A distância entre empresa e universidade
A participação do setor empresarial no financiamento de P&D acadêmica no Brasil apresentou ligeiro aumento entre 2003 e 2005, mas continua bem abaixo dos índices registrados nos Estados Unidos e Europa, segundo dados apresentados no 1º Seminário de Inovação e Transferência de Tecnologias (Conecta), realizado no último dia 27 em São Paulo, pelo Programa de Investigação Tecnológica (PIT), integrado por Unicamp, USP, Unesp, IPT e IPEN.
Programa visa ampliar número de parcerias
“No Brasil, os contratos entre empresas e universidades ainda são de no máximo dois anos, com objetivo de resolver gargalos específicos, enquanto nos Estados Unidos as parcerias são de longo prazo e visam estratégias mais duradouras”, disse o economista Ruy Quadros, do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) da Unicamp, responsável pelo estudo.
Os números apresentados pelo professor deixam claro o contraste entre Brasil e países desenvolvidos. Na Europa, Estados Unidos e Ásia a participação do setor empresarial no financiamento de pesquisa acadêmica representa o dobro do que é verificado no Brasil. Na Europa, o montante investido pelas empresas chega a 6,5% do orçamento das instituições de pesquisa, enquanto nos Estados Unidos essa fatia é de 5%. Em alguns países com menor tradição em parcerias desse tipo, como Coréia, Turquia e Hungria, a participação do setor privado chegou a 10% nos últimos anos. “Isso a indica a clara intenção desses países em acelerar o processo de inovação tecnológica”, analisa.
No Brasil, não existe m números consolidados sobre o percentual de recursos oriundos da iniciativa privada na composição orçamentária dos centros de pesquisa. Segundo Quadros, porém, é possível analisar o cenário com base nos dados sobre empresas inovadoras que mantêm vínculos com universidades, relativos a 2005, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no âmbito da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec).
Segundo dados, entre 2001 e 2003, um total de 413 empresas formalizou parcerias com universidades e centros de pesquisa, o que representava apenas 1,5% do total de empresas inovadoras no País. Já de 2003 a 2005, o número de empresas envolvidas subiu para 812, correspondendo a 3% do total. “Esse aumento está ligado ao fato de que as empresas estão precisando adensar suas funções de P&D”, pondera o pesquisador. Segundo ele, porém, embora os vínculos entre iniciativa privada e universidades venham crescendo, o número de parcerias continua tímido quando comparado aos países desenvolvidos.
É justamente para tentar ampliar parcerias desse tipo que o PIT foi criado. Financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o programa nasceu da necessidade das universidades e institutos de pesquisa em aperfeiçoar as metodologias para avaliação das tecnologias desenvolvidas e seu potencial de mercado. Com um banco de patentes que somavam mais de 700 registros já em 2003, as cinco Instituições envolvidas são referências em pesquisa e desenvolvimento tecnológico no Brasil.
Mesmo assim, dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) mostram que, em 2001, apenas 0,2% dos 20 mil pedidos de patentes nacionais partiram de universidades e centros de pesquisa. Segundo o coordenador do PIT e diretor executivo da Agência de Inovação da Unicamp (Inova), Roberto Lotufo, isso mostra a visão vigente de que a utilidade e a inovação empreendedora são, ainda, um gigante potencial para as instituições de pesquisa e ensino superior no Brasil. “Com o PIT queremos identificar, dentre as inúmeras pesquisas desenvolvidas nas instituições envolvidas, as oportunidades com alto potencial de mercado”, explica.
Desde o início do Programa, já foram selecionados 62 projetos envolvendo as três instituições de pesquisa. Desse total, 22 já tiveram suas análises finalizadas, 25 estão em andamento e 15 aguardam pelo processo de investigação. A meta, segundo Lotufo, é chegar a 120 projetos finalizados até março de 2008. “Há várias questões a serem abordadas na fase embrionária de um projeto”, observa. Segundo ele, objetivo do seminário foi trocar idéias e apresentar críticas que possam contribuir para o sucesso dessa atividade.
Para isso, foram apresentados três estudos de caso, desenvolvidos pela Unicamp, USP e IPT. “Uma das maiores dificuldades enfrentadas foi levantar informações de mercado consideradas sigilosas pelas empresas”, disse a gerente do PIT na Unicamp, Janaína Cesar. Juntamente com o estudante de graduação no curso de Engenharia Química e bolsista do programa na universidade, Valdir Assis, ela apresentou o estudo de caso focalizando um novo processo para monitorar a liberação de medicamentos encapsulados, desenvolvido pelo pesquisador André Romero, do Instituto de Química, e protocolado há dois meses no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
O envolvimento de estudantes, aliás, é um dos pontos fortes do PIT. São cerca de trinta alunos atuando junto a 60 grupos de pesquisa nas várias instituições. “Com isso, estamos contribuindo para a formação de profissionais mais sintonizados com a realidade e melhor preparados para o futuro”, disse o reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, que também participou do seminário em São Paulo. Outro ponto destacado por ele é a participação direta dos pesquisadores. “Não exigimos que tenham conhecimento do mercado, mas seu engajamento é fundamental para o sucesso do trabalho”. Para o reitor, o PIT cumpre importante papel num momento em que se buscam caminhos para transformar conhecimento em riqueza, com impacto no desenvolvimento sócio-econômico do país.
“O principal objetivo é desenvolver uma cultura de inovação e transferência de tecnologia na academia”, frisou Lotufo. Além disso, segundo ele, o Programa também atinge outras metas importantes, como a geração de informações qualificadas para o trabalho de promoção e negociação de novas tecnologias; transformação do estoque de conhecimento das instituições envolvidas em riquezas para o País; formação de pequenas empresas (spin-offs) e atração de investimento privado para fechar o ciclo da inovação; e o fortalecimento do Sistema Paulista de C,T&I.
“O Programa traz uma importante contribuição não só do ponto de vista estratégico, mas também do ponto de vista prático”, disse o diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Henrique de Brito Cruz. Em sua opinião, o PIT é especialmente interessante para universidades e centros de pesquisa. “Não se trata de abandonar os compromissos com ensino e pesquisa, mas de se acrescentar uma atividade a mais, ampliando seu espectro de atividades com impacto no desenvolvimento social e econômico”, completou.
Durante o evento, os participantes também puderam conhecer melhor as atividades do Instituto Inovação, empresa privada que atua em atividades de gestão da inovação e tecnologia e uma das criadoras da metodologia de avaliação adotada pelo PIT. “Nosso objetivo é promover a aproximação entre o conhecimento científico gerado no Brasil e o mercado”, diz o diretor da empresa Bruno Moreira. Para ele, esse tipo de atividade traz benefícios para todas as partes envolvidas, mas exige o envolvimento principalmente do autor da nova tecnologia. “Se o pesquisador não estiver motivado, ótimas oportunidades podem ir para o ralo”, conclui.
Jornal Unicamp (Edição n. 374)