Programas de ensino de Ciências contribuem com o avanço da educação básica


03/10/2013 – O Ministério da Educação (MEC) lançou no mês de agosto o Programa ‘Quero Ser Cientista, Quero Ser Professor’, o mesmo oferece 30 mil bolsas para incentivar estudantes de escolas públicas para o estudo das disciplinas Matemática, Física, Química e Biologia. Com investimento em torno de R$ 66 milhões, a expectativa é ampliar gradualmente a concessão de bolsas até atingir 100 mil bolsas. O Programa é voltado principalmente aos estudantes do Ensino Médio e aos finalistas do Ensino Fundamental. O objetivo principal é despertar o interesse desses jovens pela carreira docente. No Brasil, o déficit nessas áreas na rede pública é de 170 mil docentes.

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No Amazonas, o Governo do Estado, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), também tem promovido diversas iniciativas voltadas para a formação acadêmica e científica nos mais diversos níveis de conhecimento (do ensino fundamental ao pós-doutorado). Entre as ações estão os Programas Ciência na Escola (PCE), o de Apoio à Iniciação Científica (Paic) e o Estratégico de Indução à Formação de Recursos Humanos em Engenharias e Tecnologia da Informação em Centros de Educação de Tempo Integral no Amazonas (Pró-Engenharias / RH-TI – Ceti Amazonas).

Treinamento de professores realizado em Itacoatiara (Crédito: Divulgação)

Treinamento de professores realizado em Itacoatiara (Crédito: Divulgação)

Mas, qual o impacto que têm essas iniciativas voltadas para incentivar a carreira acadêmica e a formação profissional? Por que muitos profissionais optam por não seguir a docência? Para responder a essas e outras perguntas, a Agência FAPEAM entrevistou a professora Aldalúcia Gomes. Mestre em Educação em Ciência na Amazônia pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA) e uma das formadoras do PCE, Gomes concedeu a entrevista que você confere a seguir:

Agência FAPEAM (AF): Professora, ao que se deve o desinteresse dos estudantes pela carreira de licenciatura em Matemática, Química, Física e Biologia? O que fazer para motivá-los?

Aldalúcia Gomes: Não penso que essa seja uma pergunta fácil de ser respondida. Tal desinteresse é reflexo de uma série de fatores. É uma questão que vai da falta de valorização do professor ao grande poder que a tecnologia, por intermédio das mídias sociais, exerce sobre a criança e o jovem. Primeiramente, tem-se que se derrubar a imagem de que o professor é um pobre coitado que está na profissão por pura vocação! Todavia, isso requer um trabalho de valorização da classe. O professor é um profissional que realiza um trabalho intelectual, que está em constante processo de atualização do conhecimento. Por que digo que o professor precisa entender isso? Ouço dos próprios colegas que só são professores porque estão em sua vocação, como se estivessem predestinados. Não concordo e não acredito que eles convencerão seus alunos de que a referida profissão é tão importante quanto outras profissões.

Segundo, o professor desmotivado, que se sente desvalorizado e desprestigiado, vai à sala de aula e colabora para que os estudantes não tenham interesse em seguir a carreira. É com tristeza que tenho constatado que, por mais que os alunos gostem de seus professores, nenhum deles quer ocupar o lugar dos mestres! Alguns têm aversão à profissão! Outro ponto, que deve ser esclarecido aos estudantes, é quanto à necessidade de se especializar. Nenhum ou quase nenhum profissional atualmente consegue se manter sem uma especialização.

Treinamento de professores realizado em Tabatinga (Crédito: Divulgação)

Treinamento de professores realizado em Tabatinga (Crédito: Divulgação)

Por último, o fracasso das Licenciaturas se deve a forma descontextualizada como as Ciências são apresentadas no Ensino Médio. Se pararmos para refletir, as Ciências no Ensino Fundamental ainda despertam curiosidade e satisfação nos estudantes. As Feiras Científicas são a prova disso. Entretanto, o problema ocorre no Ensino Médio, quando os conteúdos são abordadas por intermédio de currículo, ou seja, a fragmentação da Ciência por si só já é um desastre e para piorar a situação, alguns professores fazem de suas disciplinas verdadeiras “caixinhas de conhecimento”. Isto é, o que antes era trabalhado de forma holística passa a ser tratado em forma de disciplinas estanques, algumas totalmente fora do contexto dos estudantes e sem levar em conta seus conhecimentos prévios.

