Ideologias nacionalistas dificultam pesquisas sobre música erudita


08/08/2012 “A dificuldade para se encontrar documentos históricos que tratassem da música no ambiente luso-brasileiro se deu por causa dos aspectos ideológicos nacionalistas”. Esta foi a explicação do pesquisador da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Márcio Páscoa, sobre o trabalho que abordou a música no Brasil, no final do período colonial.

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Segundo o pesquisador, isso aconteceu porque o processo de legitimação e homologação da Independência do Brasil facilitou a ideia de que o País começou naquele momento. “Disseminou-se o pensamento de que tudo que se dizia a respeito de Portugal, não pertencia ao Brasil, era ilegítimo da nacionalidade brasileira”, destacou Páscoa.

Doutor em Ciências Musicais Históricas pela Universidade de Coimbra, Páscoa coordena o projeto ‘A música no ambiente luso-brasileiro durante o período colonial’, por meio do Programa de Apoio à Consolidação das Instituições de Ensino e Pesquisa (Pró-Estado) que recebe financiamento do Governo do Estado, via Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). Ele explicou que a ideia de que o Brasil começava no momento da Independência e que tudo que dizia respeito ao estado colonizador não lhe pertencia perdurou de modo a causar uma fissura do ponto de vista histórico entre o que se fez antes e depois de 1822.  

“Até o cuidado documental era diferente por causa do interesse dos depositários. Há pouco mais de meio século o que se conhece é alguma música, por sinal de grande qualidade, pertencente ao período pré-1822, que chamamos de colonial”, pontuou.

A pesquisa iniciou em dezembro de 2011 e encerra em novembro de 2012. O projeto recebeu investimentos de cerca de R$ 250 mil. Conforme Páscoa, por meio da pesquisa se descobriu que nos últimos anos, pela ação de alguns pesquisadores lusos e brasileiros, é que se passou a conhecer mais sobre as práticas musicais do Brasil Colonial. Um dos pontos interessantes foi a ópera (nome genérico dado a todo espetáculo de teatro musical). “Existe um importante arquivo sobre a movimentação lírica no Brasil Colonial no Paço Ducal de Vila Viçosa, em Portugal, que contém as partituras trazidas por Dom João VI, em 1821, e que pertenceram ao Teatro Régio do Rio de Janeiro”, contou.

O Teatro Régio do Rio de Janeiro, segundo o pesquisador, foi constituído por bens e patrimônios do antigo Teatro de Manuel Luiz (1775-1809), adquirido por Dom João. As partituras, atualmente conservadas em Vila Viçosa (casa da família real portuguesa), envolvem copistas e indicam o nome de intérpretes brasileiros em muitas de suas folhas, refletindo um importante momento da música no Brasil.

“Se somarmos esse acervo ao do Palácio da Ajuda, já catalogado, temos um dos maiores repositórios do gênero que diz muito sobre nós mesmos em um tempo que estávamos inevitavelmente ligados a Portugal. Por isso, é necessário estudar os eventos, fenômenos e fontes portuguesas, se quisermos saber mais sobre o Brasil deste período”, salientou.  

src=https://www.fapeam.am.gov.br/arquivos/imagens/imgeditor/erudi%20sacra.jpgDurante a pesquisa foi escolhido o título ‘Gli Eroi Spartani ’, de Antonio Leal Moreira (1758-1819) para restauração, ou seja, uma transcrição musicológica, que significa contextualizar com apresentações de trechos da obra. O título foi o último trabalho do autor antes de iniciar uma série de trabalhos líricos em português, uma vez que o italiano era o idioma da lírica musical tradicional. A iniciativa deflagrou uma espécie de movimento nacionalista: a lusofonia.  

Conforme Páscoa, Moreira, que foi regente e responsável pelo Teatro da Rua dos Condes, em Lisboa, iria inserir vários elementos de cor local às suas obras. “O nosso interesse foi verificar como a lusofonia musical estimulou a identidade cultural brasileira e sua consequente independência”, ressaltou.  

Música aliada à ciência na formação profissional

Durante a realização da pesquisa, foi possível fazer algo incomum na formação dos futuros músicos, dando um viés científico ao perfil profissional. Para Páscoa, o músico não precisa ser um mero digitador de cordas, chaves e teclas, pois é um  intelectual que qualifica sua atividade, por meio da Ciência.

“Dessa forma, possibilitaremos interpretações de alto nível, usando instrumentos corretos e corretamente, com uma abordagem adequada, historicamente informada e inspirada. A formação musical aliada à ciência é o diferencial na formação profissional, uma vez que abre horizontes para os músicos formados pelo projeto”, destacou.

Concertos realizados

O projeto ‘A música no ambiente luso-brasileiro durante o período colonial’ também já possibilitou diversas apresentações. No primeiro semestre de 2012, foram feitos quatro concertos. Na ocasião, foi contextualizado o que estava pronto com outras produções do grupo de pesquisa, feitas anteriormente. Os concertos foram realizados em Manaus, junto às comunidades, usando as igrejas, pois oferecem a acústica adequada para a música erudita. No segundo semestre, serão realizadas apresentações no exterior, onde há um interesse público crescente sobre a música brasileira erudita do passado.

Sobre o Pró-Estado
O Programa de Apoio à Consolidação das Instituições de Ensino e Pesquisa consiste em apoiar, com recursos financeiros, ações de formação de recursos humanos e melhoria da infraestrutura de pesquisa de instituições vinculadas ao Governo do Estado do Amazonas.

Luís Mansuêto – Agência FAPEAM

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