Maria Teresa Piedade e sua trajetória na Ciência
No dia 8 de março é comemorado o dia Internacional da Mulher, uma data constituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975. A data foi marcada por histórias de lutas femininas enfrentadas por muitos desafios e também muitas conquistas. Dados divulgados pela ONU mostram que as mulheres no Brasil com igual nível de ensino ou superior, têm renda 41,5% menor que os homens. Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil ocupa a 79ª posição em respeito à igualdade de gênero.
Para comemorar essa data, que é um marco histórico nada melhor do que homenagear a mulher que faz ciência. O Portal Fapeam conversou com a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), Maria Teresa Fernandez Piedade.
Nascida na Espanha na cidade de La Corunã, Teresa chegou ao Brasil com 5 anos de idade. Maria Tereza tem pós-doutorado com experiência na área de Ecologia em Áreas Inundáveis. A pesquisadora tem vários projetos desenvolvidos com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). Confira a entrevista !
Comete como iniciou sua história com a pesquisa?
Sempre tive interesse pelas adaptações de organismos à água. Quando criança visitava o mar com regularidade, e sentia grande curiosidade e fascínio pela vegetação crescendo em locais tão instáveis como as restingas e a Mata Atlântica. Quando estava finalizando a graduação, já tinha feito um estágio de 2 anos estudando plantas aquáticas de uma represa, e sabia que queria fazer pesquisa científica. Naquele período, começaram a circular notícias da necessidade de professores em Universidades da Amazônia. Que sonho! Encaminhei os documentos para a Universidade Federal do Acre (Ufac) e fui contratada em 1977, quando teve início meu primeiro contato profissional com a região. Foi um grande desafio para uma jovem bióloga, praticamente recém-formada, casada e com um filho de apenas 3 anos. Ministrei diversas disciplinas no curso de Ciências Biológicas já para a primeira turma, e mantive um vínculo empregatício de 11 anos com a Ufac. Juntamente com outros jovens professores estruturei o embrião do Projeto Parque Zoobotânico daquela IES, que perdura até hoje. Foi uma experiência fantástica que guardo com profundo carinho.
Mas eu ainda queria estudar as plantas superiores das margens dos rios! Finalmente, logrei esse intento, e fiz meu trabalho de mestrado analisando as interações entre as plantas e peixes no Arquipélago de Anavilhanas, Rio Negro. No doutorado, que conclui em 1988, estudei a produtividade e ecofisiologia de uma gramínea da várzea amazônica. Também nesse ano fui contratada pelo INPA.
Ao longo do tempo fui expandindo minhas atividades para outros aspectos do manejo e ameaças aos ambientes alagáveis amazônicos e brasileiros e estabeleci múltiplas interações nacionais e internacionais. Coordeno um GP/CNPq, GP-MAUA (“Ecologia, monitoramento e uso sustentável de áreas úmidas”), que conta com cerca de 50 participantes, e o PELD-MAUA, a ele associado. Por meio dessa atuação orientei cerca de 150 alunos em diversos níveis que, para mim, é um dos maiores ganhos. Formar e interagir com jovens cientistas promove uma renovação constante e um grande dinamismo, fundamentais para a boa ciência e sua perpetuação.
Qual o foco principal das suas pesquisas?
Tenho particular interesse em estudos da vegetação que cresce nas margens dos rios (áreas úmidas e alagáveis), suas adaptações, crescimento e produção de biomassa sob condições de excesso e falta de água (por exemplo as respostas fotossintéticas e de tolerância à falta oxigênio), mas também interações da vegetação com animais (por exemplo o papel dos peixes na dispersão de sementes). Nesses ambientes, onde ocorre alagamento anual pela subida das águas dos rios, a vegetação é fundamental devido a seu papel de retenção de sedimentos e controle da descarga e fluxo dos rios, evitando assim os riscos de inundações naturais. Devido à elevada produção de biomassa e riqueza de espécies, essa vegetação fornece alimento para os animais terrestres e aquáticos e contribui aos ciclos hidrológicos e biogeoquímicos desses ambientes. Entretanto, como as áreas alagáveis vêm sofrendo crescente degradação pelo uso inapropriado, também tenho estudado os impactos provocados sobre essa vegetação pelo desmatamento, construção de hidrelétricas, poluição por petróleo, entre outros.
Recentemente você foi eleita como membro titular da Academia Brasileira de Ciência (ABC) pode contar para gente sobre essa experiência?
É uma grande honra e um enorme prazer receber esse reconhecimento dos meus pares, que conhecem os desafios de fazer ciência, em geral com recursos limitados e em ambientes complexos como os da Amazônia. Posso dizer que é um grande bônus porque faço o que gosto, então sinto imensa gratidão e alegria. Lembro, contudo, que é um trabalho de equipe que está sendo reconhecido por meio de minha nomeação. Todos os alunos, auxiliares, técnicos, ribeirinhos e gestores contribuem para que os trabalhos possam ser feitos nesta região com tantos desafios e distâncias continentais. Agradeço também a eles por isso.
Como você enxerga a participação da mulher na ciência, acha que houve um avanço?
Houve avanço, mas ainda há uma grande disparidade, especialmente nas áreas de exatas, mas também na área ecológica. Analisando dados disponíveis na Plataforma Lattes-CNPq para os anos de 2013 e 2014, dos 194 bolsistas de Produtividade da área de Ecologia do período, 68 (35%) eram mulheres e 126 (65%) homens. Assim, embora haja grande ingresso de mulheres, os números não guardam correspondência nos níveis hierárquicos superiores, tanto no ponto de vista meritocrático, quanto em termos de ascensão a cargos de chefia na gestão científica.
E para encerrar que mensagem você pode deixar às mulheres?
Do conjunto de alunos de diferentes níveis (mestrado, doutorado, pós-doutorado, iniciação científica e bolsistas de outras modalidades) que orientei até o momento, mais de 70% são mulheres. Ou seja, na área de ecologia na qual atuo, com intenso e árduo trabalho de campo, mais mulheres trabalham e com muito sucesso e determinação. Assim, os números demonstram claramente que as mulheres superam ao longo de sua formação as dificuldades e desafios dos trabalhos das diversas fases do processo. Na verdade, segundo dados da COEX/INPA, dos 467 alunos matriculados em cursos de pós-graduação no INPA em 2020, 265 (56,7%) são mulheres.
É indubitável que houve avanços recentes, em particular em algumas áreas de conhecimento, mas ainda predomina uma cultura com inclinação machista, que dificulta o acesso de mais mulheres a patamares profissionais compatíveis com sua capacidade intelectual. Esse é nosso desafio e temos que conquistar esse espaço!
Por: Jessie Silva
Fotos: Érico Xavier