É preciso unir saberes tradicionais à ciência, diz pesquisadora da Amazônia


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A amazonense Márcia Perales Mendes Silva dedicou os 40 anos de sua carreira ao ensino e à pesquisa no Estado do Amazonas.

Entusiasta da interiorização da Universidade Federal do Amazonas, processo que liderou quando ocupou a reitoria da instituição, ela acredita na potência da integração entre a pesquisa científica e os conhecimentos tradicionais.

“Quem vive na região precisa agregar os conhecimentos científicos aos tradicionais, à experiência local e à vivência direta na realidade amazônica, o que instiga e potencializa a atuação do pesquisador”, afirma.

Desde 2019, Silva preside a Fapeam (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas).

Leia, a seguir, a entrevista com ela.

Qual é o diferencial de um pesquisador ou pesquisadora que vem da região Amazônica?

A Amazônia tem características superlativas. A complexidade que a envolve, em suas múltiplas dimensões, exige que atuemos permanentemente para ampliar ” conhecimentos” sobre a nossa região.

O gigantismo amazônico possui uma gama de riquezas, desafios e peculiaridades regionais, que são, na maioria das vezes, difíceis de serem assimilados por quem não é da região, por quem não a conhece, como levar 20 dias de barco para chegar a um determinado município.

Nesse sentido, quem vive na região, como é o meu caso, atuando como pesquisadora, precisa agregar conhecimentos científicos à experiência local e à vivência direta na realidade amazônica.

Há também algo extremamente sensível e relevante que diz respeito à relação de confiança com as comunidades locais, que contribui para fortalecer laços de colaboração recíproca com as populações amazônicas, o que é condição para, por exemplo, ajudar na coleta de informações e na construção coletiva de uma pesquisa, incluindo a devolutiva das análises realizadas.

A senhora vem trabalhando na academia em toda a sua vida profissional. O que enxerga de mudança nesse período?

As transformações têm vindo a galope e, de diferentes formas, nos atingem a todos. Nos últimos 35 anos, as universidades passaram por mudanças profundas, em nível internacional e nacional.

No estado do Amazonas não foi diferente, principalmente em relação à expansão e democratização do acesso, à adoção de políticas afirmativas que abriram novas perspectivas aos estudantes negros, indígenas, quilombolas, interioranos e de baixa renda.

Outra mudança a ser destacada é a ampliação da produção científica no Amazonas em relação ao Brasil — saímos de 0,9% para 1,3% nos últimos 7 anos, um crescimento significativo.

A Fapeam é a quinta agência de fomento à pesquisa no mundo que mais apoia pesquisas sobre a Amazônia, o que significa também que o pesquisador local é apoiado para estudar e pesquisar a sua própria região, fortalecendo uma sinergia necessária e estratégica para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Na maioria das vezes em que se fala da Amazônia, fala-se também da sua conservação. A ciência está dando conta de responder a esse desafio?

Não vislumbro outro caminho para responder a esse desafio que não seja por meio da ciência, da tecnologia e da inovação. A realidade da nossa região não é a mesma de vinte ou mesmo de dez anos atrás.

Enfrentamos uma crise climática global que interfere e muito na vida dos amazônidas, alterando o regime dos rios — nosso principal meio de locomoção intermunicipal —, com cheias e vazantes mais intensas e imprevisíveis, o que causa perdas de lavouras, moradias e criações de animais, além de dificultar o transporte e o acesso a escolas e serviços de saúde.

Em alguns anos, as enchentes chegam mais cedo e intensas; em outros, a seca é tão severa que isola comunidades inteiras. Todo um modo de vida é alterado e ameaçado. E eu creio que só a ciência pode nos oferecer caminhos para lidar com essas adversidades.

Para isso, porém, é muito importante unir o conhecimento científico e os saberes tradicionais, porque temos muito a aprender com os povos tradicionais.

Como a senhora enxerga a integração de saberes tradicionais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, como os extrativistas, com o saber da academia?

Essa integração é fundamental para um conhecimento mais amplo sobre a Amazônia.

Os povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e os extrativistas carregam vivências acumuladas por gerações e não podem ficar de fora desse processo de construção do conhecimento sobre a região.

Muitas vezes, o que os pesquisadores ainda vão experimentar no laboratório, já faz parte da experiência diária, da prática de quem vive na floresta e essa troca é importante, necessária e respeitosa.

A academia atua com método, sistematização, análise e validação científica, mas quem está na floresta, na beira dos rios, já fez seus experimentos, já recebeu ensinamentos e ouviu histórias das gerações anteriores.

Que futuro a senhora imagina para a Amazônia?

Os desafios são imensos até porque os eventos climáticos extremos já são uma realidade. Mas sou uma pessoa que tem esperança, que acredita na juventude e em um futuro melhor.

Sonho com uma Amazônia pujante, plural e respeitada, onde as pessoas convivam com a floresta, os rios e o desenvolvimento de forma harmônica.

Mas, para isso, são necessários investimentos contínuos e robustos na região, em ciência, tecnologia e inovação. Nesse sentido, o apoio financeiro configura-se como um imperativo estratégico para o futuro do Brasil e do planeta.

 

*Por Karina Yamamoto (UOL), em colaboração para Ecoa, de São Paulo

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