Pesquisadora fala sobre produção de biocombustível na Amazônia
Porém, o novo paradigma exige mais que o uso racional dos recursos naturais. A própria palmeira, por exemplo, serviria à fabricação de subprodutos na alimentação humana e de animais de corte, no artesanato, em paisagismo, na medicina, e nas construções rurais. Medidas como essas seriam importantes para superar os entraves na produção e consumo de derivados da palmeira, como o isolamento hidrográfico que dificulta o escoamento da produção, por exemplo.
A Agência Fapeam discutiu a produção de biocombustível na Amazônia com a pesquisadora Ires Paula de Andrade Miranda, doutora em Ciências Biológicas pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)/Museu Nacional de História Natural de Paris. Ela coordenar os trabalhos do Laboratório de Estudos em Palmeiras (LABPALM/INPA) e trabalha há mais de dez anos com palmeiras da Amazônia.
Agência Fapeam – Hoje, há um interesse muito grande no uso da palmeira como biocombustível. Como a senhora avalia esse processo?
Ires Miranda – Existem entraves em sua utilização, por exemplo, produção, cultivo, manejo, plantio etc. Contudo, do ponto de vista de palmeiras nativas muitas possuem uma alta produtividade e capacidade de se estabelecer em grandes densidades tanto em áreas naturais quanto em áreas alteradas. Além disso, as palmeiras possibilitam a utilização de seus frutos como subprodutos, e seus óleos na matriz energética sem comprometer o ecossistema.
Em relação ao estado do Amazonas, à questão é o isolamento hidrográfico em algumas áreas e o efeito da seca em outras, o que dificulta o escoamento da produção. Com o incentivo da criação de cooperativas e o encorajamento da indústria possibilitando a inclusão em seus orçamentos projetos acadêmicos com profissionais de diversas áreas para a efetivação de uma cadeia produtiva, que contemple as demandas da sociedade em geral. Dessa forma, os entraves poderão ser minimizados no que tange ao conhecimento para o aproveitamento integral e manutenção dos estoques vegetais das palmeiras.
A fixação do homem na zona rural, um outro fator positivo, contribuirá para a minimização da depredação ambiental com a instalação de usinas de beneficiamento, melhorando a renda da população rural. Outra vantagem seria a implantação de escolas agrícolas nos municípios. Elas contribuiriam para a educação de jovens, os quais atuariam como multiplicadores sociais.
AF – O Amazonas pode vir a se tornar um grande produtor de biocombustível?
IM – O estado tem condições de alavancar a matriz energética em biocombustíveis desde que haja comprometimento com a cadeia produtiva com o auxílio da ciência e da tecnologia (C&T) e a sociedade, pois só assim a cultura individualista será anulada, a qual não se insere em um mundo globalizado.
AF – A utilização de palmeiras da Amazônia para a produção de biocombustível pode acarretar danos ao meio ambiente?
IM – Não!! Contudo, devem ser obedecidas todas as regras inerentes ao aproveitamento sustentável. Todo extrativismo sem reposição leva a perda de estoques vegetais!!
AF – O manejo na região pode ser auto-sustentável?
IM – A floresta pode ser auto-sustentável sem a interferência humana. Porém o manejo dessa floresta pode ser sustentável desde que se observe todos os meios para a manutenção da fauna e flora do ecossistema a ser manejado. O Amazonas felizmente não utiliza a fonte primária vegetal em grande escala, como em outros estados da Amazônia. Primeiro, pela barreira hidrográfica. Segundo, porque o setor pesqueiro é o mais utilizado. Terceiro, pelo implemento do setor terciário por meio Pólo Industrial de Manaus (PIM). Talvez com a reparação da malha rodoviária haverá a necessidade de organização urgente da ocupação territorial do Estado e a aplicação rígida de leis ambientais, favorecendo com isso o manejo sustentável.
AF – Qual a situação do Estado, atualmente, em relação à produção de biocombustível?
IM – Até o momento, salvo engano, o governo estadual por meio da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia (SECT) estabeleceu o Programa Estadual do Biodiesel, que está sendo ajustado para implementação de projetos com plantas nativas e o dendê.
AF – A pressão do Governo Federal e de países de primeiro mundo é maior do que a capacidade nacional em produzir biocombustível?
IM – Particularmente, penso que cada país tem capacidade de criar suas próprias defesas para não se tornar refém da pressão mundial. Acredito que o Brasil possui várias moedas de troca. O biocombustível é apenas uma delas. Isso não significa que o país dependerá exclusivamente desse recurso para aumentar sua reserva econômica e ainda contribuir com a diminuição de gases do efeito estufa. Talvez a floresta de pé ainda tenha um grande poder de barganha, uma vez que países em desenvolvimento ainda precisam ganhar tempo para o aprimoramento da ciência e tecnologia a fim de competirem em nível de igualdade com países de primeiro mundo. O que precisa ficar definido, de uma forma prática, é o que significa globalização para os países em desenvolvimento.