Manaus recebe a arte segundo Arthur Bispo do Rosário


Pela primeira vez, a obra do artista plástico Arthur Bispo do Rosário será exposta em uma cidade da região Norte. A exposição “Segunda Pele”, que estará acessível ao público amazonense no Palácio da Justiça, no Centro de Manaus, a partir das 19h de domingo,7, até 9 de dezembro, encerra a IV Semana Nacional de Ciência e Tecnologia no Amazonas e faz pano de fundo à sanção da Lei de Saúde Mental do Estado. Considerado louco por alguns e gênio por outros, Bispo, como ficou conhecido, foi um dos mais ilustres portadores de transtornos mentais do Brasil, cuja obra marcou o mundo das artes.

A exposição é uma iniciativa do Governo do Estado, por meio da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Secretaria de Estado da Cultura (SEC), Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia (Sect) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), em parceria com a Associação Chico Inácio.

A Associação Chico Inácio é uma organização não-governamental que atua na defesa dos direitos civis e políticos dos portadores de transtorno mental em Manaus, filiada à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial. A idéia foi articulada pela Chico Inácio e a Pró-Reitoria de Extensão da UEA, que juntas negociaram a realização da exposição com os administradores do Museu Arthur Bispo do Rosário durante dois meses, tempo considerado recorde.

“A administração do Museu Arthur Bispo do Rosário, assim como a SEC, são muito rigorosos com o planejamento dos seus eventos. Ambos levam, no mínimo, um ano de antecedência para programá-los e planejá-los. Entretanto, quando o Museu tomou conhecimento da iniciativa da Associação Chico Inácio, tudo conspirou para o êxito do empreendimento”, explica Rogélio Casado, pró-reitor de extensão da UEA.

Pesou muito o fato de que “a obra do Bispo”, de acordo com o pró-reitor, não é conhecida no Norte e Nordeste brasileiro, com raras exceções no último caso. “Porém, o fato é que uma decisão de governo merecia ter como pano de fundo a obra de um dos mais ilustres portadores de transtornos mentais do Brasil, dada sua importância para o mundo das artes”.

A decisão à qual se refere Rogélio é a sanção da Lei de Saúde Mental, pelo governador Eduardo Braga, prevista para o dia 10 de outubro. Marco na história do setor no Amazonas, a lei estadual, segundo ele, será mais avançada que a Lei federal 10.216, de 6 abril de 2001. “A história da proposta de Lei remonta aos primeiros anos deste século. A Lei de Saúde Mental do Amazonas é um marco na trajetória da Associação Chico Inácio, na história da Reforma Psiquiátrica no Amazonas, e representa um novo período na história da Saúde Mental para os amazonenses”, diz Rogélio Casado.

A Lei de Saúde Mental dispõe sobre a reabilitação psicossocial de cidadãos em sofrimento psíquico através da substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos no Estado do Amazonas por rede de serviços de saúde mental, assim como regulamenta a internação psiquiátrica involuntária, entre outras medidas.

Para Rogélio, a exposição colabora no processo de redução do preconceito contra o portador de transtorno mental. “Ganha com isso a cidade que menos possui serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, conhecido no país como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), e que fazem a diferença entre tratar com liberdade ou suprimir a cidadania”, afirma.

Ganha com isso, também, o movimento social "Por uma sociedade sem manicômios", que quer por fim ao modelo de tratamento baseado em hospital psiquiátrico. Em Manaus, o Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, fundado em 1894, é apontado pelo movimento como ultrapassado e já não responde pelas demandas da população.

Militante do movimento pela defesa dos direitos civis e políticos dos portadores de transtorno mental em Manaus, Rogélio não esconde o entusiasmo. “O evento é imperdível! Será uma experiência inesquecível, dessas de ficar para sempre na memória”.


Mostra reúne artes

A exposição “da obra do Bispo” não é um acontecimento isolado. O Museu Arthur Bispo do Rosário deu à atividade uma concepção interativa, que permite a participação de outros artistas. No Amazonas, foram convidados a participar do evento a Companhia de Teatro Vitória Régia e o fotógrafo Nivaldo de Lima.

Dirigida por Nonato Tavares, a Companhia de Teatro Vitória Régia apresentará a peça "O que é e o que não devia ser", no Teatro Gebes Medeiros, nos dias 6 e 14 de outubro, às 19 horas.

Já Nivaldo de Lima, denominado como "o fotógrafo dos esquecidos", vai expor seis painéis que mostram a realidade da população que mora na rua, objeto de investigação do fotógrafo. Portador de transtorno mental, Nivaldo é membro da Associação Chico Inácio, foi internado 15 vezes em hospitais psiquiátricos em Recife (PE), onde foi submetido a eletrochoques.


Arthur Bispo do Rosário

Descendente de escravos africanos, foi marinheiro na juventude, vindo a tornar-se empregado de uma tradicional família carioca. Em 1938, após anunciar que era um enviado de Deus para julgar aos vivos e aos mortos, foi detido e fichado pela polícia como negro, sem documentos e indigente, e conduzido ao Asilo D. Pedro II, hospício da cidade do Rio de Janeiro (RJ), primeira instituição oficial desse tipo no país. Mais tarde, já diagnosticado "esquizofrênico-paranóico", passou a produzir objetos com diversos tipos de materiais oriundos do lixo e da sucata que, após a sua descoberta, seriam classificados como arte vanguardista.

Entre os temas, destacam-se navios (tema recorrente devido à sua relação com a Marinha na juventude), estandartes, faixas de mísses e objetos domésticos. A sua obra mais conhecida é o Manto da Apresentação, que Bispo deveria vestir no dia do suposto juízo final. Com eles, Bispo pretendia marcar a passagem de Deus na Terra.

Bispo driblava as instituições todo tempo. A instituição manicomial se recusando a receber tratamentos médicos e dela retirando subsídios para elaborar sua obra, e Museus, quando sendo marginalizado e excluído é consagrado como referência da arte contemporânea brasileira.

Michelle Portela – Agência Fapeam

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