Currículos não capacitam professores para educar crianças, aponta pesquisa
A conclusão de um curso superior garante o domínio de conhecimentos científicos, pedagógicos, técnicos e práticos, necessários ao exercício do magistério? A resposta é não, ao menos de acordo com a conclusão da pesquisa “Formação do Educador Infantil da Rede Municipal de Ensino em Manaus, seus múltiplos saberes no ensinar e no aprender”, da pesquisadora Ana Ruth Maia Vital. Sendo assim, o ensino para crianças com idade entre 0 e 6 anos fica bastante comprometido.
A pesquisa foi desenvolvida por Ana Ruth no mestrado do Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). Para realizar o estudo, ela entrevistou professores da rede pública de ensino que atuam na área.
A principal preocupação da pesquisadora era tentar descobrir se a formação acadêmica do professores os preparava para a carreira de Educador Infantil. Entre seus principais questionamentos, Ana Ruth tentou compreender como está essa formação e como os professores relacionam os seus saberes pedagógicos, o conhecimento científico e sua experiência de vida, construindo e reconstruindo sua prática a partir da sala de aula.
Para Ana Ruth, pode-se dizer que os professores são habilitados porque possuem um título de “formação acadêmica”, já que a maioria possui formação de nível superior em Pedagogia ou Normal Superior. “Casos inéditos em nossos dias, porque há cinco anos os profissionais que trabalhavam com a educação infantil só tinham magistério”, enfatiza.
Entretanto, os atuais currículos dos cursos de pedagogia e normal superior ainda não formam um profissional que atenda a necessidade de uma educação progressista e específica para trabalhar com a Educação Infantil. “Há necessidade urgente de reestruturação teórica e prática das atuais propostas curriculares”, sugere Ana Ruth.
A pesquisadora enfatiza ainda, que a origem da demanda por cursos superiores na área de Educação se dá por exigência básica da Lei 9394/96 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de que o professor brasileiro tenha acesso ao curso superior. “Sonho almejado e enfim concretizado para a maioria desses docentes”, afirma.
A saída natural para suprir essa lacuna tem sido a formação continuada aos professores da rede pública de ensino em Manaus, ligados à Secretaria Municipal de Educação – a Educação Infantil é responsabilidade das prefeituras municipais. Entretanto, a pesquisadora critica a forma como o curso são desenvolvidos. “Os professores consideram que esta é uma reprodução de conteúdos teóricos que recebem nas faculdades, sem conexão prática. Suas experiências não são consideradas no modelo de formação oferecida”.
Ana Ruth afirma que, nesse caso, a proposta de formação continuada é imposta, vazia, sem estímulos para o professor, “que não participa em nenhum momento do planejamento dessas ações”.
“O objetivo central da formação continuada seria, além da capacitação em serviço, o de desenvolver o educador pesquisador. Não um pesquisador obstinado pela academia ou pela cientificidade, mas um profissional que tem, primeiramente, uma atitude cotidiana sobre sua prática, que busca compreender os processos de aprendizagem e desenvolvimento de seus alunos e que vai construindo autonomia na interpretação da realidade e dos saberes presentes no seu fazer pedagógico”, defende.
A pesquisadora acredita que, dadas as devidas reformulações, a formação continuada é a única alternativa à construção de uma nova realidade para esses professores. “É através da formação continuada que os professores serão orientados a refletir sobre sua prática, a organizar suas próprias teorias, a compreender as origens de suas crenças, para que possam tornar-se pesquisadores de sua ação, um profissional reflexivo, que melhorando o seu trabalho em sala de aula, recria constantemente sua prática”.
Garantir o acesso à uma educação de qualidade é fundamental para construir um novo modelo pedagógico para o país, especialmente no caso de pessoas no início da vida. “Acreditamos, que, quando a criança tem oportunidade de iniciar sua vida escolar através da educação infantil, quando encontra professores comprometidos com seu trabalho, tem garantido o seu direito enquanto cidadão.
A questão da vocação
De acordo com a pesquisa, existe um agravante nesse contexto. A maior parte dos professores escolhe a profissão não por vocação, mas pela constante oferta de vagas no mercado de trabalho, prejudicando o compromisso com o ensino e aprendizagem dos estudantes. “A educação ainda é um ramo onde tem espaço e que oferece oportunidade de emprego, principalmente se o candidato possui graduação, no entanto, isso não quer dizer que esse profissional vá desempenhar sua função com eficiência e eficácia, e a criança fica a mercê da sorte”.
Soluções
O estudo aponta uma série de estratégias para tentar reverter esse quadro. Seria fundamental que os professores fossem incentivados à reflexão e ao estudo individual, assim como discutam, analisem coletivamente suas experiências e compartilhem dificuldades. Também deviam ter suas propostas ouvidas pela Secretaria Municipal de Educação (Semed) e que, de forma urgente, se intensifique o debate sobre as modificações curriculares nos cursos superiores.
“A formação de que falamos não é somente do desconhecimento do código, é também do analfabetismo político e da falta de compromisso. Das pessoas que se alienam e não contribuem para a mudança do quadro de exclusão social em que nos encontramos”, finaliza Ana Ruth.
Michelle Portela – Decon/Fapeam