Como fazer ciência em tempos de crise
Graduado em Medicina Veterinária, mestre e doutor em Biologia Celular e pós- doutor em Fisiologia da Reprodução, membro ativo da Sociedade Brasileira de Biologia Celular (SBBC) e atual diretor-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Luiz Renato de França conversou com a Agência FAPEAM de notícias para falar sobre ciência no atual momento de crise no País. “Apesar de se considerar que os otimistas são na realidade pessimistas mal informados, creio, pela intrínseca grandeza do Brasil, que esta crise em breve se dissipará, pois o melhor está sempre por vir”, disse.
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“No que se refere ao desenvolvimento científico e sustentável da região amazônica, uma nova matriz, o Programa ProAmazônia, está sendo criada com muito esmero. Esse programa, idealizado pelo General Guilherme Cals

“O desenvolvimento deve ser uma responsabilidade social conjunta dos diferentes segmentos da sociedade moderna”, disse Luiz Renato. (Foto: Érico Xavier/Agência FAPEAM)
Theóphilo Gaspar de Oliveira, Comandante do CMA, se caracteriza por compor uma parceria inédita entre o exército e as instituições brasileiras de pesquisa. Ainda que esteja focado na faixa de 150 km da fronteira, onde o exército brasileiro tem soberania, este auspicioso programa também se estenderá a outros locais da região amazônica. O Inpa se sente privilegiado em ser um importante parceiro desta grandiosa iniciativa, que tem como lema ‘Diga Sim ao Brasil’”, acrescentou Luiz Renato.
Confira a entrevista completa:
Agência FAPEAM – Com a crise atual é de se esperar que a ciência esteja entre os assuntos menos relevantes na mídia?
Luiz Renato – Na atual conjuntura, talvez a ciência não venha a ter o destaque que merece, mas nada impede que as ações sejam desenvolvidas para que a mesma esteja em pauta. Aliás, não somente no Brasil ou particularmente na Amazônia, colocar a ciência na mídia em qualquer momento é uma tarefa do dia-a-dia que requer pessoal preparado e uma política sólida nesse sentido.
AF – Há possibilidade de Fundações, como as Faps do País, serem fechadas como forma de economia e repasse de verbas para outras áreas?
Luiz Renato – Não creio nisto, pois não há desenvolvimento significativo sem ciência, tecnologia e inovação, que desta forma são estratégicas. Além disso, algumas Faps, a exemplo da Fapesp, Faperj e Fapemig, já estão bastante sedimentadas. No entanto, a maioria das Faps é ainda jovem e precisa ser fortalecida cientificamente e administrativamente para que não se torne vulnerável às instabilidades políticas e econômicas, que não são tão infrequentes assim no Brasil. Ademais, gestores com políticas progressistas e comprometidas com o desenvolvimento certamente não irão incorrer nesse tipo de ação impensada.
AF – O que o senhor acha da possibilidade de o setor privado financiar as atividades voltadas à ciência e tecnologia?
Luiz Renato – Essa parceria é sempre muito bem vinda e na grande maioria dos países desenvolvidos e industrializados isso ocorre rotineiramente. Afinal, o desenvolvimento deve ser uma responsabilidade social conjunta dos diferentes segmentos da sociedade moderna. Principalmente quando se considera que ciência e tecnologia são atividades com alto custo, cujos efeitos somente são observados a médio e a longo prazo. Nesse contexto, o futuro sempre depende das ações de agora.
AF – A sociedade tem dado menos atenção às áreas científicas e tecnológicas após a crise no Brasil?
Luiz Renato – É muito cedo para se avaliar este aspecto, pois a crise é ainda muito recente. Mas, independentemente disso, em qualquer época, a conscientização da sociedade no que se refere às áreas científicas, tecnológicas e de inovação depende de ações e políticas públicas concretas.
AF – A ciência deve ter um espaço maior no meio midiático para ter atenção efetiva da sociedade e então se tornar pauta diária?
Luiz Renato – Certamente a mídia é muito importante para se divulgar a ciência e colocá-la no dia-a-dia da população, utilizando-se para tal finalidade espaços e horários considerados mais nobres e numa linguagem dinâmica, objetiva e de fácil compreensão. Afinal, nenhum assunto que não tenha visibilidade irá adentrar mentes e corações e permear o imaginário da sociedade. Neste aspecto em particular, a FAPEAM tem premiado jornalistas, valorizando os profissionais na disseminação das informações cientificas e tecnológicas. Por ter sido agraciado com vários destes prêmios, através de sua área de comunicação, o INPA se sente honrado e mesmo privilegiado.
