Pará cria maior reserva florestal do mundo


O governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), resolveu se despedir de seu mandato em grande estilo. A menos de um mês de deixar o cargo, ele assinou a criação do maior conjunto de áreas de conservação em floresta tropical do planeta.
Só na calha Norte do rio Amazonas paraense foram colocados sob proteção oficial 12,7 milhões de hectares de floresta em área contínua -quase o equivalente a Portugal e à Suíça somados- em cinco unidades de conservação.
Entre elas, a maior já criada no país, a Estação Ecológica Grão-Pará, com 4,2 milhões de hectares, e a terceira maior, a Floresta Estadual do Paru, com 3,6 milhões de hectares.
Três dessas unidades são Florestas Estaduais (Flotas) que admitem usos econômicos como a exploração sustentável de madeira. As outras duas são de proteção integral, destinadas unicamente à conservação da biodiversidade e à pesquisa.
Somadas a duas outras áreas criadas na calha Sul, as reservas do Pará perfazem 15 milhões de hectares, ou um Ceará, e elevam em quase 3% a porção protegida da Amazônia.
A festa de Jatene só não foi maior porque uma liminar concedida no fim de semana pela Justiça Federal de Altamira impediu a criação de duas outras unidades.

Corredor gigante
O mosaico paraense completa o maior corredor ecológico do planeta, que se estende da fronteira entre o Amazonas e a Colômbia, até o litoral do Amapá.
Quem percorrer essa região hoje poderá andar 3.000 quilômetros integralmente dentro de áreas protegidas, entre parques, reservas indígenas e florestas de uso sustentável.
A criação do mosaico da calha Norte é uma dupla boa notícia. Primeiro, porque antecipa a proteção a uma região ainda pouco impactada pela ação humana.
De acordo com a ONG Conservação Internacional, que fará o inventário da biodiversidade local no ano que vem, a região sob proteção integral na calha Norte abriga pelo menos 61 espécies de anfíbios, quase 200 de mamíferos e 700 de aves. Oito estão ameaçadas.
Depois, porque o custo político de sua implementação é baixo, já que boa parte da região está fora de acesso para o setor produtivo, por possuir relevo acidentado e solos pobres.
"As áreas de proteção integral estão sob proteção passiva", disse à Folha Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), que coordenou os estudos para a criação das novas reservas.

Região sofre pressão por parte de madeireiros e garimpeiros
Apesar de estarem relativamente menos ameaçadas que as florestas da margem direita do Amazonas, as matas da calha Norte são consideradas a bola da vez para a grilagem de terras. A região sofre pressão de garimpeiros e de madeireiros.
Segundo Adalberto Veríssimo, do Imazon, essa pressão é maior na Floresta Estadual do Paru, que deverá ser aberta à exploração madeireira com concessões federais -além de criar as reservas, Simão Jatene também enviou ontem à Assembléia Legislativa do Estado o projeto de criação do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Pará, que deve fiscalizar a indústria madeireira.
Quem olha para uma imagem de satélite da Flota do Paru pode se enganar: apenas 0,4% da unidade de conservação está desmatada.
"No mapa de vegetação, parece que a calha Norte está blindada ao desmate", diz Veríssimo. Ao cruzar o mapa com os dados fundiários, porém, os pesquisadores levaram um susto. "Quase metade da área do Paru tinha requerimento de posse", afirma.
Em bom português, grileiros declaravam intenção de posse na área para poder explorar madeira de alto valor, como a maçaranduba. "As demandas desse setor foram 100% negadas", continuou o pesquisador.
O governador, que se declarou ontem um "apaixonado" pela questão ambiental, começou seu processo de "esverdeamento" quando assumiu o governo e iniciou negociações para um empréstimo junto ao Banco Mundial para fomentar a produção rural no Estado.
O Bird condicionou o dinheiro -US$ 10 milhões- à realização do macrozoneamento ecológico-econômico do Estado, que se iniciara em 1999 mas vinha sendo mantido em banho-maria pelo então governador Almir Gabriel, também do PSDB.
O processo definiu as áreas do Pará que deverão se destinar à proteção integral, ao uso sustentável e à consolidação e expansão da fronteira.

Armadilha
Jatene resume sua filosofia: "É uma armadilha essa história de produzir ou preservar. Se não produzirmos, vamos morrer todos. Se produzirmos sem preservar vamos morrer todos também."
Ele deixa a implementação das novas áreas protegidas como herança para a petista Ana Júlia Carepa, que assume o Estado em janeiro.
Jatene disse não saber quanto custará a implementação. Parte da verba virá do Banco Mundial e parte (US$ 1 milhão) da Conservação Internacional. Procurada pela Folha, a governadora eleita não foi encontrada para comentar o tema.

Juiz suspende criação de duas novas unidades
O Ministério Público Federal do Pará conseguiu, na última hora, suspender a criação de duas das nove unidades de conservação propostas pelo governo Jatene.
A Floresta Estadual Amazônia (512 mil hectares) e a Área de Proteção Ambiental de Santa Maria de Uruará (942 mil hectares) saíram do bloco por uma liminar da Justiça Federal de Altamira, expedida no sábado.
As unidades possuem sobreposição com a Resex (Reserva Extrativista) Renascer, proposta pelo governo federal. Comunidades locais e algumas ONGs ambientalistas se manifestaram a favor da criação da Resex.
Elas entendem que a APA oferece baixa proteção, e que a instauração de uma Floresta Estadual ali beneficiaria mais as madeireiras do que comunidades tradicionais.
O governo do Pará disse que insistirá na criação das duas unidades. "Dizer que floresta pública não garante os direitos das comunidades tradicionais é desconhecer a lei", disse o secretário paraense de Produção, Vilmos Grunvald.

(Folha de SP, 5/12)

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