Doenças crônicas ganham atenção especial no AM


21/11/2012Alterações nos estilos de vida das sociedades contemporâneas, tais como mudanças dos hábitos alimentares, elevação do sedentarismo e aumento do estresse, aliadas ao aumento da expectativa de vida da população vêm contribuindo para o crescimento na incidência de doenças crônicas. Dados do Ministério da Saúde (MS) apontam que cerca de 70% das causas de mortes atualmente correspondem a infartos, cânceres, doenças cardiovasculares, diabetes e doenças respiratórias, tornando-as um sério problema de saúde pública.

Em 2011, o Ministério da Saúde lançou o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs) no Brasil (2011-2022) que visa preparar o Brasil para enfrentar e deter, nos próximos dez anos, as DCNTs, entre elas: hipertensão arterial,  Acidente Vascular Cerebral, infarto, câncer, diabetes, tuberculose e doenças respiratórias crônicas.

Segundo o documento, essas doenças constituem o problema de saúde de maior magnitude, atingindo fortemente camadas pobres da população e grupos mais vulneráveis, como a população de baixa escolaridade e renda. Na última década, observou-se uma redução de aproximadamente 20% nas taxas de mortalidade pelas DCNTs, o que pode ser atribuído à expansão da atenção primária, melhoria da assistência e redução do consumo do tabaco desde os anos 1990, sendo um importante avanço na saúde dos brasileiros.

Tuberculose

No Amazonas, a pesquisa científica de alto nível aliada à assistência nos institutos de saúde é um dos caminhos que trazem novas perspectivas para a grande fatia da população acometida por um desses males. A tuberculose, por exemplo, é uma das principais enfermidades que acomete os amazonenses, colocando o Estado como o primeiro no ranking do registro entre os Estados com maior incidência da doença no País.

Nessa perspectiva, a pesquisadora da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado  (FMT-HVD) e coordenadora do Programa Estadual de Controle da Tuberculose, Marlúcia da Silva Garrido, desenvolveu o ‘Estudo de Multirresistência Primária aos Tuberculostáticos em Manaus’. Na pesquisa, Garrido verificou que há uma grande tendência para os pacientes desistirem ao longo do tratamento da tuberculose por conta de fatores como o alcoolismo, baixo nível de escolaridade e no caso de pacientes soropositivos.

“É uma recomendação internacional o inquérito sobre a situação da resistência ou não do bacilo. O levantamento é feito para o entendimento do processo de contato das pessoas com a tuberculose. Os dados servem para ajudar na quebra da cadeia de transmissão e tornar o tratamento mais eficaz e eficiente”, pontuou Garrido. A tese contou com o apoio do Governo do Estado, via Fapeam, FMT-HVD, Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) e Policlínica Cardoso Fontes, onde as amostras dos pacientes foram coletadas. A Fapeam, o MS e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) investiram cerca de R$ 112 mil no projeto, no âmbito do Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS). O objetivo foi verificar a prevalência da multirresistência do bacilo aos principais medicamentos (Rifampicina, Isoniazida, Tambutol e Estreptomicina) utilizados no tratamento.

Multirresistência

A pesquisa traz ainda informações sobre casos de pacientes com resistência aos medicamentos utilizados. Segundo Garrido, o estudo consistiu, inicialmente, em analisar a resposta de 1.048 pacientes aos remédios utilizados no tratamento da tuberculose.

Os resultados preliminares demonstraram que 23 pacientes apresentaram algum tipo de resistência, mas somente em três casos verificou-se a multirresistência. Constatou-se também que os pacientes infectados nunca tinham tido a doença e foram contaminados por outros indivíduos.

“Os três pacientes representam 1,7% dos casos de multirresistência em Manaus. Pode-se dizer que este dado também se refere ao Estado do Amazonas, uma vez que a maioria da população vive na capital. A porcentagem é maior que a nacional (1,4%). Contudo, é menor que a mundial, mas ainda assim é preocupante”, informou.

Outra ação importante para o combate ao avanço da tuberculose é o Programa Temático Conjunto em Diagnóstico da Tuberculose, que conta com uma parceria entre a Fapeam e as FAPs do Rio de Janeiro (Faperj) e de Minas Gerais (Fapemig), com recursos iniciais de, aproximadamente, R$ 2 milhões.

O programa vai funcionar como uma rede para o desenvolvimento de pesquisas cooperativas entre os três Estados para que os esforços sejam compartilhados de forma a gerar resultados mais promissores e em um menor espaço de tempo.

