Especial Magníficas: Márcia Perales quer atingir 1 milhão frente à Ufam
Após cem anos de existência, comemorado este ano, pela primeira vez a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) terá uma mulher como reitora, Márcia Perales. Eleita para o próximo quadriênio (2009/2012), ela admite que serão muitos os desafios à frente da universidade. Demonstrar sensibilidade na solução dos problemas não será nenhuma fragilidade, mas uma forma de expressar os sentimentos sem receio de ser julgada. Hoje a mulher vem assumindo diversos papeis de liderança na sociedade, segundo Perales, por demonstrar seriedade e competência como gestora. Contudo, explica que o mais importante é ter uma boa equipe, pois sozinha não é possível fazer nada. Por isso, nesse mandado que se inicia, precisará do apoio da comunidade universitária, sem a pretensão de ser unanimidade. Confira, a seguir, a entrevista com a nova reitora da Ufam, que abre o Especial Magníficas programado para o mês de maio no Portal Fapeam.
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Agência Fapeam – Quais os desafios desse mandato que se inicia, no qual a senhora assume a reitoria da Ufam?
Márcia Perales – A universidade cresceu muito. Hoje temos em torno de 30 mil pessoas vinculadas à instituição, entre elas, estudantes, docentes, discentes e técnicos administrativos. É um número maior que o número de habitantes de muitos municípios do Amazonas, o que faz com que os desafios apareçam sucessivamente, como a excelência acadêmica e o compromisso social. Isso porque a Ufam tem uma vasta produção científica, 96 cursos de graduação, ações de extensão, e tudo isso começa na graduação. Precisamos redimensionar os projetos pedagógicos à luz das diretrizes do Ministério da Educação (MEC) e pela vinculação à pesquisa e à extensão universitária. Precisamos ampliar a sociabilidade, entretanto, é necessário o envolvimento de todos.
A nossa meta é que as ações cheguem a um milhão de pessoas. É um número expressivo, mas é fundamental que a extensão e o ensino estejam ancorados pela pesquisa, para que possamos consolidar a sociabilidade.
Outro desafio é a consolidação dos avanços e a necessidade de ampliá-los, por exemplo, a interiorização. Implantamos as unidades acadêmicas permanentes em cinco municípios, Coari, Humaitá, Benjamin Constant, Itacoatiara e Parintins. Além disso, estamos em processo de contratação de cerca de 500 servidores federais para as unidades dos municípios, bem como a implantação de 39 cursos. Para isso, é necessário infraestrutura e capacitação dos professores. É importante destacar que muitos deles são ex-alunos e foram formados nos próprios municípios. Temos um quadro positivo de consolidação de ações, mas precisamos pensar em ampliá-los.
Agência Fapeam – Como estão os investimentos em pesquisa na Ufam? É possível avançar com o que há disponível?
Márcia Perales – Temos hoje o apoio direto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Além disso, os pesquisadores tem conseguido obter êxito em diversos editais, os quais tem sido fundamentais para o crescimento da instituição, uma vez que muitos são de infraestrutura. A universidade cresceu, por isso precisamos de infraestrutura para funcionar de forma adequada e com qualidade. Os investimentos na pesquisa são significativos, mas, à medida que crescemos, queremos que os investimentos sejam ampliados.
Agência Fapeam – Durante sua carreira acadêmica, a senhora sentiu discriminação por ser mulher? E agora, como reitora, será mais difícil?
Márcia Perales – Desde o início sempre foi uma batalha por causa dos desafios. Iniciei na carreira acadêmica aos 20 anos. Tinha acabado de concluir o bacharelado em Serviço Social. De repente saí do lado discente para o docente. Era uma aluna exigente com os professores, por isso, minha grande preocupação era não reproduzir o que não era pertinente, ou seja, compatível com a qualidade do que queríamos na graduação.
O desafio foi grande com a qualificação (mestrado e doutorado), os quais foram bancados pela universidade. Durante a docência, não senti discriminação. Entretanto, no percurso para postular o cargo de reitora, a sensação foi diferente. Você depara-se, mesmo dentro da universidade, um espaço plural, com pessoas que te dizem que você tem um excelente perfil acadêmico. Há também os que dizem que o cargo é pesado demais, é um cargo para homem. É uma visão que precisa ser superada! A competência não passa pelo gênero, mas é uma questão de trajetória e competências. Claro que houve colocações irônicas.
