Ciência, mídia e saúde no Amazonas


Júlio Cesar Schweickardt, graduado em teologia pela Escola Superior de Teologia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia , também pela (Ufam), e doutor em História das Ciências pela Fundação Oswaldo Cruz, chefia o Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia (LAHPSA) do Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz/Amazônia), com linhas de pesquisa na área de história da saúde e das ciências, antropologia da saúde, políticas públicas de saúde e gestão do trabalho em saúde.

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Schweickardt concedeu entrevista à Agência FAPEAM e falou sobre os estudos e pesquisas que tem realizado nas diversas áreas referentes à saúde, revelou as dificuldades em levar a saúde para o interior do Estado e ainda destacou pontos referentes à sociedade, mídia e ciência na Amazônia. Confira a entrevista completa.

Agência Fapeam – Conte um pouco sobre as suas experiências no ensino em história da saúde e as perspectivas para a expansão dos estudos na região.

"A área de saúde coletiva e das ciências da saúde traz muitas possibilidades de abordagens e de metodologias" (Júlio César  Schweickardt. Foto: Érico Xavier)

“A área de saúde coletiva e das ciências da saúde traz muitas possibilidades de abordagens e de metodologias” (Júlio César Schweickardt. Foto: Érico Xavier)

Júlio César Schweickardt – Acredito que o perfil do pesquisador não é somente daquele que está preso no laboratório ou de um coletor de dados, mas também é de um gestor, um político, um líder e de alguém que realiza a negociação e o contato com as populações e grupos locais. A pesquisa em história sempre nos traz o dilema da utilidade de tal tipo de estudo. Na orientação de alunos, alguns me perguntam pela pertinência de tal abordagem, mas ao final entendem que as questões históricas nos auxiliam no entendimento das políticas e ações atuais. Atualmente, tenho orientado e conduzido pesquisas na área de história de políticas públicas, colocando a história como um componente dos estudos de políticas públicas, o que tem ajudado muito o nosso grupo de pesquisa na contextualização dos problemas de investigação.

AF – Como está a ciência no momento e o que o senhor conclui sobre o seu futuro na Amazônia, a partir do apoio proporcionado pela FAPEAM?

Júlio César Schweickardt – Acredito que já estamos colhendo os frutos desse investimento, mas no futuro vamos perceber os resultados das pesquisas e na formação de pesquisadores. Por isso, o apoio da formação de pesquisadores através de bolsas para alunos de Mestrado e Doutorado é fundamental para a produção de conhecimento sobre a região amazônica. O conhecimento não se realiza sem investimento e nem de modo rápido, pois o retorno das pesquisas e a produção dos pesquisadores não são imediatos. O futuro da pesquisa na Amazônia está na nossa capacidade de formação de pesquisadores locais e na fixação de pesquisadores que chegam para agregar nos grupos de pesquisa. Está na nossa capacidade de criar redes tanto regionais como nacionais. Quanto mais conseguirmos propor projetos com caráter interdisciplinar e de diversidade institucional maior será a nossa capacidade de compreensão da Amazônia.

AF – Qual ou quais os trabalhos desenvolvidos atualmente na área de ciências em saúde que têm relevância e grande avanço no campo científico?

Júlio César Schweickardt – A área de saúde coletiva e das ciências da saúde traz muitas possibilidades de abordagens e de metodologias. Percebemos, no nosso campo de atuação, uma carência de pesquisas na área de políticas públicas, gestão, planejamento e financiamento em saúde. Temos uma longa história na produção conhecimento sobre doenças e endemias, mas que continua tendo os seus desafios porque os problemas ainda persistem. Penso que ainda precisamos avançar nas pesquisas de aplicação e no desenvolvimento de tecnologias, ou seja, na solução de problemas e questões do Sistema Único de Saúde – SUS. Nesse sentido, há necessidade de maior diálogo da gestão dos serviços de saúde com a promoção de pesquisas compartilhadas, que possam dar respostas e resultados em todo processo da pesquisa. O desafio é diminuirmos a distancia entre a pesquisa e as necessidades do SUS.

AF – Qual contribuição do pesquisador da sua área para a saúde e para a sociedade?

Júlio César Schweickardt – O pesquisador é também um ator e um sujeito social, portanto entendo que faz parte da nossa condição de pesquisador de uma instituição pública contribuir com a solução e o entendimento das questões da sociedade. Desse modo, somos muito demandados pelos municípios e grupos para apoiar ações de educação e de eventos. Por exemplo, estamos sendo convidados para participar das conferências municipais de saúde, quando se realiza o planejamento e a discussão dos problemas de saúde nos municípios. Esses são momentos muito ricos de entendimento dos problemas locais, pois nos dá uma grande possibilidade de pensarmos em estratégias de pesquisa e de ensino para as realidades das várias regiões do Estado. Entendo que a pesquisa tem a responsabilidade social tanto de divulgar os seus resultados, mas desde a sua concepção, dar respostas aos problemas que se apresentam na realidade, mas, para isso, necessitamos construir os caminhos dos diálogos.

