João Bosco Botelho recebe homenagem em Manaus


26/07/2011 – No último dia 24 de junho, a Universidade Francesa Paul Sabatier – Toulouse III concedeu ao doutor João Bosco Lopes Botelho o título de Doutor Honoris Causa pelo importante trabalho realizado na medicina.

Além de médico, Botelho é docente nas áreas de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e do Centro Universitário Nilton Lins. No último dia 20 de junho, no Auditório da Fundação Hospital Adriano Jorge, em Manaus, ele recebeu homenagem em reconhecimento aos seus feitos no campo da medicina no Estado do Amazonas. O evento contou com a participação do diretor-presidente do Hospital, doutor Raymison Monteiro, que destacou as conquistas de João Botelho e os caminhos que ainda precisam ser percorridos para se avançar na área da saúde.

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Ao longo da sua carreira Botelho já publicou 38 trabalhos científicos completos, 179 trabalhos apresentados em conferências nacionais e internacionais, 142 artigos publicados em jornais do Brasil e 41 orientações de alunos em iniciação científica no Estado. Um currículo extenso que o ajudou a alavancar o cenário da medicina local. A Agência FAPEAM ouviu o médico e traz uma entrevista exclusiva que aponta quem é e o que Botelho fez para conquistar o reconhecimento internacional.

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Agência FAPEAM – O senhor tem uma extensa formação acadêmica e experiência na medicina. Como é trabalhar na área da saúde no Estado do Amazonas, onde as distâncias geográficas dos grandes centros de saúde do Brasil são ainda um enorme desafio?

João Bosco Botelho – Completei quarenta anos de vida acadêmica; nesse período presenciei extraordinárias mudanças na medicina, em especial, nas áreas em que exerço a docência e a assistência: Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Antes da consolidação da internet, essa questão do isolamento geográfico assumia maior importância. Sem dúvida, a rede mundial diminuiu as antigas dificuldades de estarmos ligados às publicações mais atuais, às revistas científicas reconhecidas, e, simultaneamente, diminuiu o tempo no ajuste da atualização nas práticas médicas. Os custos dos deslocamentos para a participação em atividades presenciais também estão sendo resolvidos pela concessão das passagens aéreas, com destaque para os financiamentos da FAPEAM.

AF – Quais contribuições o senhor proporcionou à sociedade brasileira,  em particular à sociedade amazonense?

JBB  – Na atual fase da minha vida pessoal e acadêmica, parece justo dizer que colaborei na formação acadêmica de várias gerações de médicos e professores, inicialmente na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e, nos últimos dez anos, na UEA e na Nilton Lins.

Por outro lado, posso relembrar algumas contribuições que me parecem mais significativas: Em 1977, na Ufam, a introdução da área de conhecimento médico ‘Cirurgia de Cabeça e Pescoço’ e, após o meu doutorado, na Universidade de Paris V (Pierre e Marie Curie), iniciamos  o processo de união técnica e administrativa entre a Otorrinolaringologia e a Cirurgia de Cabeça e Pescoço, consolidada na UEA e na Nilton Lins; A luta para vencer as resistências que desejavam impedir a criação das Residências Médicas em Otorrinolaringologia sob o argumento de “Manaus ainda não tem condição”.  Com a ajuda da Universidade de Paris VI, onde fiz o Pós-Doutoramento e exerci a docência, entre 1993 e 2008, como professor convidado, no CHU Bichat-Claude Bernard, orientando alunos do doutorado, os meus alunos da Ufam iniciaram um programa de formação acelerado de especialização em Otorrinolaringologia-Cirurgia de Cabeça e Pescoço, especialmente preparado para eles. Quando voltaram, o grupo criou três Residências Médicas: Hospital Santa Júlia, Hospital Universitário Getúlio Vargas e Hospital Adriano Jorge. O produto final desses programas continua sendo de grande importância social: todos os ex-residentes estão fixados em Manaus, são professores das três universidades, mestres e doutores, orientando os novos residentes e atuando no Sistema Único de Saúde (SUS) e nas cooperativas médicas e ainda em programas interinstitucionais de mestrados e doutorados em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para titular professores muito experientes que não teriam condições pessoais e familiares do deslocamento para outras cidades.