Agência Fapeam – Qual é a melhor forma de dar uma resposta à altura?
Márcia Perales – Fazendo um bom trabalho e mostrando que é possível, sim, uma mulher assumir a função de reitora. Até porque ela não assume sozinha, há uma equipe. Além disso, buscar executar o trabalho com competência, qualidade, responsabilidade, honestidade, sem deixar de ser ela mesma. Claro que existem momentos em que a sensibilidade feminina aflora, mas não temos problema que isso venha à tona.
Agência Fapeam – Como fazer para conciliar o cargo de reitora com família, filhos e marido?
Márcia Perales – Hoje meus filhos estão adultos. Tenho um com 24 anos e outro com 20 anos. Meu marido me apoiou durante o processo eleitoral. Na época em que iniciei na carreira acadêmica era mais difícil, pois tive meu primeiro filho aos 20 anos. Dependíamos de outras pessoas. Na medida em que eles foram crescendo, o processo tornou-se mais fácil. Quando temos uma família que compreende esse processo todo, como é o meu caso, você se sente apoiada. Eles sentem orgulho, e isso é uma honra para mim, o que não quer dizer que não haja cobrança. É bom que tenhamos cobrança, pois, se parar, vou pensar que não estou mais fazendo falta. Espero que continuem cobrando e entendendo o significado desse desafio para mim e para a universidade.
Agência Fapeam – Como foi conciliar a docência com maternidade quando seus filhos eram pequenos?
Márcia Perales – O apoio da minha mãe foi fundamental, principalmente durante meu doutorado e o de meu marido; ela ajudou muito na escolaridade das crianças. Confesso que há um grau de dependência maior das pessoas, mas, em certos momentos, foi necessário fazer escolhas. Por exemplo, filhos doentes, o médico que atrasou. Entretanto, sempre houve diálogo em casa e na universidade para solucionar os problemas. As conquistas tem uma grande dose de empenho e de esforço individual, mas nunca são individuais, porque você não está sozinho no mundo. Você precisa de apoio, precisa se sentir acolhido para caminhar e ousar. Com certeza foi uma conquista coletiva.
Agência Fapeam – Sua produção científica caiu durante a licença maternidade? Qual conselho a senhora daria para quem está passando por essa fase?
Márcia Perales – É um momento privilegiado na vida da mulher, pois ela pode ficar próxima de seu bebê, amamentar. Com certeza, nesse momento a produção científica cai, mas é necessário priorizar esse momento. Após o sexto mês, um ano, a dependência diminui, e a mulher pode retomar a produção científica. É um momento nobre da relação mãe e filho. Hoje temos uma licença maternidade estendida. Na minha época não tínhamos, e senti falta desse tempo a mais para curtir meus filhos. Naquele momento minha maior preocupação era ser mãe. Depois a produção científica é retomada, mas os primeiros momentos com os filhos não voltam mais.
Agência Fapeam – O que uma mulher pode fazer de diferente na administração de uma universidade?
Márcia Perales – A sensibilidade é um fato. É algo aguçado que temos, não precisamos escondê-la, e isso não tem a ver com fragilidade. É uma forma de expressar os sentimentos sem receio de ser pré-julgada ou julgada. O mais importante não é o gênero. Hoje a mulher vem assumindo espaços importantes, e o fundamental é demonstrar competência e seriedade como gestora. Para isso, ela precisa constituir uma boa equipe, pois ninguém faz nada sozinho. Ou seja, é para além do fato de ser mulher, pois ser gestor exige características que precisam ser manifestadas.
Em relação à Ufam, preciso do apoio da comunidade universitária, com nenhuma pretensão de ser unanimidade, pois isso não existe. Todavia, é importante que as pessoas olhem para essa gestão e percebam o diferencial, façam críticas construtivas.
Ocupar a posição de gestora é o desdobramento de muitos movimentos da história humana que tornaram isso possível. Mesmo assim, ainda há diferenças salariais no mercado de trabalho, em razão do sexo. Temos muito ainda para fazer.
Luís Mansuêto – Agência Fapeam