AF – O que é necessário e o que tem dificultado o intercâmbio de ideias e experiências em pesquisas na área?

Júlio César Schweickardt – Temos realizado encontros de pesquisadores e cursos na área de história das ciências, mas a dificuldade está na construção de projetos articulados com outras áreas do conhecimento. Acho interessante quando inserimos o componente da história nos projetos de pesquisa. A história das ciências ainda tem pouca produção na nossa região, mas conseguimos formar um Grupo de Pesquisa no CNPq em História das Ciências na Amazônia, sendo liderado por pesquisador do Museu Goeldi e por mim.

AF – Como estão as instituições de saúde do Estado hoje em dia e as ações de saúde no interior? O que precisa melhorar?

Júlio César Schweickardt – A política de saúde tem avançado muito no que se refere à aplicação ao território específico da região, mas ainda precisa avançar no que se refere ao financiamento, pois os municípios têm um custo muito alto no aspecto logístico. Nesse sentido, é um grande desafio fazer a assistência à saúde, de modo contínuo, nas áreas rurais e ribeirinhas. A estratégia de Unidades Básicas Fluviais tem sido um grande avanço na inclusão da população ribeirinha que dependia de ações pontuais e esporádicas. No momento, o Programa Mais Médicos tem provido os profissionais médicos para a atenção básica, o que tem sido muito importante para o desenvolvimento da política de Atenção Básica.

Outro ponto muito problemático é a interferência política nas instituições de saúde, o que traz descontinuidade dos trabalhos e mudanças constantes nas equipes. Desse modo, há a necessidade de formação permanente dos profissionais, mas também há a necessidade de realização de concursos públicos para que as mudanças políticas não interfiram tanto na gestão do trabalho.

AF – De que forma a saúde pública no Amazonas está ligada a CT&I?

Júlio César Schweickardt – A saúde pública tem muito de CT&I, mas de modo diferente do que imaginamos porque não está associada ao complexo industrial, e sim no campo das tecnologias sociais. A Atenção Básica tem muito de complexidade tecnológica como, por exemplo, o Programa Nacional de Imunização, pois envolve uma grande logística num complexo território com um insumo de alto agregado tecnológico. A própria estratégia da saúde da família envolve tecnologias de trabalho com equipes multiprofissionais em diversos programas de saúde, envolvendo problemas complexos em diferentes territórios. Além disso, a saúde pública pressupõe uma visão epidemiológica dos territórios, que é subsidiado por complexos sistemas de informação, que são produzidos por todos os níveis de trabalho. Assim, a saúde pública possui densidade tecnológica em todos os níveis de complexidade, desde a Atenção Básica até o hospital especializado.

AF –  Como a Fiocruz tem incentivado a especialização de jornalistas em C,T&I?

Júlio César Schweickardt – A Fiocruz desenvolveu com o apoio da FAPEAM dois cursos de especialização voltados para jornalistas na área de Divulgação e Jornalismo Científico em Saúde e Ambiente na Amazônia. A proposta foi de qualificação dos profissionais para atuar na área de divulgação científica, mas também para contribuir para a produção nessa área, com a inserção da temática nos projetos de pesquisa. Nesse sentido, envolvemos um jornalista num projeto de pesquisa para realizar as ações tanto de divulgação como de produção de conhecimento na área da divulgação científica. Entendemos que a presença desse profissional é importante não somente para registrar e documentar as atividades de pesquisa, mas também para tomar a própria ciência como objeto de pesquisa. A presença desse profissional na equipe de pesquisa nos ajuda na visão de divulgação e naquilo que realizamos na relação com a sociedade. Entendo que os editais poderiam destinar recursos para a divulgação da pesquisa, principalmente no incentivo da participação do profissional jornalista nas equipes de pesquisa.

AF – O que está faltando para que a saúde na Amazônia se torne pauta frequente, tanto na mídia como nas ações de políticas públicas?

Júlio César Schweickardt – Vejo que a mídia tem muito mais interesse nos problemas do que nas inovações e nas experiências positivas das políticas públicas de saúde. Enquanto a pesquisa e as instituições pensam no aperfeiçoamento e na melhoria dos serviços de saúde, há um movimento muito forte de desqualificação da saúde pública. Com isso, não queremos negar os problemas do sistema de saúde, principalmente na questão da má-gestão dos recursos e dos serviços. No entanto, entendo que a mídia poderia explorar o aspecto dos desafios em se realizar a saúde pública nos diversos territórios da Amazônia e, ao mesmo tempo, divulgar as experiências bem sucedidas e as tecnologias inovadoras.

Agência FAPEAM – Maxcilene Azevedo

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