AF: O senhor é especializado em cirurgias de cabeça e pescoço e, nesta área, foi responsável pela criação da denominada ‘incisão de Botelho’. Que técnica é essa e qual a contribuição desse procedimento na medicina?

src=https://www.fapeam.am.gov.br/arquivos/imagens/imgeditor/foto1.jpgJBB – A construção da incisão cirúrgica de Botelho está assentada no trabalho docente da prática cirúrgica no HUGV, entre 1976 e 2001, junto aos meus alunos da graduação e médicos residentes, muitos deles, hoje, exímios cirurgiões mestres e doutores.

Pode ser resumido no seguinte fato: a clássica incisão de Theodor Kocher, o célebre suíço cirurgião de tireoide, ganhador do Nobel, era absolutamente inadequada como via de acesso para alguns bócios (aumentos do volume da glândula tireoide) de doentes vindos de vários municípios do Amazonas, muitíssimo maiores do que os conhecidos nos países mais ricos e industrializados. As dificuldades indicaram o caminho na busca da solução: uma incisão capaz de oferecer à equipe cirúrgica melhor estrutura técnica para retirar o bócio e preservar estruturas que não devem ser traumatizadas no curso das tireoidectomias.

Após incontáveis tentativas, meus alunos e eu chegamos à incisão de Botelho, que foi descrita, pela primeira vez, em Paris, em 1995, no congresso mundial de Otorrinolaringologia-Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Muitos cirurgiões, em vários países, reproduziram com êxito a incisão. Realmente, facilita muito os procedimentos cirúrgicos e contribui para evitar os acidentes transoperatórios.

AF – Atualmente, o senhor é o primeiro médico otorrinolaringologista da América Latina a ser titulado doutor honoris causa. O que representa essa homenagem para sua carreira?

JBB – Eu fiquei muito emocionado, muito emocionado mesmo. A maior significância está contida na reafirmação da universidade francesa, onde, com a ajuda dos meus alunos, em Manaus e Paris, consegui construir um projeto acadêmico que contribuiu para a reprodução de fixação de novos saberes.

AF – Essa homenagem é uma referência aos acadêmicos e profissionais de medicina. O senhor esperava que isso fosse um indicativo de estímulo aos futuros profissionais que almejam se destacar nas diversas especificidades médicas?src=https://www.fapeam.am.gov.br/arquivos/imagens/imgeditor/foto3equipecirugia.jpg

JBB – Também acredito que a minha contribuição na formação pessoal e universitária de várias gerações de médicos e professores, em Manaus e Paris, está ligada a duas mensagens, repetidas em todas as ocasiões de fracassos e dificuldades: a vida acadêmica está contida em muitos objetivos que incluem publicar, registrar patentes e ganhar prêmios; devemos desejar o céu, a esquina é muito pouco. De certa forma, esse título Doutor Honoris Causa, na França, pode ser entendido como uma metamorfose do desejo de alcançar o céu.

AF – A sua formação na área médica foi adquirida em outros Estados do Brasil e até no exterior. Hoje o senhor é professor titular da Ufam e já contribuiu com outras universidades do Amazonas. Como o senhor analisa os investimentos na sua área  para formar profissionais no próprio Estado?

JBB – A resposta deve conter três momentos em que o primeiro deve-se à presença contínua da Ufam mudando os rumos de milhares de pessoas, em Manaus e em municípios no interior do Amazonas, que desejavam cursar  uma faculdade e não possuíam condições pessoais, financeiras e familiares para o deslocamento para outros Estados. Esse incomensurável papel educador da Ufam, na graduação e pós-graduação, formando milhares de profissionais de nível superior, em muitas áreas dos saberes, aliado às mudanças econômicas e políticas patrocinadas pela Zona Franca, alicerçou as condições para o segundo momento. O segundo momento é a inserção da UEA, hoje com impressionante crescimento tanto em número de alunos quanto na diversidade de cursos, a maior universidade multicampi do Brasil, ampliando as ações educadoras universitárias, na graduação e pós-graduação, em Manaus e em quase todos os municípios do Amazonas. E o terceiro e último momento é que, infelizmente, ainda há insuficiência para atender à demanda de outras milhares de pessoas que desejam cursar a universidade, a qualidade do processo formador da Ufam e da UEA fornece professores altamente preparados para as universidades privadas em Manaus. Praticamente  metade dos alunos das universidades privadas recebe bolsas de estudos de programas públicos de financiamento. Dessa forma, a forte presença do Estado, como agente catalisador e financiador das ações universitárias é absolutamente indispensável.

