AM investe em ações para a proteção do conhecimento e repartição de benefícios
Proporcionar o desenvolvimento científico e tecnológico a partir do uso sustentável dos recursos da biodiversidade, agregando os saberes tradicionais das populações amazônicas e garantindo a proteção dos conhecimentos gerados, a transferência de tecnologia e a repartição dos benefícios. É com essa filosofia que a Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia (SECT-AM) tem investido em ações no âmbito da propriedade intelectual e da inovação tecnológica no Amazonas, política que começou em 2003, com a criação da “Rede Norte de Propriedade Intelectual, Biodiversidade e Conhecimento Tradicional” e vem se consolidando com atividades e projetos de difusão do tema e capacitação de pessoal na Amazônia, com ênfase maior na comunidade científica e nas populações tradicionais.
O primeiro deles, sob o título “Desenvolvimento de instrumentos institucionais catalisadores de ações para a difusão do exercício dos direitos de propriedade intelectual”, foi fundamental para que se instituísse uma nova cultura sobre a questão tanto na esfera científica quanto nas próprias comunidades tradicionais. “Nosso objetivo maior era a disseminação de informações sobre propriedade intelectual, o que se deu no encontro da Rede Norte, através da participação de cerca de 400 pessoas dos mais diversos setores sociais, interessados no tema”, explica Serguei Camargo, professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Criado em julho de 2004, o projeto contribuiu para o fortalecimento das atividades da Rede Norte, inclusive viabilizando o primeiro encontro logo no ano seguinte, em Manaus.
Atualmente, Camargo coordena outro projeto, no qual pesquisadores beneficiados com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) são orientados sobre a propriedade intelectual. “Nesse sentido, nossa equipe tem atuado junto a diversas instituições de pesquisa contribuindo para a disseminação de informações em diversos níveis”, acrescenta o professor. Além dessas iniciativas, diversos cursos têm sido realizados com esse fim, mediante um acordo de cooperação entre a SECT e o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), do Rio de Janeiro, órgão responsável por executar as normas que regulam a propriedade industrial no Brasil, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica.
“A formação de novos cientistas e de pessoas capacitadas para a gestão da propriedade intelectual precisa ser cada vez mais estimulada. Daí a necessidade de essa política de capacitação à gestão da propriedade intelectual atingir grandes escalas”, afirma Marilene Corrêa, secretária de Estado da Ciência e Tecnologia do Amazonas.
Entre setembro de 2005 e dezembro deste ano, foram realizados quatro importantes cursos: o “Curso Básico de Capacitação em Propriedade Intelectual”, “Gestão Tecnológica e Inovação” e o “Curso Intermediário de Capacitação em Propriedade Intelectual”, e, mais recentemente, o “Curso Avançado de Capacitação em Propriedade Intelectual”, todos voltados para a comunidade científica e para quem já trabalha na área.
“Nós já tivemos a oportunidade de participar de alguns cursos oferecidos pela SECT juntamente com o INPI. Esse trabalho de capacitação de gestores em propriedade industrial é muito interessante e importante para a região”, afirma Noélia Falcão, chefe da Divisão de Propriedade Intelectual e Negócios (DPIN) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), integrante da Rede Norte.
Segundo ela, no próprio INPA já há diversas experiências nesse campo. “Temos promovido a disseminação dessa cultura por meio de cursos, seminários, palestras, sempre compartilhando com nossos parceiros”. Para Noélia Falcão, em se tratando da pesquisa na Amazônia é fundamental que pensemos em algo que possa nos garantir que nossas criações, nossas invenções não sejam utilizadas por terceiros sem nosso devido consentimento, evitando, assim a biopirataria. “Nossa preocupação com a proteção do conhecimento veio tardiamente, mas hoje nossos pesquisadores já sabem ou pelo menos deveriam saber a importância da proteção da propriedade intelectual, principalmente numa região como a nossa que abriga a maior biodiversidade do planeta”, acrescentou.
