Projeto torna inclusão social e digital uma realidade no Amazonas
“Professora, o meu filho foi salvo por esse projeto. Ele estava nas ruas”. A frase foi dita por uma mãe de aluno do projeto Tecnologia, Trabalho e Educação em Rede de Inclusão Social e Digital, durante a entrega de certificados para a primeira turma de adolescentes no bairro Jorge Teixeira, há dois meses. Quem recorda da emoção da mãe é a coordenadora do projeto Zeina Rebolsas Corrêa Thomé, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas. O projeto está ajudando adolescentes dos bairros Jorge Teixeira, Grande Vitória e Coroado, na zona Leste, e de bairros próximos ao Centro de Manaus a recuperar a auto-estima e a ingressar no mundo do trabalho.
Em salas confortáveis, climatizadas e com um computador para cada aluno, os adolescentes aprendem desde as técnicas de computação até o respeito às diferenças e capacitação e responsabilidade para o trabalho. O método, além de proporcionar o aprendizado, ajuda o aluno a desenvolver sua capacidade criativa e a melhorar o desempenho numa das áreas mais complicadas da Língua Portuguesa: a produção de texto. O trabalho é desenvolvido por um grupo de professores, pesquisadores e estudantes bolsistas coordenado por Zeina Thomé, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e parcerias da Polícia Civil, Arquidiocese de Manaus e Ufam.
Desde outubro do ano passado, o projeto funciona com quatro centros de informática. Cada um deles recebe 15 alunos em dois turnos, à exceção do Infocentro Estação Central, no Centro de Artes da Ufam (na rua Monsenhor Coutinho, Centro), que tem uma turma de 17 alunos, pela manhã. Nos bairros, os infocentros só foram instalados porque tiveram a ajuda de instituições parceiras.
De acordo com Zeina Thomé, a Arquidiocese de Manaus construiu o espaço para o infocentro na paróquia Santa Maria Goretti, no bairro Jorge Teixeira, em dois meses e meio. “A Pastoral da Comunicação da Arquidiocese e o empenho do arcebispo dom Luiz Soares Vieira foram muito importantes para o projeto”, reconhece a professora.
No bairro Grande Vitória, a ajuda veio da Policia Civil, e ocorreu por acaso. Zeina Thomé lembra que conheceu um delegado de polícia durante a 3ª Conferência Estadual dos Direitos da Infância e da Adolescência, no ano passado. Quando estava à procura de parcerias para o projeto, encontrou o delegado no supermercado. “Numa conversa rápida, ele me disse que as delegacias estavam sendo desativadas como prisão permanente e as celas ficariam desocupadas. Nós procuramos a Polícia Civil e firmamos a parceria”, contou a coordenadora.
No 4º Distrito Policial, no bairro Grande Vitória, duas celas foram reformadas e adaptadas para sala de aula. A reforma foi feita pela própria Polícia Civil, e os móveis e equipamentos, comprados com recursos da Fapeam. O convênio é celebrado entre a Ufam e a Polícia Civil. O secretário de Segurança Pública, Francisco Sá Cavalcante, gostou tanto da idéia que estuda uma estratégia para ampliar o projeto para outras delegacias.
O Infocentro Coroado está instalado no em uma sala do Minicampus da Ufam e atende alunos de graduação da universidade e estudantes do bairro do Coroado, com turmas à tarde e à noite. “Ele tem o nome de Infocentro Coroado, exatamente porque é voltado tanto para a comunidade acadêmica quando para a comunidade do Coroado”, disse a bolsista do projeto Salete Lima.
No Centro de Artes da Ufam, além do Infocentro Estação Central, foi montado o Laboratório de Produção de Materiais de Hipermídia, cujo objetivo principal é preparar material didático para o projeto. Os cursos oferecidos pelos infocentros são constituídos de três módulos, cada um com uma apostila. O material foi todo produzido no laboratório.
