Especialista analisa realidade indígena brasileira


25/03/2011 – O 2º Seminário sobre Povos Tradicionais, Fronteiras e Geopolíticas na América Latina: Uma Proposta para a Amazônia, ocorrido no período de 21 a 23 de março, em Manaus, finalizou com um saldo positivo. Pelo menos esta é a visão do antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Lino João de Oliveira Neves, doutorando em Sociologia das Transformações Sociais pela Universidade de Coimbra, Portugal. Após ter participado de discussões e dos encaminhamentos tirados durante o evento ele recebeu a Agência FAPEAM e faz uma reflexão sobre o que foi tratado no evento com destaque para a relação entre o Estado e os povos Tradicionais. Veja a entrevista:

 

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AF: A política indigenista brasileira tem dado assistência aos povos indígenas, mas, não de forma efetiva para atendê-los com amplitude, pois, estão sempre à margem da sociedade brasileira. O que o senhor tem a dizer sobre isso?       

 

Lino Neves: É fato que as comunidades acadêmicas e científicas têm refletido sobre a questão do “outro”, o que poderíamos chamar de segmentos populacionais da sociedade moderna. Mas, o “outro” que falamos é o índio, o quilombola, o extrativista, o ribeirinho, enfim, aquilo que chamamos de populações tradicionais. As comunidades acadêmicas e os institutos de pesquisa têm pensado sobre esses povos, os quais têm produzido conhecimento sobre essa realidade. Mas, apesar disso, temos que focar em duas questões. A primeira, sobre o conhecimento produzido a partir da perspectiva ocidental moderna. E, sendo assim, construímos um conjunto de interpretações no âmbito da modernidade científica, que vê nesses povos a partir dos nossos paradigmas, valores, princípios e ideais societários construídos. A partir daí, produzimos uma literatura que dá uma visão limitada restrita, priorizando a convenção da diferença em nacionalidade. Então, o Estado busca a conformação de tudo que é diferente num igual nacional.  Um aspecto que deve ser visto, é de que, apesar de todo esse movimento construído pelas instituições, “o outro”, continua a produzir alternativas sociais.

 

AF: Em sua opinião qual a visão da sociedade científica e de pesquisadores sobre os povos indígenas atualmente?

 

/Lino Neves: Os índios, apesar dos 500 anos da ação homogeneizadora, continuam existindo enquanto sociedade como um conjunto social efetivo, sistema cultural de produção de conhecimento, forma de organização econômica e produtores de técnicas e práticas diferenciadas com relação à natureza. Aquilo que poderíamos afirmar sobre as ‘Realidades Indígenas’, ainda não percebemos na totalidade porque usamos os óculos da ciência que não valida isso enquanto experiência pertinente.  Nós apenas validamos aquelas experiências feitas no âmbito dos paradigmas da modernidade.

 

AF: Esse olhar ocidental é um olhar alegórico da realidade existente. É isso que o senhor quer definir?

 

Lino Neves: Alegórico, no sentido de que ele não percebe a existência de outra realidade. Porém, mais do que isso, o fato de não perceber ele é cruel, porque sabe que existe, mas desqualifica. E, ao enfatizar isso dá-se eficiência exclusiva ao paradigma da modernidade. Ele exclui a possibilidade daquelas outras alternativas enquanto formas viáveis.

 

AF: Até o momento a política indigenista brasileira tem voltado sua atenção para a integração do índio à sociedade nacional, entretanto, o que se vê é o total abandono sem que ele tenha uma política autônoma. O que o senhor pensa sobre essa questão?

 

Lino Neves: A Fundação Nacional do Índio (Funai) é um belo exemplo para que nós possamos refletir sobre esta condição, pois toda a ação dela é ambígua, no sentido de estar à margem, no limbo, de uma realidade. Ela tem a preocupação e o interesse para com os povos indígenas, que não nego, mas tem uma orientação de pensamento, político e social da sociedade brasileira. Então, toda a ação dela é integradora, ou seja, de integrar esses povos à sociedade nacional. E, esse processo de integração, ele é em última instância, o processo de negação da diferença para que eles sejam nacionais. É justamente neste ponto que se concentra a grande ambiguidade da Funai, pois ao mesmo tempo em que ela toma como valor os povos indígenas, a função específica do órgão dentro do Estado é fazer com que esses índios deixam de ser índios para serem brasileiros.

 

AF: Então, os povos indígenas estão numa situação caótica?

 

Lino Neves: Nós vivemos em uma situação caótica com os povos indígenas não é de agora. É uma situação de 500 anos, porque a colonização chegou desqualificando-os, tendo como projeto o processo civilizatório, fazê-los civilizados. É importante dizer isso, porque quero frisar que nós não podemos cair naquela análise simplista não intencionada de dizer que a Funai é desnecessária e temos que acabar com esse órgão.

 

AF: Mas o que o senhor sugere para que haja mudanças na política indigenista brasileira de melhor tratamento a essas sociedades culturalmente ricas?

 

/Lino Neves: Eu penso que enquanto o Estado não tiver uma formatação que reconheça a diversidade e seja capaz de conviver de forma simétrica, harmônica, e não mais de uma forma hierarquizada, verticalizada, mas buscando uma horizontalidade nas relações sociais, enquanto o Estado brasileiro não tiver esse tratamento junto às comunidades indígenas, um órgão como a Funai, por mais ambíguo que seja, é importante porque está mostrando à sociedade brasileira que existem povos diferentes, pessoas que são socialmente diferentes de nós.

   

AF: Como o senhor avalia o 2º Seminário uma vez que está se discutindo a realidade de povos que habitam a Região Amazônica? 

 

Lino Neves: Há dois anos, foi realizado o primeiro seminário na tentativa de ampliar as discussões sobre o tema. A Universidade Federal do Amazonas (Ufam), mais especificamente, os pesquisadores do Laboratório Panamazônico, do Departamento de Antropologia vêm refletindo sobre a presença da diversidade étnica na Amazônia. E, esse Seminário tem conseguido aprofundar as discussões, e, ao mesmo tempo, estreitar as relações com pesquisadores do Peru, Equador, Colômbia e lideranças indígenas, cuja preocupação concreta sobre a Amazônia é vista nessa dimensão social. A Amazônia não pode ser discutida somente como um lugar da biodiversidade, mas, enquanto lugar da sociodiversidade e da pluralidade étnica. A importância desse seminário é avançar nessa nossa contribuição e naquilo que nos cabe enquanto promotores de reflexão acadêmica, teórica e prática.

 

 

Sebastião Alves – Agência FAPEAM

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