Brasil deve estabelecer acordos que assegurem ambiente de integridade da pesquisa em colaborações internacionais
A integridade em processos e resultados de pesquisa é uma questão crítica em todos os países, e esta situação se torna ainda mais crítica quando se fala em ambiente de cooperação internacional em pesquisas científicas. A declaração é da pesquisadora americana Melissa S. Anderson, da University of Minnesota (EUA), co-chair da 4th World Conference on Research Integrity, 4WCRI (http://www.wcri2015.org/), que foi oficialmente aberta domingo, dia 31. Para Melissa, o Brasil tem um papel muito importante no cenário mundial da pesquisa científica e apresenta um grande potencial para desenvolver uma política forte que garanta o suporte à integridade da pesquisa.
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“Este é o momento de serem estabelecidas conexões entre o Brasil e outros países para criar um ambiente forte o suficiente a fim de respaldar a integridade no âmbito da pesquisa e das colaborações internacionais”, afirmou Melissa, durante a abertura do evento, que está sendo realizado no Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca, até o dia 3, quarta-feira. É a primeira vez que o evento acontece na América Latina.
A sessão de abertura, que foi embalada pela Orquestra de Cordas, regida pelo maestro Erivaldo Fraga, idealizador de um trabalho social com jovens músicos, contou com a participação de Ademar Seabra, assessor especial do ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo; Carlos Nobre, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); Claudio Stefanoff, membro do Conselho Nacional de Ética e Pesquisa (CONEP); Helena B. Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC); Jerson Lima Silva, diretor científico da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj); Luiz Henrique Lopes dos Santos, coordenador de Ciências Sociais e Humanas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e Ricardo Bacelar, membro da Comissão Nacional de Relações Internacionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Também fizeram parte da mesa as pesquisadoras Melissa Anderson e Sabine Kleinert, ambas co-chairs da 4WCRI, além da pesquisadora brasileira Sonia Vasconcelos, professora do Programa de Educação, Gestão e Difusão em Biociências, Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sonia coordenou, com colegas no Brasil, a organização do evento.
Durante a sessão de abertura, todos os participantes ressaltaram a honra de ter o Brasil tão engajado nas discussões sobre ética e integridade em pesquisa. Durante o evento, o foco estará em procedimentos e ações na área de integridade em pesquisa capazes de produzir impactos positivos nos sistemas de pesquisa que enfrentam cada vez maiores desafios éticos no campo da produção científica. Sonia Vasconcelos reforça que o Brasil vem alcançando um papel de destaque ao levantar a discussão sobre o tema e envolver diversos agentes do ambiente de Ciência e Pesquisa nesta discussão.
Ética e integridade na educação
A professora Helena Nader destacou que a discussão sobre a ética e a integridade deve começar ainda no Ensino Fundamental e que o pesquisador deve ter direito à transparência no momento em que é avaliado. “Em um mundo em que a internet é uma realidade para todos os níveis de ensino, é fundamental discutir ética nos primeiros anos da vida escolar”, disse.
Mas ,segundo Helena, há um enorme trabalho a ser feito na comunidade científica em torno do tema, afinal trata-se de uma discussão que diz respeito a uma nova área do conhecimento. “É muito importante que o Brasil esteja discutindo este tema, que precisa ser amplamente divulgado por pessoas altamente qualificadas para isso, seja na divulgação de textos, em salas de aula etc. É preciso insistir no caminho da transparência. Temos que levantar também a discussão no que diz respeito às agências e aos pareceres, para evitar o casuísmo de financiamentos. Acho que, em breve, vamos caminhar para uma crítica aberta, transparente, em que o pesquisador tem noção sobre o teor e a autoria da crítica ao seu trabalho”, detalhou Helena.
Luiz Henrique Lopes dos Santos também ressaltou a importância de se discutir questões ligadas à ética e à integridade no ambiente de pesquisa em todos os níveis do ensino. Ele comentou que, desde 2010, a Fapesp, iniciou um processo de discussão sobre questões de integridade, que resultou na publicação do Código de Boas Práticas Científicas, em 2011. Santos explicou que são questões éticas gerais e questões de integridade que dizem respeito ao exercício profissional do cientista.
“O Código estabelece, por exemplo, que a universidade é responsável por ter uma política de promoção de uma cultura de integridade, de valores de integridade, tanto no nível educacional, como no nível de treinamento específico na pós-graduação. Isso é um consenso internacional. Estamos em meio a um longo e penoso trabalho para que as instituições de pesquisa entendam isso. É difícil porque tudo que é novo é difícil. Trata-se de uma questão de cultura. Mas temos recebido respostas positivas”, comentou Santos.
Para o coordenador de Ciências Sociais e Humanas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), é importante haver a punição em casos de má conduta, mas o prioritário é fazer a prevenção. “A impunidade é algo que impede a prevenção. Porém, o mais importante é fazer um trabalho de treinamento e educação”.
Na visão de Santos, o maior avanço do Código até o momento é dar visibilidade à questão da integridade. “É muito importante reforçar a discussão. Mas é preciso ainda que a discussão leve ao estabelecimento de sistemas permanentes para garantir o suporte à integridade no ambiente de pesquisa. É muito relevante que este congresso aconteça no Brasil. Vai ajudar a dar essa viabilidade tão necessária”, destacou.
Ademar Seabra disse que o Brasil tem uma tradição importante na área de pesquisa e uma atuação reconhecida mundialmente, fruto de um sistema institucionalizado e estruturado desde a década de 40. “Tivemos uma inserção natural nesse mundo de pesquisa e um desenvolvimento recente, por conta da expansão grande da produção científica brasileira. Os desvios de conduta são denunciados de maneira muito severa no Brasil, então isso cria uma cultura que tem a ver com a história, com as demandas do nosso sistema de pesquisa e com nosso sistema democrático. Também o fato de o Brasil ser um país que tem uma inserção e diálogo fácil com todos os países do mundo isso faz com que nossos valores, nossos procedimentos sejam melhor acolhidos. Embora a linguagem da ciência seja universal, nossas práticas são reconhecidas e respeitadas em todo o mundo”, afirmou Seabra.
Fonte: Jornal da Ciência, por Suzana Liskauskas