Maestro Márcio Páscoa fala sobre a relação entre música e pesquisa


12/04/2013 O músico amazonense Márcio Páscoa, professor do Curso de Música da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em entrevista ao Ciência em Pauta, fala sobre os desdobramentos das pesquisas realizadas no âmbito do  Laboratório de Musicologia e História Cultural da instituição, que é um grupo de pesquisa certificado pelo CNPq e conta com bolsistas que vão desde a iniciação científica até o doutorado.

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Páscoa é doutor em Ciências Musicais pela Universidade de Coimbra e membro do Programa de Pós-Graduação em Letras e Artes da UEA. Atua ainda no campo da musicologia histórica, com várias publicações de livros, artigos e restauração de obras musicais.

No próximo sábado (13/04), a  Orquestra Barroca do Amazonas (Amazonas Baroque Ensemble), da qual Páscoa é diretor musical, lança seu primeiro álbum, ‘Dei Due Mondi’, cujo repertório é fruto de pesquisas sobre a música no Brasil durante o período colonial. A execução das obras conta com cópias fiéis dos instrumentos do período em que foram compostas, produzidas a partir de pesquisa extensa. O concerto de lançamento será realizado no Teatro Amazonas, com entrada gratuita, a partir das 20 horas.

Desde que foi formada, a orquestra se apresentou em vários estados do País e em festivais na Itália, Portugal e Espanha. Confira a entrevista:

Ciência em Pauta – Como surgiu o trabalho do grupo de pesquisa Laboratório de Musicologia e História Cultural da UEA?

Márcio Páscoa – O laboratório é a ampliação de um projeto iniciado na universidade por um grupo de docentes interessados na área. Começamos funcionando como um Núcleo, ainda em 2002. As atividades se estenderam à pesquisa no ano de 2005, quando o grupo foi constituído formalmente pela UEA. Fizemos um primeiro projeto de restauração de partituras, apoiado pela Petrobras, a partir de uma concorrência nacional. Desenvolvemos outro projeto com a parceria da Eletrobras e, em 2009, iniciamos as pesquisas com o apoio da  Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). O projeto tinha como objetivo pesquisar sobre a música no Brasil durante o período colonial, especialmente a música vocal profana, que as pessoas chamam de ópera, de maneira geral, e o que isso tinha de relação com a formação da identidade musical brasileira e, claro, se tinha alguma relação com a região amazônica.

Essa pesquisa teve um tempo de subvenção, que se pode precisar, mas como ato de busca ele se iniciou antes de 2009 e não parou mais. Continuamos trabalhando. Agora mesmo temos alguns projetos de iniciação científica que colaboram com essa linha, de modo que, em termos de pesquisa, ela não parou. Continua alimentando esse patrimônio que vamos descobrindo.

/CP – A que outras atividades o grupo de pesquisa se dedica atualmente?

MP – Estamos buscando viabilizar a saída dos produtos resultantes dessa última pesquisa, tais como: desenvolver um projeto para viabilizar a edição das partituras e dos estudos e continuar com a orientação do trabalho de restauro patrimonial, pois seguimos a descobrir material com relevância para compor esse cenário. A elaboração do disco é um produto que conseguimos viabilizar e também uma primeira prestação do que foi descoberto. Interessa-nos a produção de outros álbuns, pois o material descoberto não se resume ao que está na obra. Outro produto a consolidar é a própria orquestra, já que ela passa a ser um personagem importante e precisa de parceiros para continuar suas atividades.

CP – Do que tratam as obras que serão executadas no Concerto de lançamento do disco ‘Dei Due Mondi’?

MP – A produção tem material de gêneros e proveniências diferentes. Procuramos construir um ciclo coerente dentre as peças que tínhamos para que pudéssemos apresentar um pouco do que é essa música que está sendo descoberta nas pesquisas. O interessante é que o disco reúne compositores europeus que se relacionaram com o Brasil Colônia e o influenciaram, como mestres espanhois e italianos. Buscamos pegar esses autores que têm essa partilha de mundos diferentes e que produziram esse hibridismo cultural, daí o nome do álbum, que significa ‘Dos dois mundos’ em italiano.

