A quem interessa manter a floresta em pé?
A geógrafa Bertha Becker palestrou na última sexta-feira (13/8) na reitoria da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), bairro Flores, zona centro-sul de Manaus. A abertura do evento foi feita pela reitora da UEA, Marilene Corrêa. Nesta segunda-feira (17/8), a Agência Fapeam publica resumos de alguns tópicos abordados por ela na palestra, que teve como título “A quem interessa a floresta em pé”. Na ocasião, ela trabalhou o entendimento da floresta para os amazônidas como bioma no qual existe enorme valor agregado. Confira.
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Reflexões versus corrida por publicações
A questão que vou colocar é muito instigante. Trata-se do tema “a quem interessa a floresta em pé?”. É instigante porque é uma questão contemporânea que está entrelaçada. Como adoro fazer provocações, digo, em primeiro lugar, que a ciência hoje não consegue mais acompanhar as mudanças do mundo contemporâneo. Assim, digo que é cada vez mais importante o papel da universidade no acompanhamento dessas mudanças. Devemos fazer reflexões e não fazer corrida para publicações, que muitas vezes é o que está sendo induzido nas universidades. A reflexão é a base do ensino e, em nossa conversa sobre “A quem interessa a floresta em pé”, vamos tentar fazer tais reflexões.
Créditos de carbono
Atualmente, e todos devem saber disso, existem a REDD (Redução de Emissões por Desflorestamento e Degradação) e a PINK, que são duas propostas — (as siglas referendam programas internacionais de compensação para estoques de carbono) — mercadológicas de cobrança para amenizar as mudanças climáticas, mas primeiro devemos nos perguntar se gostamos desse “vermelho” e desse “rosa” ou se temos de pensar mais sobre o “verde” e o “amarelo”, talvez. Bem, eu tenho meus questionamentos sobre esses programas globais, porque a floresta, assim como a biodiversidade em geral, é carregada de valor por conta das diferentes funções a ela atribuídas. Daí que podemos entender que podem existir múltiplos projetos para a Amazônia e não apenas um, os quais devem responder à diversidade de grupos sociais existentes. Por exemplo, para as populações tradicionais, a floresta é a base de sua própria reprodução; para os madeireiros, ela é uma matéria-prima bruta, que deve ser cortada sem a agregação de valor algum.
O valor da floresta
Houve uma valorização extraordinária da floresta com os avanços tecnológicos. Mas acontece que ao lado dessa valorização, acaba existindo toda uma tentativa de governança global dessas atribuições que são direcionadas à floresta e à natureza. Ela pode ser vista por meio da face política, via essas convenções que se criaram para tentar estabelecer regras de contenção ao desflorestamento. Ressalto isso porque trabalho com a geografia política e vejo que uma das formas de controle mais observadas na atualidade é a composição de “agendas de debate”. Isso é um verdadeiro controle sobre os temas que devem ser discutidos. Fazer a agenda de uma reunião é extremamente importante porque se trata de ter o controle sobre os assuntos que ganharão projeção no futuro. Existe todo um processo de mercantilização dos elementos da natureza, o qual gera mercadorias fictícias, como a terra. Os novíssimos mercados que estão sendo construídos são o da bioenergia e o dos serviços ambientais. Esse processo de mercantilização é avançado, isso é uma coisa historicamente nova, porque busca tornar mercadoria as funções dos ecossistemas e não apenas a infraestrutura..
Kyoto e seu protocolo
Acredito que todo mundo conheça o teor do Protocolo de Kyoto, que foi o início dessa preocupação com a emissão dos gases de efeito estufa. Nesse contexto, pergunto: o Brasil tem lutado para se modificar esse documento? Nossa proposta é que se insiram as florestas nativas no mercado de compensação de carbono porque a maior parte do CO2 emitido na atmosfera é oriunda de países desenvolvidos e não de responsabilidade dos países em desenvolvimento. Mas fazendo os cálculos do retorno (financeiro) a serem obtidos pelo Brasil a partir dos mecanismos de compensação, observamos que ele está muito a quem do retorno gerado com a soja e com o gado. Vamos pagar para que não se desfloreste e que não se desgaste. Essa é uma questão muito falada atualmente, mas a qual não abarca a problemática da redução das emissões e sim do pagamento pelo “direito” a emitir. E ainda: abrir o controle das florestas nativas, por meio do pagamento de compensações ambientais, é abrir possibilidades de gerência sobre o território. O que temos de ter em mente é que essas propostas de REDD e PINK são de compensação e não de solução. Será que só compensação interessa à Amazônia e ao Brasil?
Utilizar com sabedoria
O que é importante para a saúde do planeta é a mudança do padrão de desenvolvimento. Não adianta ficar fazendo “compensaçõeszinhas” porque isso não vai resolver o problema. Essa mudança deve ocorrer dentro da Amazônia também. Se soubermos como utilizar a fantástica biodiversidade sem destruí-la, daremos um passo grandioso nesse sentido. A ordem não é manter intocável a floresta, é utilizá-la com sabedoria.
Amazônia como espaço de poder
Tratar dos serviços ambientais só como função para os mercados de carbono é uma valoração extremamente limitada da natureza. Os serviços ambientais são múltiplos e essa expansão de possibilidades cabe ser feita na Amazônia. Eu parto da idéia de que deve haver a articulação das florestas com as cidades na Amazônia. Os produtos da floresta, por exemplo, são muito pouco utilizados na indústria. Hoje quem tem natureza tem poder. Assim, a Amazônia, entendemos, é um elemento de poder e tem de ser usada de forma adequada, por meio da tecnologia. Está na hora de transformar esse capital natural em capital fixo para o Estado. Temos também de tomar cuidado para que os serviços ambientais, tomados de forma mercadológica, não repitam o mesmo erro que se cometeu com a exploração irrestrita dos recursos naturais no passado.
* Bertha Becker, professora titular aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é bolsista de produtividade do CNPq 1A. Doutora em Geografia (UFRJ) e pós-doutora pelo Departament Of Urban Studies And Planning (MIT), ela é livre-docente pela UFRJ. Estudiosa de temáticas amazônicas, Bertha atua na área de geografia humana, com ênfase em geografia política. Bertha é membro da Academia Brasileira de Ciências e doutora honoris causa pela Universidade de Lyon III, tendo sido agraciada com as medalhas David Livingstone Centenary Medal da American Geographical Society e Carlos Chagas Filho de Mérito Científico da Faperj.
Renan Albuquerque – Agência Fapeam