As aulas também contam com uma plataforma digital que possibilita o acesso a todas as ferramentas de aprendizado e ao material produzido pelos alunos via internet. “Para acessar essa plataforma, cada aluno recebe, no início do curso, um logon e uma senha”, explica a pesquisadora Rosângela Castilho Barbosa, mestranda em Educação e participante do projeto.
Reconhecimento
O reconhecimento do projeto já extrapolou as fronteiras do Estado. Em 2006, ele foi apresentado no Fórum Social Mundial, realizado na Venezuela. Este ano, voltou a ser mostrado no mesmo evento, realizado no Quênia, na África. A professora Zeina Thomé explica que o interesse pelo projeto está relacionado ao fato de que ele vai além da simples inclusão digital. “O grande diferencial é que o projeto dá ao adolescente uma visão de sociedade e constrói estruturas de ações relacionadas às relações inter-pessoais, noções comportamentais, cidadania, ética e diversidade cultural. O adolescente aprende a ser cidadão”, explica Zeina Thomé.
Este ano, o trabalho também foi apresentado em evento da Escola do Futuro intitulado “Jovens Empreendedores”, em Brasília. E, na primeira semana de julho, as bolsistas Rosângela Castilho Barbosa e Ana Gláucia Claudino Ferreira, representaram a professora Zeina Thomé no Congresso da Sociedade Brasileira de Computação, em Brasília. Elas apresentaram o artigo “Inclusão Social e Digital através da Formação para o Trabalho”, resultado do projeto. “Sempre a novidade nesses eventos é a inclusão social e digital articulada à introdução ao mundo do trabalho”, afirma Zeina Thomé.
No Brasil, segundo a coordenadora do projeto, não existe nenhum trabalho com o mesmo formato. “Em Florianópolis (SC) encontrei um projeto que tem algumas características desse projeto, mas não trabalha com vistas à inclusão do adolescente no mercado de trabalho. Não conheço no Brasil nenhum trabalho nesse sentido”.
A intenção da professora era estender o projeto para adultos, com a criação de turmas à noite, mas esbarrou na falta de recursos. “Nós propusemos o atendimento noturno à comunidade e os adolescentes que vão se formando seriam os monitores, mas não houve recursos para pagar uma bolsa de R$ 100 para eles”.
Dificuldades
O projeto, financiado pela Fapeam, tem prazo para ser concluído: outubro deste ano. Os recursos, no valor global de R$ 342 mil, também se esgotam em outubro próximo. O desafio é manter o trabalho nos infocentros depois da fase de conclusão das atividades do projeto de pesquisa. “Nós vamos ter que ampliar nossas parcerias para manter os infocentros funcionando”, afirma a coordenadora Zeina Thomé. Para manter as quatro salas de aula em dois turnos, seriam necessários R$ 3 mil por mês. Até o momento, não há fonte disponível.
O projeto original contava com a parceria da Secretaria Municipal da Infância e da Juventude (Seinf), transformada em Secretaria Municipal de Direitos Humanos, mas o convênio que deveria ser selado não ocorreu. Foi depois de ver frustrada a perspectiva de parceria com a prefeitura que a coordenadora do projeto buscou outras instituições parceiras, como a Polícia Civil e a Arquidiocese.
Atualmente há também dificuldades técnicas para o funcionamento do projeto. A principal delas é o acesso à internet. Nos infocentros do Jorge Teixeira e Nova Vitória o acesso é via rádio, com um sistema de links controlado pela Ufam. “Quando chove esse sistema não funciona, e mesmo em dias normais o acesso é muito lento”, afirma Zeina Thomé.
Nos infocentros do Coroado e do Centro de Artes, a conexão é feita por banda larga, mas também ocorrem problemas técnicos que, às vezes, deixam os computadores fora de rede. Como o material didático está na plataforma digital, as aulas são inviabilizadas sem a internet.
Há também problemas com a rede de energia elétrica nos bairros da periferia da cidade. No Jorge Teixeira e no Grande Vitória, foi necessária a compra de no breaks para que os computadores funcionassem. “Sem os no breaks não era possível ligar os 15 computadores de uma vez, porque a rede de energia não suportava”.
