O papel da ciência no século XXI


Biólogo com Pós-Doutorado na Universidade da Columbia Britânica, Canadá, com um vasto estudo em adaptações biológicas às mudanças ambientais, tanto aquelas de origem natural como as causadas pelo homem. O Departamento de Difusão do Conhecimento (Decon) entrevista o cientista renomado e conhecido internacionalmente, Adalberto Val. Membro da Academia Brasileira de Ciências, o pesquisador atua no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), onde é coordenador do Centro de Estudos de Adaptações Aquáticas da Amazônia (INCT-Adapta). Em entrevista, ele falou sobre as pesquisas desenvolvidas pelo projeto, trajetória profissional e sobre as premiações. Confira!

Decon – Doutor Adalberto Val, você é um cientista renomado com reconhecimento e publicações no âmbito internacional. Os peixes sempre foram o eixo principal de seus trabalhos e pesquisas científicas. Como e quando iniciou esse seu interesse por estudar as espécies?

Adalberto Val: Desde criança sempre gostei de peixe, nos fins de semana, por volta de oito anos de idade, eu ia pescar sozinho. Adorava fazer isso e acabei tendo como modelos para meus estudos todos os peixes. Isso até 1979 quando eu cheguei na Amazônia, pela primeira vez, disse que não queria mais ir embora daqui. A partir daí, me dediquei profundamente aos estudos dos peixes de uma maneira geral. Fiz pós-graduação, depois pós-doutorado no Canadá, que foi uma marca importante na minha vida profissional.

 

Decon– Você também é coordenador do Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – Centro de Estudos de Adaptações Aquáticas da Amazônia (INCT-ADAPTA). Quais são as pesquisas desenvolvidas neste centro?

AV: O INCT Adapta, eu digo que é um projeto construído com muitas mãos. Atualmente, estamos na segunda versão deste projeto, que é uma continuidade de um trabalho que já estamos desenvolvendo. Nós construímos na primeira versão, os microcosmos nos quais estamos simulando o cenário ambiental do ano 2100. Estamos estudando como os peixes, as plantas e insetos, em particular os que atuam como vetores de doenças tropicais, por exemplo: como o transmissor da malária se comporta ou se comportaria no ambiente previsto para o ano de 2100. Com a aprovação do Adapta 2, vamos fazer um upgrade desse cenário. Já temos uma previsão nova para 2100. Provavelmente vamos fazer uma relação em termos das informações para basear esse cenário a partir da torre Atto, que podemos usar as informações de lá para construir esse cenário.

 

Decon – De que forma esses estudos, que pretendem mostrar a previsão de como será reação dos peixes e insetos no cenário ambiental de 2100, podem ajudar ou influenciar no futuro?

AV: Quando estudamos a biodiversidade de uma forma geral há uma tendência de sermos reducionistas nesses aspectos e se considera só a biodiversidade de um determinado grupo de organismo. Quando nós falamos que a Amazônia é muito rica, é porque tem mais de três mil espécies de peixes, na realidade é riqueza de espécies. A biodiversidade é muito maior que isso. Na realidade, por trás de cada organismo, mesmo de uma única espécie tem inscrito por trás  o DNA, que  tem um vasto conjunto de informações, e conhecemos apenas um pouquinho disso. E pode estar inscrito neste DNA que a experiência do organismo durante toda evolução e informações que podem nos ajudar no monte e de coisas diferente. Por exemplo, um trabalho desenvolvido aqui por um aluno, recentemente, mostrou que uma mesma espécie de sardinha que temos na água da região quando elas estão habitando na água branca do Solimões, a água negra do Rio Amazonas e água clara do rio Tapajós, conseguem modular, completamente, o genoma e expressar um conjunto novo de informações, que possibilita viver sem muitos gastos adicionais nos diferentes tipos de água, apesar de sabermos que os tipos de água são completamente diferentes em relação as características. Com base nessas informações, podemos entender como os peixes modulam as informações genéticas que eles conseguiram durante todo período geológico evolutivo para poder viver nesses ambientes e podemos manipular isso de acordo com os nossos interesses. Por exemplo, temos interesse de criar tambaqui nesse cenário climático que está por vir sabemos, por exemplo, que os peixes vão crescer menos, mas podemos com essa informação intervir no genoma desses organismos de uma forma que eles compensem os desafios ambientais que vão enfrentar e contenham o crescimento pelos menos nos padrões que nós temos hoje. É possível fazer isso para que os organismos possam sobreviver nesses ambientes sem muitas perdas.