Nível de resistência

O bacilo é considerado multirresistente quando não responde às duas primeiras das quatro drogas utilizadas no tratamento da doença, são elas: Rifampicina, Isoniazida, Tambutol e Estreptomicina. Nos testes de sensibilidade foram analisadas as quatro drogas. Caso tivesse apresentado resistência às drogas de segunda linha, o bacilo seria considerado extensivamente resistente (nível mais elevado).

Hepatites virais na Amazônia 

Uma outra doença crônica endêmica da Amazônia é a hepatite viral. A ciência busca respostas para a melhoria da qualidade de atendimento e diagnósticos dessa enfermidade. No Amazonas, há grupos de pesquisa nas regiões de Lábrea, de Eirunepé e do Rio Javari (Alto Solimões), cujo objetivo é analisar o impacto que os vírus causam na população.

Nesse sentido, o doutor em Doenças Infecciosas, Wornei Braga, coordena a pesquisa intitulada ‘Hepatite de Lábrea: estudo clínico, epidemiológico e virológico – proposta de implantação de vigilância e tratamento de portadores dos vírus das hepatites B e Delta’.Segundo Braga, nos municípios de Tabatinga e Atalaia do Norte são desenvolvidos programas de tratamento junto às populações indígenas, obedecendo a itens como  identificação de portadores, avaliação clínica, indicação sobre as necessidades e das condições de realização de tratamento.  O trabalho científico conta com recursos do PPSUS, que é financiado pela Fapeam e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Ministério da Saúde – Decit.

Hepatite de Lábrea

Na pesquisa, Braga verificou que os estudos sobre hepatites virais na Amazônia começam a ter seus primeiros ensaios quando a região teve visibilidade com o surgimento da doença chamada de ‘Febre Negra de Lábrea’ ou ‘Hepatite de Lábrea’, no município homônimo (distante a 702 quilômetros de Manaus), considerada uma das mais devastadoras doenças emergentes encontradas na Amazônica.  

“Trata-se de uma hepatite fulminante, causada pela associação de dois vírus da hepatite (B e Delta) provocando a destruição do fígado, com hemorragia interna e vômitos com sangue”, afirmou o pesquisador.

A enfermidade é capaz de matar 90% dos infectados em até seis dias. Há notícias de ocorrência da doença na Calha do Rio Juruá, Alto Solimões (parte Ocidental da Amazônia Brasileira) com registros também em países fronteiriços, recebendo denominações próprias para cada localidade, como por exemplo, a hepatite de Santa Marta, na Colômbia, que apresenta os mesmos sintomas de ocorrência no Brasil.

Focos virais

A região Amazônica é bastante conhecida por apresentar focos de hepatites virais que são doenças do fígado causadas pelos vírus conhecidos de ‘abecedário’. Segundo Braga, a população conhece as Hepatites A, B, C, D e E com especificidade viral, apresentando diferenças epidemiológicas e clínicas. Ele exemplificou que a Hepatite A causa doença aguda com taxa de letalidade de uma morte a cada 100 mil casos e, após a cura, o paciente não apresenta sequelas. Uma das causas da doença é a sua associação com a ausência de condições básicas de saneamento e de higiene pessoal. 

As hepatites B, C e D têm maior ocorrência na Amazônia, inserindo a região como a primeira no ranking mundial. Segundo o pesquisador, 15% da população da região do Rio Javari apresenta a doença, considerada uma taxa 30 vezes maior pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A tríade viral hepática apresenta características distintas, disse o especialista, que ressalta sobre a ocorrência de oscilação tanto na forma aguda quanto na crônica. Esta última apresenta doenças no fígado, evoluindo para cirrose e até mesmo ao câncer hepático.

Braga lembra que, antes da criação da Fapeam, as dificuldades para adquirir recursos provenientes de órgãos de pesquisas nacionais, se tornavam um verdadeiro martírio. “A competição injusta entre pesquisadores locais e os do sul do País, com uma vasta produção deixavam os pesquisadores locais do lado de fora dos financiamentos para pesquisa”, afirmou.

Doença de Chagas  

/A doutora em Entomologia e professora do Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical (PPMT), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Maria das Graças Vale Barbosa, disse que na Região Amazônica, a Doença de Chagas sempre foi considerada uma zoonose e nos últimos anos, vem sendo reconhecida como uma importante antropozoonose emergente, com centenas de casos descritos nas últimas décadas.