AF – Qual a sua opinião quanto à diminuição dos financiamentos às Faps, Instituições de Pesquisa, Universidades e afins, referentes à ciência e tecnologia?
Luiz Renato – Isto vai totalmente na contramão do desenvolvimento. Ao contrário, os investimentos deveriam ser aumentados pois, claramente, existe alta correlação positiva entre o percentual utilizado do PIB em pesquisa e desenvolvimento e os avanços científicos, tecnológicos e de inovação. E isto é facilmente notado quando esses indicadores são avaliados em nível mundial, inclusive quanto aos investimentos da área empresarial. Um exemplo a seguir é o notável crescimento e desenvolvimento da Coréia do Sul, que até recentemente tinha indicadores semelhantes ou até mesmo piores do que os observados no Brasil.
AF – Qual a sua opinião sobre a atual relação sociedade e ciência? E como o Inpa tem investido em C,T&I na atual situação financeira governamental?
Luiz Renato – Esta relação não é uma equação fácil, mesmo nas sociedades industrializadas e consideradas muito desenvolvidas. Mas, certamente, a educação desempenha um importante papel nesta matriz. Pelas suas características intrínsecas, os reflexos negativos de qualquer crise financeira e econômica na C,T&I são perceptíveis um pouco mais tardiamente. No início, cria-se naturalmente um clima de pessimismo que gradativamente mostra a sua nada bela face. No caso específico do Inpa, como o corte e o contingenciamento foram lineares para todas as unidades de pesquisa do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), e da ordem de 25-30%, estamos fazendo todos os ajustes necessários para nos adequar aos mesmos, evitando qualquer corte na área de pesquisas, que é a atividade fim do instituto. Após estes ajustes, procuraremos fontes adicionais de recursos, inclusive no próprio MCTI.
AF – Como estão as instituições de ciência do Estado atualmente?
Luiz Renato – Embora, obviamente, muito ainda exista por fazer, a jovem Universidade Estadual do Amazonas (UEA) tem apresentado indicadores que podem ser considerados muito bons e mesmo alvissareiros. A FAPEAM, apesar de muito jovem, cresceu muito e tem tido recentemente uma ação bastante importante e positiva no desenvolvimento científico do Estado do Amazonas, sendo hoje uma das melhores Faps do Brasil. O que certamente deve ser motivo de muito orgulho para os amazonenses. No entanto, para que o Estado continue a se desenvolver nesse ritmo, espera-se que a mesma não sofra solução de continuidade. Aliás, pode-se dizer que com os investimentos feitos até o presente momento os resultados já são bastante positivos. Esses belos resultados necessitam ser internalizados no mercado e assim restituídos à sociedade, propiciando por parte da mesma a percepção adequada da importância dos investimentos feitos.
AF – O que precisa melhorar nas ações de ciência no interior?
Luiz Renato – Quanto ao interior do Estado, pelo o que noto, embora possam ser consideradas ainda incipientes, as ações já são muito positivas e estão na direção correta. Assim, também nesse aspecto, espera-se que as mesmas continuem em curva ascendente, pois as populações ditas interioranas, em sua grande maioria habitando locais bastante distantes da capital, merecem um especial e atento olhar social. Nesse sentido, a FAPEAM investiu também nas áreas de popularização e socialização do conhecimento e de educação para a ciência para o interior do Estado, investindo nos jovens do interior. Como bons exemplos dessas ações podem ser citados projetos de apoio à Semana Nacional de C&T, Museus de Ciência e o belíssimo Programa Ciência na Escola (PCE), que talvez não tenha similar no Brasil. Todos esses excelentes projetos, cujos resultados concretos e mais visíveis virão a médio e longo prazo, contam com forte apoio do Inpa. Aproveitando esta oportunidade, pode também ser mencionado que a FAPEAM promoveu apoio ao empreendedorismo que é considerado uma área estratégica, particularmente no programa PAPE.
AF – Como superar esta fase?
Luiz Renato – Como a crise atual tem em grande parte um viés notadamente político, a superação da mesma em muito depende de adequadas articulações dentro do próprio governo. No entanto, antes de se inserir numa matriz de políticas de governo, por sua estratégica importância para a nação brasileira, as políticas de C,T&I devem ser inseridas numa política de estado. Particularmente quando se considera que os efeitos da mesma são de médio e longo prazo. Nesse contexto, em momentos de crises o Estado deveria aumentar ainda mais os recursos para C,T&I, estabelecendo, portanto, estratégias adequadas de solução dos problemas e cenários que se apresentam.
Maxcilene Azevedo – Agência FAPEAM