Indígenas apresentam pesquisas e mostram um novo caminho para a educação


A pesquisa como prática de ensino tem sido o grande diferencial na educação do município de São Gabriel da Cachoeira, na região do Alto Rio Negro. Essa nova práxis, que envolve a população urbana e as diversas etnias indígenas do município, é fruto de uma iniciativa pioneira da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam): apoiar o desenvolvimento da ciência respeitando, valorizando e agregando os diversos saberes tradicionais.

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Por meio do Programa Jovem Cientista Amazônida (JCA), indígenas das etnias Baré, Tukano e Baniwa deixaram de ser apenas “objetos” de estudo para se tornarem pesquisadores, integrados a grupos de pesquisa de instituições sediadas no Estado do Amazonas. O desafio maior tem sido quebrar o paradigma da escola convencional, que fragmenta o conhecimento em disciplinas, por meio do qual o aluno é, via de regra, um “receptor” asséptico dos conteúdos repassados.

“Nós não queremos mais esse tipo de ‘educação’. Na escola em que trabalhamos, nenhuma matéria é ensinada de forma fragmentada. Os temas são discutidos por todos, professores, alunos e comunidades. Se a gente vai abordar o tema peixe, aí é que entram a matemática, com o estudo de pesos e medidas; a geografia, com a questão da localização das diferentes espécies de peixe; a história, com o estudo das mitologias etc.”, explica Trinho Trujilho, da etnia Baniwa, egresso da primeira turma de JCA.

Estudante do 4° período de Normal Superior da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Trujilho diz que valorizar a cultura tradicional não significa cair no outro extremo e excluir a cultura ocidental: “Eu pesquiso a cultura do meu povo me relacionando com a cultura ocidental. Isso é muito valioso. Nós, indígenas do Rio Negro, temos que interagir, pois vivemos em um mundo globalizado”.

O apoio da Fapeam tem sido fundamental para consolidar essa quebra de paradigma, na opinião de Trujilho. “Mas os indígenas também precisam aproveitar a oportunidade que a Fapeam está dando de conhecerem mais e estudarem o seu povo, a sua cultura”, observa. Ele vem aplicando a experiência do JCA com 26 alunos de ensino médio da Escola Indígena Maadzero, da comunidade Tunuí Cachoeira, sob a tutela do professor Daniel Benjamin da Silva.

A também Baniwa Dinéia Fernandes d’Ávila, bolsista JCA, compartilha da opinião de Trujilho: “Muitos de nós jamais havíamos pensado em ser pesquisador, ainda mais recebendo bolsa, que é um incentivo a mais. O momento, agora, é de tentar manter viva a nossa cultura, por meio do conhecimento. Foi graças à pesquisa que estou fazendo que aprendi sobre os meus antepassados, soube que eles trabalharam na roça”, conta.

Esses depoimentos foram expostos publicamente nos seminários de projetos de JCA, durante a 3ª Semana de Ciência e Tecnologia da Escola Agrotécnica de São Gabriel da Cachoeira (EAF-SGC), realizada nos dias 16 e 17 de julho. O evento contou com a presença do diretor-presidente da Fapeam, Odenildo Teixeira Sena, convidado para apresentar a conferência “Fapeam: três anos de fomento no Amazonas”, no segundo dia.

Ao ouvir dos próprios indígenas a apresentação de suas pesquisas e os depoimentos quanto à importância delas para as comunidades, Odenildo Sena afirmou que a Fapeam está no caminho certo: “Tudo o que ouvi aqui não me deixa dúvidas de que descentralizar é possível, é necessário e funciona. São Gabriel, hoje, é o município que melhor expressa o sucesso da política da Fapeam, que é de apoiar pesquisas que efetivamente contribuam para o desenvolvimento sociocultural, científico e tecnológico do Estado do Amazonas”.

Sully Sampaio, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), acrescentou que “o Programa JCA possibilitou a maturidade de pessoas que estão à frente de pesquisas na Escola Agrotécnica e nas demais escolas do município, inclusive nas comunidades indígenas”. “Os professores indígenas tiveram uma trajetória dentro do JCA, hoje estão na academia e futuramente estarão à frente desses processos”, concluiu.

A secretária de educação de São Gabriel da Cachoeira, Edilúcia de Freitas, também ressaltou a importância da Fapeam e disse que esse apoio era necessário. Pela primeira vez, segundo ela, “existem políticas públicas realmente preocupadas com as pessoas do interior”. E completou: “Essa nova realidade vem ao encontro da nossa proposta, que é de repensar a educação remodelando o ensino nas nossas escolas a partir da pesquisa, de acordo com as demandas das comunidades”, declarou.

A 3ª Semana envolveu professores e alunos da instituição, bolsistas JCA e Pibic-Jr, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), da Fiocruz e da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), além de representantes da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e de outras instituições governamentais e não-governamentais.

Ana Paula Freire

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