Segundo ela, entre os fatores que podem estar contribuindo para que esta realidade ganhe maiores dimensões está a intensa transformação da paisagem causada pelo desmatamento e a migração populacional de áreas endêmicas para a Amazônia, com a possibilidade da introdução não intencional de cepas do Trypanosoma cruzi (protozoário causador da Doença de Chagas) transmitido, principalmente, por um inseto da subfamília Triatominae, conhecido popularmente como barbeiro.

Barbosa coordena a pesquisa intitulada ‘Estudo da Dinâmica da Transmissão da Doença de Chagas no Amazonas’, que foi motivada pelos elevados índices de atendimento na FMT-HVD de casos de doenças infecciosas e parasitárias, com características agudas. A pesquisa é viabilizada por meio do PPSUS.

O objetivo da pesquisa envolve uma série de determinantes biológicos e sociais realizados a partir de estudos sobre os mamíferos silvestres, humanos e os insetos vetores para entender melhor a dinâmica da transmissão da doença na região. “Os fatores biológicos estão ligados à grande diversidade de reservatórios silvestres utilizados pelo T. cruzi para completar seu ciclo de vida, resultando num intenso ciclo de transmissão silvestre”, afirmou.

Cronologia da doença

A pesquisadora comentou que o primeiro caso no Amazonas foi registrado em 1980, procedente do município de São Paulo de Olivença (distante a 985 quilômetros de Manaus) e, no ano seguinte, confirmou-se o primeiro em Manaus. A partir daí, vários casos foram registrados procedentes de outros municípios. Barbosa salientou também que, em 2004, ocorreu o primeiro surto agudo da doença no Amazonas oriundo de Tefé e, em 2007, ocorreu  outro em Coari e, no ano seguinte, confirmou-se o primeiro em Manaus. A partir daí, vários casos foram registrados procedentes de outros municípios.

Barbosa salientou também que, em 2004, ocorreu o primeiro surto agudo da doença no Amazonas oriundo de Tefé e, em 2007, ocorreu outro em Coari.

Na ocasião, o estudo estava se formatando em Coari, Tefé e Manaus, com financiamento da FAPEAM, MS e CNPq. Desde então, pelo menos mais dois surtos agudos foram notificados e, em todos, os pacientes tinham em comum a história de terem ingerido o açaí.

Transmissão

A doença é causada por um protozoário, o Trypanosoma cruzi, que se hospeda em animais invertebrados e vertebrados durante seu ciclo de vida. Os invertebrados são insetos triatomíneos que nas áreas endêmicas do nordeste, sudeste, centro-oeste e sul vivem dentro das residências, mas, na Amazônia vivem na floresta, não são domiciliados e os vertebrados podem ser marsupiais (mucuras), roedores silvestres, dentre outros, inclusive o homem, que se insere no ciclo do parasita acidentalmente”, afirmou Barbosa.

Rede de Pesquisas

Entre as diversas iniciativas da Fapeam para apoiar pesquisas em saúde, destaca-se o Programa de Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS), em parceria com o Ministério da Saúde, (MS) Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Secretaria de Estado de Saúde (Susam), sendo uma das prioridades da FAP por envolver os principais atores da prestação de serviços na área, no Estado.

Para garantir as pesquisas na área de Saúde, recentemente, a Fapeam lançou um programa visando atrair pesquisadores nacionais e estrangeiros para fortalecer os grupos de pesquisa do Amazonas. O Programa Ação Estratégica CT&I – Saúde – Fundações de Saúde (Pecti/AM-Saúde) vai implantar e aprimorar pesquisas que contribuam com a melhora da prestação dos serviços de saúde e/ou programas estaduais de controle de doenças. Para isso, prevê novos investimentos na área da saúde, fortalecendo a rede de pesquisa entre instituições da região.

Integrante das ações do Governo do Amazonas para este fim o Pecti/AM-Saúde vai injetar mais R$ 2,5 milhões em estudos científicos para melhorias na área da saúde, possibilitando o ingresso de pesquisadores de outros Estados do Brasil e até estrangeiros no programa visando à troca de experiências na pesquisa entre as fundações de saúde do Estado e outros grandes centros. “A atração de pesquisadores de diferentes localidades impulsiona a captação de recursos de instituições de outras partes do País, além de formar e fixar recursos humanos na região”, afirmou a diretora-presidenta da Fapeam, Maria Olívia.

Confira esta e outras reportagens especiais na Edição n. 26 da Revista Amazonas faz Ciência, clique aqui.

Sebastião Alves e Cristiane Barbosa – Agência FAPEAM

Colaboração: Luís Mansuêto

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