Câncer e Aids, o temor da perda do ente querido
No consultório médico, o paciente recebe a notícia de que está com câncer e que o tratamento deve ser iniciado o quanto antes. O objetivo é aumentar as chances de cura e sobrevida. A notícia cai como uma “bomba”, uma vez que a comunicação da doença provoca comoções, exacerbação emocional e o temor contínuo da perda do ente querido.
Siga a FAPEAM no Twitter e acompanhe também no Facebook
Conforme o professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e doutor em Psicologia, Ewerton Helder Bentes de Castro, pertencer a uma família que tem paciente com o diagnóstico de câncer ou Aids equivale à iminência da perda, provoca dor incomensurável, com a sensação de desmoronamento de um mundo construído e sonhado. “O diagnóstico, a evolução, o tratamento e a possibilidade de morte são experiências que instauram uma crise, pois são expostas vulnerabilidades no núcleo familiar”.
Mas, como as pessoas que sofrem com a doença e lidam com os pacientes com câncer e Aids vivenciam a situação? Para falar sobre o assunto, a Agência FAPEAM entrevistou o pesquisador Ewerton Castro. Ele teve o projeto ‘Psicologia e saúde: aspectos psicossociais envolvendo pacientes, familiares, trabalhadores de saúde e grupos sociais relacionados ao câncer e Aids’ aprovado pela Fundação de Amparo à pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), via Edital Universal. Confira a entrevista.
Agência FAPEAM – De qual forma os pacientes vivenciam essa possibilidade de perda do ente querido?
Ewerton Helder – Estas doenças trazem em seu bojo uma série de modificações, por exemplo, pessoais e sociais. Nestas, sobre a possibilidade de morte, deve-se observar quatros aspectos. De um lado os membros da família: angústia, ansiedade, possibilidade de perda e luta, muita luta para que a finitude não ocorra, se desdobram em acompanhar – como nos casos das mães, cujos filhos são diagnosticados com câncer e são lançadas, literalmente, em um redemoinho de emoções a partir da comunicação do diagnóstico. Elas deixam marido e outros filhos em municípios do interior do Estado para acompanhar o tratamento do paciente em Manaus.
Segundo, alguns pacientes, ao serem acometidos por uma doença cujo estigma é a morte, sentem-se como se tivessem a espada de Dâmocles sobre suas cabeças. Ao serem submetidos ao tratamento, alguns são excluídos da presença dos entes queridos e da família. Os procedimentos do tratamento são altamente invasivos e convivem com os efeitos colaterais da medicação. Sentem-se invadidos e a angústia do possível fim é uma constante em suas vidas. Também veem outros pacientes virem a óbito, que os fragiliza sobremaneira.
Os profissionais de saúde, formados para salvar vidas, conhecem a dimensão do acometimento de uma doença como essa. Em alguns momentos, diante de um óbito, questionam-se, angustiam-se. Membros de organizações não governamentais (ONG’s) são pessoas que atuam de forma voluntária e solidarizam-se com pacientes e famílias, tornam-se presentes na vida dessas pessoas e o sofrimento que a doença provoca os preocupa, os angustia.
A questão da finitude não se faz presente apenas nos pacientes e o projeto vem nessa direção: compreender como os pacientes, familiares, trabalhadores e grupos sociais vivenciam o diagnóstico, evolução, tratamento e possibilidade de perda de pacientes com câncer ou de Aids – os significados existentes em seu discurso à luz da Psicologia Fenomenológica Existencial.
AF – De qual forma se dará a pesquisa?
Ewerton Helder – A proposta é que se realize a pesquisa junto a pacientes, familiares, trabalhadores de saúde e membros de grupos sociais envolvidos em casos de câncer e Aids. Estima-se que sejam entrevistadas 200 pessoas e a previsão de conclusão do projeto é de 2 anos.
AF – Como entender o posicionamento, a percepção do outro em uma situação como esta? Qual método será utilizado?
Ewerton Helder – Utilizarei o método fenomenológico existencial, o qual busca compreender a vivência do outro, os significados, os sentidos atribuídos pelo participante da pesquisa da situação que está vivenciando. É trabalhar com a fala impregnada de sentidos: que situação é esta pela qual estou passando, como me sinto, como me vejo, como vejo o mundo e o outro que compartilha comigo esta experiência.
Trabalhar com o método fenomenológico significa estar aberto ao que o outro traz, buscando ir além da técnica pela técnica, mas, principalmente, ir além do pré-conceito, do pré-julgamento. Afinal, só pode me dizer da dor que sente o que está passando por essa dor. Ou seja, a mim, enquanto pesquisador, cabe ir além da teoria. É essencial que me faça presente junto a esse outro se o meu objetivo é compreender a dimensão de sua dor, de seu sofrimento, de tudo o que envolve a situação pela qual está passando.
AF – Professor, o senhor irá trabalhar com alguma instituição local?
Ewerton Helder – O projeto de pesquisa surge em continuidade ao trabalho desenvolvido no doutorado em Ciências, quando foi pesquisado o significado da comunicação do diagnóstico de câncer infantil no discurso de mães acompanhadas pelo Grupo de Apoio à Criança com Câncer (GACC), em Manaus.
O olhar da pesquisa foi ampliado para além da comunicação do diagnóstico de câncer, inseri a Aids, patologia que atualmente é considerada um aspecto de saúde pública. Ambos, câncer e Aids provocam comoções, exacerbação emocional e o temor contínuo da perda do paciente, nas várias faixas etárias em que esses quadros se apresentam.
O GACC, atualmente, tem cadastrados 500 pacientes, sendo que deste quantitativo 100 estão sendo submetidos à quimioterapia. Detalhe, o GACC acompanha apenas pacientes que, ainda na infância, foram diagnosticados com câncer e hoje acompanha pacientes de 01 a 22 anos.
Em relação a Aids, esse levantamento é dificílimo de realizar. Estima-se que diariamente de 5 a 7 pessoas são diagnosticadas com o HIV. E são acompanhados pela Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado (FMT-HDV), hospital de referência em DST/Aids e doenças tropicais.
Saiba mais
Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que houve 14,1 milhões de casos novos de câncer e um total de 8,2 milhões de mortes, em 2012, no mundo. A estimativa é de 22 milhões de novos casos em 2030. Mais de 70% das mortes pela doença acontecem em países em desenvolvimento, onde a detecção tardia, a demora em iniciar o tratamento e a falta de acesso a medicamentos de última geração explicam boa parte das mortes.
Segundo matéria publicada pelo Diário da Manhã, no mês de janeiro, o Ministério da Saúde estima que a taxa de contaminação da Aids aumentou cerca de 68% entre os jovens de 16 a 24 anos no Brasil. Conforme estimativas feitas pelo Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis, Aids e Hepatites Virais há cerca de 720 mil brasileiros infectados pelo vírus HIV/Aids no País.
Luís Mansuêto – Agência FAPEAM