Entrevista Fapeam: Renato Monteiro Athias
Renato Monteiro Athias possui graduação em filosofia pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia Ciências e Letras, mestrado em etnologia pela Universidade de Paris X e doutorado em etnologia pela mesma universidade, com uma tese sobre “Relações hierárquicas entre os povos do Rio Negro”, enfocando especificamente a relação entre os hupdah e os tukano. Realizou estudos na área de mídia e televisão na Universidade de Southampton (Reino Unido) com de bolsa de estudos do Conselho Britânico e também do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), durante o período em que cursou a Universidade de Paris X (Nanterre). Atua como coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade da UFPE e é professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPE. Athias ainda leciona no doutorado interuniversitário de Antropologia Ibero-americana da Universidade de Salamanca na Espanha. O etnólogo veio a Manaus a convite da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e, para a Agência Fapeam, ressaltou suas impressões acerca dos povos indígenas do Alto Rio Negro, enfocando sua perspectiva de estudo.
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Agência Fapeam – Como se pode observar a questão do tradicionalismo indígena no Alto Rio Negro?
Renato Athias – Para todos os povos, em geral, quanto mais a gente entra na floresta, mais medo a gente vai tendo. Para os indígenas, a relação é diferente. Nesse contexto, é possível entender que o saber tradicional está ancorado a uma história mitológica de vida, sendo esta relacionada com a natureza. Ou seja, trata-se da perspectiva de um povo que possui, alicerçado ao seu conhecimento de mundo, todo um ideário de relações com o cosmos, o sobrenatural. É nessa perspectiva que o tradicionalismo se insere. As narrativas cosmológicas, embasadas em práticas xamânicas, impõem um determinado saber que faz com que essas pessoas tenham uma relação entre si de uma maneira bastante delimitada.
Agência Fapeam – Há trabalhos seus que atualmente abrangem essa perspectiva?
Renato Athias – Um dos trabalhos que estou fazendo, entre os tukano e os hupdah, índios do Alto Rio Negro, busca explicar como esses povos entendem, por exemplo, doenças como a tuberculose. Primeiro que ela é uma doença introduzida nas aldeias e, portanto, veio de fora (da sociedade não-índia), mas existe uma explicação mitológica para esse mal. Os índios buscam justamente desse arcabouço cosmológico a explicação para a tuberculose, mesmo sendo uma doença que surgiu de ambientes urbanos. E assim acontece também com a malária. Basicamente esses saberes sobre as doenças são muito apropriados, muito específicos de uma determinada pessoa na região.
Agência Fapeam – Em que medida as rezas tradicionais podem ser avaliadas junto a essa questão?
Renato Athias – Existe a afirmação “ele é índio, ele sabe curar”, mas ela não é verdadeira. Não podemos dizer que toda a cura feita por um sabedor tradicional vai surtir efeito. Da mesma forma que a gente (não índios) seleciona os melhores especialistas que conhecemos para fazermos tratamentos com eles, a situação funciona de forma parecida no ambiente indígena. Os índios também costumam procurar os melhores xamãs, mas isso, repito, está associado a um conhecimento cosmológico, ao nascimento de um mundo que pode ter idades diferentes. Nessas narrativas nós vamos ter dois tempos diferentes. O tempo mitológico e o tempo atual. Para nós, o tempo mitológico tem uma distância em relação ao tempo real. Para os narradores tradicionais, não. Disso, entendemos que a medicina e as curas vêm da relação com o universo, com o cosmos, o sobrenatural. As práticas xamânicas estão associação a esse tempo mitológico. Uma plantinha sem a fala não dá certo
Agência Fapeam – No âmbito da etnologia, quais são as estratégias de campo para se executar uma boa atividade de pesquisa?
Renato Athias – Quando eu fui para o Alto Rio Negro, cheguei pensando uma coisa e depois vi que aquilo não era nada do que eu havia imaginado. Uma das coisas importantes quando a gente vai para o campo é ter certa sensibilidade para você não continuar com a mesma percepção. Muitas vezes a gente só tem essa noção depois do trabalho já feito e isso é um problema. Às vezes, estamos tão preocupados com nossa pesquisa que não enxergamos a intersetorialidade, como falam os colegas da área de saúde. Então, o que eu diria: leia tudo o que existe na área antes de ir para campo, tenha sensibilidade e sobretudo saiba fazer um bom exercício de observação participante, que não é fácil. A gente fala de modo indiscriminado sobre observação participante, mas é uma técnica extremamente difícil de ser bem feita. Eu já cometi erros, mas estou cada vez mais me aprimorando nessa técnica.
Agência Fapeam – A técnica da observação participante é a mais importante dentro do cenário de atividades de campo?
Renato Athias – Não é a única, evidente. Mas pode-se dizer que é a mais importante para o antropólogo ou etnólogo que trabalha com dados qualitativos. É necessário que não se esconda absolutamente nada dos participantes de sua pesquisa. A meta não é ser repórter investigativo e nem detetive. Você vai ser um pesquisador e terá de envolvê-los. Isso é o que eu faço. As pessoas, nas aldeias, preferem conversar comigo quando eu chego porque eu coloco as coisas em seu devido lugar. E digo mais: se o discurso for na língua deles é melhor ainda. Quando se vai trabalhar com pessoas falantes de uma língua diferenciada da sua é muito melhor saber um pouco daquela fala. Se isso não acontece, você vai repetir, quase sempre, o que todos já falaram.
Agência Fapeam – E sobre o estranhamento ao chegar em comunidades indígenas?
Renato Athias – Somos pessoas, a gente estranha mesmo. E nem sempre é bom de estar no campo. Há o desconforto, o estranhamento. Não se pode ser demagógico nesse sentido. A verdade é que não é fácil ir para o campo e conviver com culturas diferentes, que possuem hábitos diferentes. É necessário treinamento especializado.
Agência Fapeam – Quanto ao financiamento para trabalhar em áreas indígenas. Como está a abertura para pesquisas dessa envergadura?
Renato Athias – Hoje em dia não há mais dificuldades, é mais fácil. A própria Fapeam (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas) avançou nessa direção.
Agência Fapeam – Quais são as áreas amazônicas, dentro do Estado do Amazonas, que mais necessitam de novas pesquisas indígenas?
Renato Athias – Creio que os Mura-Pirahã se enquadram dentro dessa perspectiva. Eles estão, em parte, na região do Médio Madeira, dentro do município de Humaitá. O Madeira é um rio que não é tão bonito e creio que é por isso que o pessoal (da etnologia) não vai para lá. O que eu poderia dizer também é que os Munduruku estão merecendo mais estudos de campo.
Agência Fapeam – Quem quiser saber mais sobre suas atividades e o método etnológico de estudo, como pode proceder?
Renato Athias – Eu tenho um blog. É possível acessá-lo no endereço http://renatoathias.blogspot.com É possível ver filmes, acessar fotos, textos. Enfim, eu tenho muita coisa nesse blog.
Renan Albuquerque – Agência Fapeam