Além do investimento em capacitação, a SECT também tem incentivado a participação de seu corpo técnico em eventos de outros órgãos, em outras regiões do País. Recentemente, a chefe do Departamento de Apoio à Pesquisa e Inovação, Fabiana Souza, participou de reunião da Academia do INPI, cujo objetivo era promover o intercâmbio de experiências com propriedade intelectual entre os diferentes Estados. “Os nossos problemas aqui são bem diferentes dos problemas do Sudeste, por exemplo. Aqui, nós não temos apenas as marcas, as patentes e o desenvolvimento industrial para resguardar. Temos, também, os conhecimentos tradicionais, que não são amparados pela legislação, mas devem ser protegidos, assim como a questão da repartição dos benefícios”, alertou.
Preocupada com essa questão, a Fundação Estadual dos Povos Indígenas do Amazonas (FEPI), integrante da Rede Norte, criou o Núcleo de Estudos e Análise em Propriedade Intelectual (NEAPI), com o objetivo de promover discussões e intercâmbios entre as comunidades indígenas, as instituições de pesquisas e outras organizações. “É muito importante definirmos estratégias para a proteção e a valorização da sabedoria milenar indígena e levar às nossas comunidades informações sobre o seu direito à repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração de componente genético e do conhecimento tradicional associado à biodiversidade”, afirma Bonifácio José Baniwa, presidente da FEPI, na apresentação da cartilha “A proteção dos Saberes Milenares na Pesquisa”.
A Rede Norte de Propriedade Intelectual, Biodiversidade e Conhecimento Tradicional congrega instituições sem fins lucrativos que atuam na região amazônica, promovendo a função social da propriedade intelectual, o uso sustentável dos recursos da biodiversidade e uso de mecanismos diferenciados para a proteção dos conhecimentos tradicionais. Atua na formação e capacitação de recursos humanos; difusão da função social da propriedade intelectual; apoio aos núcleos de PI e detentores de C&T; propriedade coletiva e conhecimentos tradicionais; geração e difusão de informação; uso sustentável da biodiversidade; transferência de tecnologia; e repartição de benefícios.
Um comitê gestor, formado pelos coordenadores das comissões estaduais e pelos coordenadores da comissão indígena e de comunidades locais, é responsável por garantir a observância dos princípios da Rede e gerenciar a elaboração de seus produtos, entre outras atribuições. A comissão do Amazonas é composta pelas seguintes instituições: FEPI, FUCAPI, INPA, SEBRAE, SENAI, SIPAM, SUFRAMA, UFAM e SECT, além da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) e do GTA (Grupo de Trabalho Amazônico),
Dois grandes encontros já foram realizados pela Rede Norte: o primeiro foi em março do ano passado (28 a 30), em Manaus, e o segundo foi este ano, de 26 a 28 de outubro, em Ananindeua (PA). Ambas as edições contaram com a participação de pesquisadores e professores de instituições de ensino e pesquisa, entidades representantivas de populações tradicionais, empresas, agências financiadoras e ONGs. No segundo encontro, foi tratada especificamente a relação entre conhecimento científico e tradicional, com o tema “Repensando os caminhos da pesquisa com povos indígenas e sociedades tradicionais: novas diretrizes para a construção das práticas científicas”.
A Lei de Inovação Tecnológica (Lei 10.973), sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2 de dezembro de 2004, é considerada um avanço, na opinião de pesquisadores, empresários e lideranças indígenas, uma vez que estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação e ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do País. “Os institutos tecnológicos e aqueles que se debruçam diretamente no trabalho da pequena e da grande inovação no interior das empresas serão fortemente beneficiados”, afirma Marilene Corrêa, da SECT. Para Noélia Falcão, do INPA, “a lei contribui no momento em que permite a interação entre os centros de ensino e pesquisa e as empresas, fundamental para alavancar essa autonomia tecnológica que tanto buscamos”.
A Lei está organizada em torno de três eixos: a constituição de ambiente propício a parcerias estratégicas entre as universidades, institutos tecnológicos e empresas; o estímulo à participação de instituições de ciência e tecnologia no processo de inovação; e o incentivo à inovação na empresa. Ela prevê autorizações para a incubação de empresas no espaço público e a possibilidade de compartilhamento de infra-estrutura, equipamentos e recursos humanos, públicos e privados, para o desenvolvimento tecnológico e a geração de processos e produtos inovadores. Também estabelece regras para que o pesquisador público possa desenvolver pesquisas aplicadas e incrementos tecnológicos.