Finalmente, não há como comparar os investimentos públicos de hoje na educação, sejam de natureza federal, estadual e municipal, com os da década passada. De certa forma, eu posso me colocar como um pequeno exemplo. A minha formação de estudos foi em instituições públicas: do primário, em Manaus, no Colégio Estadual Barão do Rio Branco, passando pela Faculdade de Medicina, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, (UFRJ) até o Pós-Doutoramento, na Universidade de Paris VI.

AF – A pesquisa premiada internacionalmente sobre bócios (aumento da glândula da tireoide) amazônicos vem sendo desenvolvida por estudantes da UEA e da Ufam. Como está o andamento da pesquisa?

JBB – Essa pesquisa, fruto de um trabalho de iniciação científica, do Paic UEA/FAPEAM, realizada no laboratório de biotecnologia da Ufam (apesar de aposentado como professor titular, continuo orientando alunos de doutorado na Ufam) demonstrou a mutação no gen da conexina 32. Mas ainda  está em curso,  pois é necessário rever alguns paradigmas da etiologia dos bócios: ao que tudo indica não basta a falta do iodo para o aparecimento do bócio, seria necessário haver a mutação do gen da conexina 32.

A pesquisa com o gen da Conexina 32 continua em curso no Laboratório de Biotecnologia da Ufam. No momento, após assinatura do Acordo de Cooperação com a Universidade de Porto Rico, alguns aspectos da pesquisa serão realizados naquela universidade. Está em curso para que se estruture a tese de Mestrado de um dos ex-alunos da UEA, ex-bolsista da FAPEAM, para que participe das etapas do processo.

Os trabalhos relacionados com essa pesquisa, os novos aspectos da anatomia da tireoide e a incisão de Botelho, para os bócios de grande volume, receberam prêmios: Sociedade Suíça de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial e da PUC do Rio Grande do Sul.

AF – O Hospital-Escola da FHAJ tem sido o mais procurado da Região Norte. Cerca de 800 estudantes de universidades públicas e privadas realizam ensino e pesquisa. O senhor liderou o processo de implantação, em parceria com universidades francesas, do programa de residência médica em Otorrinolaringologia. O que representa a instituição para o Estado do Amazonas?

src=https://www.fapeam.am.gov.br/arquivos/imagens/imgeditor/foto2.jpgJBB – Graças às parcerias com as universidades de Paris VI, Bordeau, Toulosse e Montpelier, foram editados livros-textos de Otorrinolaringologia-Cirurgia de Cabeça e Pescoço, em português e francês, e o FHAJ mantém o Programa de Residência Médica em Otorrinolaringologia com três médicos residentes. No próximo ano, serão seis médicos residentes.

AF – O senhor traz na bagagem mais de 200 publicações e 15 livros, entretanto, sempre há uma obra em que o autor tem uma maior aproximação. O senhor pode destacá-la mencionando a sua importância para a Medicina?

JBB – Sem dúvida, os relacionados com a minha principal linha de pesquisa: doenças da tireoide. O primeiro trabalho que publiquei, no quinto ano de Medicina, em 1970, orientado pelo Prof. Dr. Mariano de Andrade, na UFRJ, descreveu três casos clínicos de rara doença da tireoide. No momento, com financiamento da FAPEAM, a Edua está trabalhando no novo livro: ‘Tireoide: anatomia e cirurgia’.

Redação: Rafaela Vieira e Sigrid Avelino

Edição:  Ulysses Varela – Agência FAPEAM

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