 

Decon – Doutor Adalberto hoje o senhor é coordenador do INCT ADAPTA, mas o senhor também ficou durante muitos como diretor-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Como que foi a experiência de estar à frente de umas das mais importantes instituições de ensino de pesquisa no país e reconhecida internacionalmente?

AV: Eu fiquei durante oito anos como diretor do Inpa, uma honra muito grande. Eu posso dizer que minha carreira científica, por mais que tenha trabalhado em São Carlos, foi desenvolvida toda aqui no Amazonas e sob um importante apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) nesse contexto. Quando eu assumi a direção do instituto foi um momento em que eu já tinha uma formação bem avançada sobre o que era a Amazônia, de tal forma, que conseguimos redesenhar a atuação do Inpa. Naquela época os cenários político e econômico eram favoráveis. A boa pesquisa científica depende de cabeças que se tem dentro de uma instituição, mas depende também de estrutura. Se quisermos construir um futuro confortável do ponto de vista da educação, clima, segurança alimentar, inclusão social e geração de renda é preciso trabalhar com as crianças desde o ensino fundamental e conduzir essa criança para uma educação em que parte dela se envolva na produção de informações científicas.

 

Decon- Como você destaca o papel ciência em pleno século XXI?

AV: A ciência hoje não é mais um processo neutro como foi no passado, centenas de anos atrás tínhamos um pesquisador que ia estudar uma coisa etérea, algo neutro que valia para todo mundo. A ciência passa adquirir nos tempos modernos um distanciamento dessa neutralidade e passar a ser exercida como uma função social. A ciência precisa ter essa função social, e para isso é necessário interagir com a sociedade. Precisamos saber qual é a pergunta que a sociedade quer ver respondida pelas bancadas dos laboratórios. Essa pergunta para ciência moderna é de fundamental importância. Nós não precisamos ir lá conversar com cada cidadão, ainda que isso seja muito desejável, mas nós sabemos que hoje, por exemplo, diante desse quadro de Zika Vírus, que enquanto cientistas precisamos passar essa informação ou resposta que possa ajudar nisso. Mas, sabemos que para ter essas informações científicas é necessário investimento. Nesse contexto, a Fapeam teve um papel importante nesse processo desde seu nascimento, pois precisamos da fundação porque o financiamento das pesquisas no Brasil é feito por editais. Um edital nacional  generaliza os requisitos para concorrer, mas quando você faz um edital local você vai certamente nos pontos que precisa das informações e faz algo especialmente para essa localidade.

 

Decon- Doutor Adalberto, você já foi agraciado com diversos prêmios e homenagens, recentemente, conquistou o Prêmio Anísio Teixeira de Ensino Superior pela sua contribuição no avanço da ciência e da educação. Mas, também foi agraciado, em 2015, com o título de Cidadão do Amazonas pela Assembleia Legislativa do Estado. O que esses dois prêmios representam para o senhor?

AV: O título de Cidadão do Amazonas foi o que mais me emocionou, eu estudei tudo em São Paulo, mas decidi vir para o Amazonas. Se me falassem que eu tinha que voltar para meu local de origem eu não saberia mais viver lá (risos). Eu diria que sou tão amazonense quanto um cidadão que nasceu aqui de tanto que gosto desse lugar. Esse momento foi muito singular porque o que a gente fez, o que ajudamos a construir, e ser reconhecido pela sociedade como se fizéssemos parte daqui foi um presente. Sobre o prêmio Anísio Teixeira de Ensino Superior foi uma euforia. Na realidade, a minha atuação na educação superior foi no nível da pós-graduação, ajudando a construir cursos novos. Nós tínhamos um único programa de pós-graduação para toda região Norte, na área de biologia, que era o curso de Botânica do Inpa. Hoje temos mais de 200 cursos, crescemos muito, e são sementes plantadas em todo lugar.