CP – Podemos considerar a criação da Orquestra Barroca do Amazonas e o lançamento do seu primeiro álbum como desdobramentos da pesquisa?

MP – O suporte tradicional da música é o disco. Mas ele só vai ser viável se tiver um grupo para executar essas músicas, havendo a necessidade de se criar outros produtos. Nesse sentido, a orquestra passa a existir, dinamiza um setor considerável que é o da indústria cultural. Também passa a ser mais uma oportunidade para profissionais e públicos, além de enriquecer as prateleiras com uma contribuição.

Também mostramos que há pontos de discussão interessantes, pois não se está entregando simplesmente mais do mesmo. Não estamos colocando mais uma dupla sertaneja para gravar. Estamos mostrando que há outro repertório, outros grupos, outros instrumentos. Ou seja, que há uma variedade cultural e intelectual muito maior à disposição do público.

O disco é uma consequência estável, mas o grupo que toca é uma consequência dinâmica. Pode tocar hoje aqui e depois em outro lugar, inclusive representando o Amazonas. Então, a orquestra é um produto que ganha certa visibilidade de interesse sociopolítica para além do cultural. No entanto, depende muito de como a sociedade vai aceitar e como vai se relacionar com esses produtos. Da nossa parte, continuamos insistindo que há muito mais coisa para se fazer com música. A proposta de dar continuidade à pesquisa, da orquestra e do disco é de que existe volume e densidade para continuar fazendo música.

/CP – Como o senhor avalia a receptividade e o interesse da sociedade amazonense em relação à música erudita?

MP –  Existe hoje uma variedade muito grande de meios de comunicação e de produtos à disposição. Não vejo que a sociedade do Amazonas seja diferente de qualquer outra. Penso que há uma globalização nesse sentido. Temos muito material à disposição no mercado e, com a grande possibilidade de alcance de informação existente na atualidade, as pessoas partem em busca do que as interessa, com possibilidades de descobrir coisas novas durante o caminho.

Hoje não existe desculpa para dizer que ópera é musica de elite ou que música erudita é coisa de funeral, de gente velha. Isto não faz mais sentido, até porque a maior parte das pessoas que faz música erudita no Brasil é de jovens. A idade e a localização geográfica não são mais barreiras. O que continua sendo importante é a qualidade do produto, se ele é bem apresentado, bem contextualizado e feito com rigor artístico. É a qualidade que chama a atenção. Existe público para absolutamente tudo.

CP –  Recentemente, pesquisadores descobriram que a música tem efeitos neuroquímicos que podem melhorar o sistema imunológico, reduzir a ansiedade e até mesmo regular o humor. O que o senhor tem a dizer sobre os benefícios ligados à música?

MP – Isso talvez explique porque alguns músicos, e eu me incluo nesse grupo, têm prazer no ato de lidar com a música. É quase como um vício. Outras pesquisas já relacionavam a música com a liberação de endorfinas e de serotonina. Agora, também se afirma que ela (a música) pode reduzir os níveis de cortisol (hormônio do estresse).

No final dos anos 90, pesquisadores da área de pedagogia musical descobriram que a música permite um desenvolvimento cerebral, se aplicada na infância, que resulta em adultos com mais competências e habilidades. Essa escuta continuada vai desenvolvendo a percepção neurolinguística e essa situação de compreensão de estruturas virtuais, de maneira afetiva e formal. Isso provocava um amadurecimento e despertar de linguagens.

Essas pesquisas sobre os benefícios da música se complementam e vêm respaldar seu uso desde as sociedades mais antigas. Por exemplo, a música era importante aliada da educação na Grécia, como habilidade cortesã no Renascimento e como habilidade de catequese na América colonial. Ela é uma linguagem que tem uma função importantíssima para o desenvolvimento do ser humano e da comunidade que a adota, independente de possuir ou não letra, do instrumento utilizado e se é popular ou erudita.

Fonte: Ciência em Pauta, por Anália Barbosa

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