Especialistas discutem isolamento literário no AM


Um Brasil com vários brasis no contexto da produção literária e cultural. O Estado do Amazonas não foge à regra quando se trata dessa temática, principalmente devido às condicionantes histórica e geográfica responsáveis pelo isolamento de sua produção literária. Este foi apenas um dos assuntos abordados durante o Colóquio Nacional Poética do Imaginário, evento que encerra na noite de quinta-feira (14/05), em Manaus, no auditório da Reitoria da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

O encontro, promovido pela Cátedra Amazonense de Estudos Literários da UEA, em parceria com a Cátedra Jorge de Sena da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reuniu durante três dias mais de 400 pesquisadores de 20 estados, além de representantes de quatro países (Inglaterra, Brasil, Portugal e Colômbia), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), por meio do Programa de Apoio à Realização de Eventos Científicos e Tecnológicos do Estado do Amazonas (Parev).

O colóquio pôs Manaus e a universidade no centro dos estudos literários, segundo o professor Otávio Rios da UEA. Conforme explicou, antes os alunos tinham que se deslocar para outros estados para participar de eventos dessa natureza. “Hoje eles estão fazendo o caminho inverso. Ou seja, os estudantes de outras localidades tem de vir para cá”, comemorou.    

Com o tema “Literatura, história e memória”, o encontro teve o objetivo de estreitar as relações com outras universidades e centros de excelência da área de Letras. Há o interesse de torná-lo anual, contou Rios. Ele confessou que o tema já foi até proposto: “Literatura e interfaces”.

Isolamento na produção literária

O isolamento na produção literária do Amazonas deve-se a duas condicionantes: a histórica e a geográfica, que teve início na época do Brasil Colônia, quando o Estado era subordinado ao Grão-Pará e ao Maranhão. Foi o que explicou o professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Gabriel Albuquerque, durante a plenária “Brasil, Brasis: insulamento e produção literária no Amazonas”, promovida durante o colóquio. 

Albuquerque ressaltou que, na verdade, eram dois reinos. “Havia duas vidas políticas e os negócios eram distintos. A língua falada entre os dois reinos era uma barreira – o português e o nheengatu. A comunicação entre os falantes era improvável”, afirma, acrescentando ainda que o idioma foi imposto com uma série de atrocidades contra as etnias existentes. 

Segundo o professor, mesmo depois que o Amazonas foi elevado à categoria de Província e de Estado, a integração com o restante do Brasil foi demorada.

Em relação à condicionante geográfica, o professor salientou que este é um problema detectado, em especial, a partir dos anos 50, quando o Amazonas tornou-se mais produtivo com a curiosa e contraditória chegada da Zona Franca de Manaus (ZFM). Com isso, os elementos educacionais e econômicos contribuíram com o processo. Todavia, não há como falar de produção literária sem a formação de um público consumidor, um mercado editorial, escritores, críticos etc.

“Com a vida universitária que se constituiu, a vida intelectual cultural começou tomar forma. No entanto, perguntamos qual o lugar do escritor? Ele se coloca no lugar da figura ressentida, apartada da grande produção literária brasileira. No lugar de quem tem o que dizer, mas não tem os canais midiáticos, acadêmicos, ou quais os canais que podemos encontrar?”, questiona.

De acordo com Albuquerque, não há uma solução imediata, mas é preciso pensar como o problema se constitui, ou seja, como os conceitos e preconceitos tomam forma. Ele diz que é preciso ver quais são as políticas públicas viáveis para essa questão. Isso aponta para uma resposta é possível: “não há como pensar em um Brasil segregador”. 

Produção literária e a internet

Com a internet e os blogs, a questão da produção literária e o autor como escritor assumem uma nova posição diante do público consumidor.  Mesmo abordando de uma forma exploratória, Albuquerque acredita que se tratam de mídias novas, que se colocam na relação entre o escritor e a comunidade leitora.  Contudo, o problema da formação de um público leitor permanece o mesmo.

“Nesse contexto desigual, como é possível que o escritor tenha visibilidade midiática (blogs e internet) e ganhe dinheiro com isso? Não sei te explicar, mas há o caso do Steven King – famoso escritor americano de livros com grandes tiragens. Ele vendia os capítulos de seus livros pela internet. O leitor pagava uma taxa e lia o capítulo antes de ir para o mercado editorial. Lia-se a obra à medida que o autor a escrevia. Não creio que seja a alternativa mais aceita, mas é ousada. Isso quebra a relação, às vezes, espinhosa entre autor e a indústria de livros”, lembra.

Em relação ao Amazonas, o pesquisador avisou que é preciso pensar nas redes possíveis para a promoção da leitura. Para ele, os escritores locais podem produzir não apenas em um cenário amazônico, mas nacional e internacional, pois só assim será possível fazer ecoar as vozes que estão se constituindo literariamente, os méritos, as críticas e a academia. 

      

Luís Mansuêto – Agência Fapeam

 

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