações de amparo à pesquisa começaram a criar seus veículos de comunicação. Num momento em que os investimentos em ciência e tecnologia são ampliados numa dimensão jamais vista no país, o jornalismo científico ganha uma importância fundamental até no sentido de prestar contas à sociedade desses investimentos. Têm-se falado muito em divulgação da ciência, mas penso que o papel do jornalismo não é divulgar, mas noticiar aquilo que é imprescindível como conhecimento à sociedade.
Ascom/Fapespa: Na sua opinião, quais seriam as principais dificuldades dos jornalistas na produção de notícias da área cientifica?
Valmir Lima: A relação com a academia é um dos problemas mais urgentes a serem enfrentados. De um lado, os pesquisadores têm pouco tempo e disposição para dialogar com os profissionais da comunicação. Quando o fazem, encontram dificuldade de traduzir a linguagem acadêmica para uma linguagem mais coloquial. O jornalista, por sua vez, não tem buscado as informações básicas sobre a área do conhecimento que se aventuram a cobrir ou que são obrigados a cobrir. Neste sentido, o diálogo torna-se improdutivo. Resultado: pesquisadores insatisfeitos com o conteúdo divulgado e público desinteressado por esse conteúdo.
Outro problema que penso ser necessário combater é o da pauta institucional. O jornalismo de ciência tem noticiado, em grande medida, aquilo que os institutos de pesquisa julgam como importante. No caso das Faps, sobressaem-se as matérias de interesse da instituição ou dos governos aos quais estão ligadas. Abre-se pouco espaço para matérias de maior interesse público.
Ascom/Fapespa: Muitos jornalistas também se queixam desta relação. O que você acha disso?
Valmir Lima: Já respondi a essa questão, mas acrescento o seguinte: a saída é discutir com os pesquisadores, com os institutos de pesquisa. Chamá-los para seminários que discutam a questão. Da parte dos jornalistas, não há outra saída, senão a especialização. Não digo no sentido de fazer cursos, mas de se envolver com as ciências e estudar os temas ou as áreas nas quais pretende trabalhar. Dessa forma, ele também facilita a vida do pesquisador. Não há nada mais frustrante para um cientista do que conversar sobre o seu trabalho com alguém desconhece totalmente o assunto.
Ascom/Fapespa: É necessária uma formação especial?
Valmir Lima: É necessária uma formação mais adequada ao jornalista nas instituições de ensino superior. A maioria dos jornalistas sai das faculdades e universidades com muita deficiência. Qualquer profissional é capaz de fazer jornalismo de ciência, desde que estude sobre o tema. Isso vale para qualquer editoria. As melhores matérias de política são de jornalistas que estão envolvidos com a política, no sentido de conhecer o assunto. As melhores entrevistas de economia são de jornalistas que estudam a economia. A especialização ajuda, porque o profissional é forçado a aprofundar seus conhecimentos em determinada área. Mas as ciências são muitas e ele nunca vai conseguir conhecer todas as áreas. Terá que estudar caso a caso, à medida que o trabalho for exigindo. Para isso, ele precisa ter um tempo maior para trabalhar. Não dá para exigir que esse profissional produza duas matérias por dia, como o fazem os jornais impressos com os demais jornalistas.
Ascom/Fapespa: Exigências para uma comunicação mais séria de CT& I …
Valmir Lima: Existe uma diferença entre comunicação e jornalismo, apesar de o segundo estar inserido na primeira. Comunicação é mais ampla: inclui a publicidade, as relações públicas e o jornalismo. Essa diferença, principalmente entre publicidade e jornalismo não tem sido respeitada pelas instituições de pesquisa nem pelas fundações de amparo à pesquisa (com raríssimas exceções) nos seus veículos de comunicação (sites e revistas). Na maior parte do conteúdo divulgado há uma carga maior de publicidade do que de jornalismo, ou seja, as matérias “vendidas” ao público como jornalísticas, na verdade, têm a função de “publicizar” aquilo que se está fazendo. Não quero dizer que isso não é importante, mas precisamos equilibrar melhor o material sob pena de perdermos leitores e credibilidade.
Ascom/Fapespa: Quais os principais pontos da palestra que você vai apresentar no seminário, em Belém?
Valmir Lima: Vou falar dos "desafios do jornalismo científico na região amazônica". A abordagem é a seguinte: como cada vez mais os governos e as empresas estão investindo em projetos e pesquisas nessa região e as instituições se voltam para a divulgação de conteúdo em ciência e tecnologia, o jornalismo começa a enfrentar alguns desafios. Entre eles, estão, principalmente, a liberdade de informação e a qualidade do material a ser produzido. Outro desafio é a criação de veículos de comunicação independentes (os sites institucionais não têm se mostrado independentes o suficiente para publicar matérias contra os interesses institucionais).
Ascom/Fapespa: Exemplos de boas coberturas científicas na Amazônia…
Valmir Lima: Um site que trabalha muito bem as questões relacionadas à região amazônica é o “amazonia.org.br”. Ele traz informações e opiniões muito boas sobre as questões mais pertinentes, como desmatamento, pesquisa, políticas de governo para a região. Pelo conteúdo, percebe-se certa independência na produção de conteúdo. Claro, como veículo de comunicação feito por uma OSCIP (Amigos da Terra – Amazônia Brasileira), tem uma linha editorial de defesa de interesses dessa organização. A cobertura nos jornais impressos é muito esporádica. Aqui no Amazonas é preciso salientar tanto o trabalho do Inpa, com o site da instituição, e o da Fapeam, com a revista “Amazonas faz Ciência” e também o site. Essas duas instituições têm feito um trabalho inovador, mas como disse, precisamos avançar para um jornalismo mais crítico, como deve ser o jornalismo.
Fonte: Ascom Fapespa