Alguns estudantes enxergam a disciplina de Biologia, por exemplo, como uma matéria chata e cansativa, que só tem um monte de nomes difíceis e concluem que não serve para nada! Que motivação esses estudantes terão para aprender? Nenhuma! Penso que poderíamos despertar o interesse dos alunos praticando um ensino com pesquisa em sala de aula. Dessa forma, eles entenderão que ser professor não impede que seja um pesquisador e cientista.

AF: O piso salarial abaixo de outras profissões tradicionais (Direito, Engenheiro, Médico), a sobrecarga de trabalho (o professor atua antes, durante e depois da sala de aula), e o não reconhecimento profissional afastam os estudantes da carreira acadêmica?

Aldalúcia Gomes: Certamente, as questões salariais afastam, sim, os jovens da profissão, mas é como falei antes: é preciso deixar claro que o professor que dá continuidade ao seu processo de formação, que não se contenta em cursar uma graduação galgará posições bem melhores. A questão da sobrecarga de trabalho também é algo desmotivante, mas penso que isso é algo que pode ser amenizado com um bom planejamento.

AF: Você acredita que o Programa do Governo Federal “Quero Ser Cientista, Quero Ser Professor” irá contribuir para que aumente o interesse dos alunos em seguir a referida carreira?

Aldalúcia Gomes: Acredito que a intenção do Programa é válida, porém tenho ressalvas quanto à forma como está sendo divulgado. Por exemplo, tomei conhecimento do mesmo porque tenho o hábito de acessar o site do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Mas há colegas de escolas da Educação Básica que desconhecem o Programa. Questiono-me: será que o público alvo está acessando essa informação, tendo em vista que os próprios professores desconhecem?

AF: No Amazonas, o Governo do Estado, via FAPEAM, tem incentivado a carreira acadêmica por meio do PCE, por exemplo. Você acredita que o mesmo está no caminho certo?

Treinamento de professores realizado em Benjamin Constant (Crédito: Divulgação)

Treinamento de professores realizado em Benjamin Constant (Crédito: Divulgação)

Aldalúcia Gomes: Há um teórico da área da Educação, defensor do ensino com pesquisa, que diz: ainda bem que no Brasil o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) inventou o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic). Digo: é com satisfação que no Amazonas temos o PCE. Antes, a pesquisa científica era somente no âmbito do Ensino Superior. Trata-se de uma ação da FAPEAM que tem incentivado o professor e o aluno a serem pesquisadores. O Programa é ousado, pois se é difícil fazer Ciência na graduação, quiçá na Educação Básica. Todavia, os resultados são positivos. Só o fato de desmistificar a Ciência, é um avanço!

O PCE pega a “toda poderosa Ciência” e a aproxima de estudantes e professores e diz assim: você pode fazer Ciência! Basta ter curiosidade, dedicação e disciplina! Claro que o mesmo não vai operar milagre, mas está deixando sua marca na Educação do Amazonas, em relação ao incentivo de uma cultura científica. Desenvolvê-lo no Estado, com dimensões geográficas tão grandiosas, não é fácil, pois requer logística e o empenho de toda equipe que acredita no potencial do Programa e gosta do que faz! Atualmente, o PCE está presente em 28 municípios.

AF: O PCE atende quantos alunos e professores? Qual o trabalho desenvolvido pelo Programa?

Aldalúcia Gomes: O PCE contempla um professor coordenador, cinco jovens cientistas e um apoio técnico. A meu ver, além do benefício de incentivar a pesquisa científica a partir da Educação Básica, o Programa tem o diferencial que é aceitar proposta de todas as áreas do conhecimento. Por isso, afirmo que o PCE quebra paradigmas, não restringe a pesquisa científica ao seleto “Clube da Ciência: Biologia, Química e Física”, proporcionando o diálogo entre as áreas. Creio que podemos sonhar com um ensino baseado numa perspectiva transdisciplinar.

 

Luís Mansuêto – Agência FAPEAM