O projeto
“Só existe democracia com informação. Ela (a informação) é o veículo construtor da democracia”. Essa frase, proferida pela professora Zeina Thomé durante a entrevista que deu origem a esta reportagem, ganha sentido no projeto de pesquisa apresentado à Fapeam para seleção, há três anos. Ela considerava à época a implantação de sistemas virtuais de inclusão digital como realidade e necessidade na sociedade contemporânea, voltando-se especialmente para grupos de populações com problemas de inclusão social, de acesso aos bens materiais, simbólicos e educacionais socialmente produzidos.
Em outras palavras, a professora queria dizer que os excluídos dos processos sociais precisam ter acesso ao conhecimento produzido nas universidades. “Esse projeto trabalha com a proposta de oferecer ensino, pesquisa e extensão, que são o tripé da universidade”, afirma Zeina Thomé.
Ao caracterizar o projeto, hoje em fase de conclusão, a pesquisadora destacou a criação de um espaço de pesquisa e desenvolvimento de projetos de inclusão social e digital como condição para a “horizontalização da informação e do conhecimento, bem como da efetiva participação e organização social, dado os graves índices de exclusão social”.
A construção do conhecimento, na perspectiva de Zeina Thomé, não é um conceito abstrato. Ela se dá no dia-a-dia dos adolescentes que freqüentam os inforcentros. A bolsista Salete Lima destaca que o aprendizado dos alunos leva em conta a realidade em que vivem. “Eles aprendem a criar textos contando suas próprias histórias, e perdem o medo de escrever porque falam da realidade deles”, explica. Os textos são aproveitados em um jornalzinho do curso, diagramado no Laboratório de Tecnologia Digital.
O propósito do projeto é a formação da criatividade e construção do conhecimento, habilitação em tecnologia digital e formação para o trabalho. Todo esse processo se desenvolve nos infocentros, que Zeina Thomé define como espaço pedagógico, tecnológico, de produção e socialização do conhecimento, e de fácil acesso aos sujeitos. Como a demanda nos bairros é grande e a oferta é limitada, a equipe do projeto seleciona os alunos a partir de uma redação sobre as expectativas deles para os cursos. “Os adolescentes se inscrevem e participam da redação respondendo por que querem fazer o curso. Aqueles que sobram de uma turma, já ficam selecionados para a próxima turma”, explicou Salete Lima.
Além de ser um espaço de aprendizado, os inforcentros e o projeto também servem como campo de pesquisa para alunos de pós-graduação. É o que fazem as mestrandas Rosângela Castilho Barbosa e Ana Gláucia Claudino Ferreira. Elas são alunas do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Ufam, com bolsas de estudo financiadas pela Fapeam, e desenvolvem suas pesquisas com os alunos. “Nós ajudamos na parte pedagógica do projeto e na pesquisa sobre os processos de aprendizagem”, afirma Rosângela Barbosa.
As pesquisas desenvolvidas no seio do projeto têm ajudado a equipe da professora Zeina a promover adaptações e fazer correções para o aprimoramento do aprendizado. Foram essas pesquisas nas áreas de informática e educação que proporcionaram a produção da plataforma de aprendizagem utilizada nos infocentros, o software livre e o banco de dados de que o Laboratório de Produção de Materiais de Hipermídia dispõem para uso no projeto.
Nas comunidades em que o projeto foi inserido, a equipe também desenvolveu uma pesquisa do contexto e da população escolar, através de levantamentos de dados e diagnósticos nas escolas dos bairros.
O projeto inclui, ainda, a capacitação de estagiários que atuam como monitores nos infocentros. Atualmente, o projeto conta com sete estagiários da Ufam, das Faculdades Marta Falcão e do Centro Universitário do Norte (Uninorte). A capacitação é feita antes dos módulos e nos intervalos entre as turmas.