Entrevista Fapeam: Edgard de Assis Carvalho
O antropólogo Edgard de Assis Carvalho, professor aposentado da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) e docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), é um dos precursores da Teoria da Complexidade no Brasil. Os estudos nessa linha tiveram forte recepção na França, com Edgar Morin, na metade do século passado, e alcançaram importantes reverberações no Brasil e em diversos países desde as décadas de 1970 e 1980, sobretudo a partir de seus escritos, palestras e cursos. Doutor em Ciências Sociais, o antropólogo cursou pós-doutorado pela Escola de Altos Estudos de Paris, onde fez contato e estudou com importantes pensadores, como Althusser e Morin. De passagem por Manaus até o dia 10 de junho para ministrar o seminário doutoral do Programa de Pós-graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Carvalho falou com exclusividade à Agência Fapeam sobre sua nova perspectiva de mundo.
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Agência Fapeam: O senhor poderia falar um pouco sobre seu trabalho no âmbito da análise de sistemas complexos.
Edgard de Assis Carvalho: A resposta é complexa também. Ultimamente venho dedicando-me a uma antropologia do conhecimento, ou seja, trabalhando com autores, filósofos, antropólogos, linguistas e psicanalistas que optaram pela indivisibilidade. Meu trabalho se aproxima mais de uma atividade epistemológica, no sentido de colocar as coisas em seu devido lugar, submetendo a teoria a um crivo crítico e interpretativo, destituído de qualquer pertinência disciplinar. A antropologia dos sistemas complexos é nessa linha. Faço, agora, uma releitura sistemática dos seis volumes de O Método (de Edgar Morin), no intuito de fazer uma reflexão da reflexão em cima das idéias de Edgar Morin, cuja bibliografia navega pela biologia, física, matemática e cibernética.
Agência Fapeam: Como se podem situar as possibilidades de auxílio dos sistemas complexos para a melhoria do ensino brasileiro?
Edgard de Assis Carvalho: Eu acho que a universidade brasileira está mal amparada, está tão dominada pela fragmentação que as idéias da complexidade só conseguem penetrar nas brechas, nos pequenos grupos, nas pequenas ações e dissipações que existem dentro da própria estrutura. É como se houvesse duas estruturas: uma formal, a da fragmentação, e outra, situada a partir de um conjunto de ramificações que possibilitam que as ideias do pensamento complexo frutifiquem. No Brasil os núcleos de estudos da complexidade proliferam nas fimbrias da fragmentação. Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), por exemplo, o Grupo de Estudos da Complexidade (Grecom) está situado no meio termo entre a educação e as ciências sociais. É um núcleo fora da organização fragmentária. Na PUC/SP, é a mesma coisa: o núcleo do qual sou coordenador, o de Estudos da Complexidade, é vinculado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais e integra artistas, matemáticos, biólogos etc.. São pessoas que vão ao núcleo para discutir um tema, ver um filme, discutir uma obra de arte e com isso minar as estruturas da fragmentação, mostrando que é possível a indivisibilidade.
Agência Fapeam: De que forma a complexidade pode ser uma “possibilidade”?
Edgard de Assis Carvalho: Por exemplo, a partir de ações que estejam fora dos parâmetros da universidade. Mas, com isso, se tem de conviver com todos os problemas de se estar fora das estruturas formais, naturalmente, como viver de pagamento de mensalidade.
Agência Fapeam: Quais são os autores ou autoras mais importantes no campo da complexidade no Brasil?
Edgard de Assis Carvalho: Tem muita gente. Pode parecer cabotinismo dizer isso, mas algumas são pessoas que foram minhas orientandas e estiveram junto comigo nessa balada do ensino dos pensadores da complexidade. Elas hoje tem um papel importante. Cito alguns nomes, por exemplo, que são ainda um pouco desconhecidos, como Maria Conceição de Almeida, da UFRN, e Maria Aparecida Lopes Nogueira, de Recife. Em São Paulo, há vários pensadores. Só que citar nomes é sempre difícil. Posso dizer que essas são pessoas que começaram as pesquisas nas questões da complexidade em meados dos anos 1980 e hoje estão nas instituições lutando contra a fragmentação.
Agência Fapeam: Qual é a amplitude do trabalho dessas pessoas?
Edgard de Assis Carvalho: Os núcleos se disseminam pelo Brasil inteiro, talvez com maior foco no Rio Grande do Norte, São Paulo e Rio de Janeiro. Há também pequenos agrupamentos que vão, aqui e ali, modulando esse saber, que é oriundo de vários pensadores, e não só de Edgar Morin.
Agência Fapeam: O senhor busca entender as relações entre ciência e humanidade, natureza e cultura, de forma diferenciada. Em que medida o avanço da interdisciplinaridade pode se dar a partir da conjunção desses campos do saber?
Edgard de Assis Carvalho: Vou te responder a partir de um dos grandes sonhos que Edgar Morin tem e que são meus também. Na medida em que se pode desfazer essa oposição maldita entre natureza e cultura, é possível refundar o humanismo e pensar que o homem, sem nenhum laço rousseauniano, está inserido dentro da physis, dessa natureza, e tem de cuidar muito bem dela. Eu gosto muito de um pensador, o Fritjof Capra. Capra, em seu último livro, advoga a questão da ecoalfabetização, que começa lá na criancinha, ainda em seu estágio inicial. Segundo ele, ecoalfabetizar não é só alfabetizar, é construir um pensamento voltado para a preservação dos ambientes de maneira totalitária e indivisível.
Agência Fapeam: Como isso pode ser realizado?
Edgard de Assis Carvalho: Se nós conseguirmos que a indivisibilidade seja assumida por todos, não só a universidade seria diferente. O Estado seria diferente, as políticas seriam diferentes, a ética seria diferente. Separar significa dividir, diferenciar, e a divisibilidade sempre foi inimiga do progresso do conhecimento. Toda vez que se dividiu algo, o progresso do conhecimento esteve abalado por crenças demasiadamente parcelares. Um dos objetivos do pensamento complexo é tentar entrelaçar os saberes. Aliás, essa é a etimologia da palavra. Se você pega a etimologia da palavra complexidade, significa tecer em conjunto. E se é assim, não tem sentido mesmo continuar separando os seres da natureza, ou natureza e cultura. Entender os saberes a partir de sua totalidade, como realmente são.
Renan Albuquerque – Agência Fapeam