Espécies de peixes nativas estão sumindo de igarapés
O crescimento populacional desordenado e o desmatamento de grandes áreas de florestas na periferia e nos “baixios”, aliados à poluição orgânica, têm condenado os igarapés urbanos da cidade e levado espécies nativas de peixes ao desaparecimento. Foi essa a constatação do estudo “Efeitos da Fragmentação Florestal e da Poluição sobre as Assembléias de Peixes de Igarapés da Zona Urbana de Manaus (Amazonas)”, desenvolvido pelo pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Hélio dos Anjos, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
A falta de análises sobre como a ictiofauna (conjunto de espécies de peixes encontradas em um ambiente específico, como lagos, rios ou igarapés) reage a perturbações ambientais levou à realização da investigação.
Em princípio, a pesquisa tinha como objetivo verificar os efeitos da fragmentação florestal na estrutura e composição das assembléias de peixes, porém, como o número de igarapés preservados (com boas condições naturais) e situados em fragmentos florestais urbanos era insuficiente, também decidiu-se investigar outros fatores envolvidos no processo de degradação dos ambientes aquáticos e por conseqüência afetando os peixes.
De acordo com o pesquisador, dos 15 fragmentos florestais analisados, nove apresentaram igarapés em bom estado de conservação, enquanto os demais apresentaram igarapés alterados, incluindo os do Parque do Mindu, Parque Samaúma, Centro de Instruções de Guerra na Selva (CIGS) e Cachoeira Alta no Tarumã. Os igarapés foram analisados a partir da vistoria em campo, mapas cartográficos e imagens de satélite.
Cada igarapé selecionado teve um trecho de 200 metros de demarcação, onde foram analisadas medidas de parâmetros físico-químicos da água, como temperatura, oxigênio dissolvido, condutividade, pH (nível de acidez), amônia e nitrito. Os peixes foram coletados por meio de redes de cerco, puçás e peneiras.
Conforme os resultados da investigação, igarapés em bom estado de conservação apresentaram ictiofauna típica de ambiente natural. Isso significa que pequenas piabas como Pyrrhulina brevis, Copella nigrofasciata e C. nattereri (Lebiasinidae), além de grandes acarás (Aequidens pallidus) são comuns nesses ambientes.
O fato é que a poluição orgânica e a simplificação de habitats, decorrentes principalmente dos processos de urbanização, geraram impactos ambientais negativos na estrutura das assembléias de peixes dos igarapés alterados. Uma das conseqüências foi a redução de riqueza de espécies nativas, que deram lugar a espécies adaptadas a baixos níveis de oxigênio, entre as quais, o guppy ou lebiste (Poecilia reticulata, Poeciliidae, espécies de peixe ornamental mais comercializada do mundo) e a tilápia (Oreochromis niloticus, Cichlidae).
Outras espécies consideradas invasoras locais, como o acará-cascudo (Cichlasoma amazonarum, Cichlidae) e os bodós (Ancistrus sp; e Liposarcus pardalis), ambos da família Loricariidae, típicos de ambiente de várzea, também se tornaram comuns e bastante abundantes nesse tipo de ambiente.
A pesquisa indica ainda que os igarapés de fragmentos florestais urbanos de Manaus possuem uma composição de espécies de peixes distinta entre eles: menos de 20%. Para o pesquisador, “é possível que o isolamento de populações de peixes por barreiras químicas atuais (igarapés altamente poluídos entre os fragmentos urbanos) seja responsável por parte das diferenças observadas na composição de espécies em igarapés próximos, ao dificultar (ou mesmo impossibilitar) processos de recolonização dos ambientes fragmentados”.
Outra constatação foi que a fragmentação dos habitats, juntamente com processos erosivos do solo, estão ocasionando o assoreamento desses canais d’água devido ao aumento do volume de areia no leito dos igarapés impactados. “A retirada da vegetação primária, que margeia os igarapés, pela população que habita a vizinhança dos fragmentos florestais causa a perda de grande quantidade de solo no período chuvoso. As enxurradas transportam os sedimentos para os igarapés e acabam com a variedade de ambientes para a fauna aquática”, alerta o pesquisador.
Manutenção da biodiversidade
As condições alteradas da qualidade da água de igarapés situados nas áreas urbanas de Manaus estão ocasionando perda acentuada de espécies de peixes nessas localidades e devem ser motivos de preocupação para a sociedade. Para a manutenção dessa biodiversidade, é preciso conservar as áreas verdes da zona urbana, uma vez que esses fragmentos florestais abrigam diferentes composições de espécies de peixes. “São necessários projetos de urbanização que levem em conta a prevenção e controle da poluição aquática, como parte fundamental do planejamento dos recursos hídricos”, afirma o autor da pesquisa.
Hélio dos Anjos alerta ainda para a necessidade de se traçar planos de recuperação e conservação de cursos d’águas urbanos. Segundo ele, atualmente muitos dos igarapés de Manaus são canalizados para controle de inundações e erosão e suas margens são aterradas para construções de casas com planejamentos dos próprios órgãos governamentais sem que, no entanto, levem em consideração a fauna e a flora desses ambientes.
“Esses danos poderiam ser minimizados para evitar transtornos sociais e econômicos posteriores, pois o processo de recuperação dessas áreas é muito mais demorado e oneroso. Além disso, a manutenção e conservação dessas áreas evitariam a proliferação de vetores de doenças que possam estar relacionadas à ambientes poluídos”, critica o pesquisador, ressaltando que “o desvio do despejo de esgoto de igarapés para tubulações para posterior tratamento e também o replantio de vegetação nas margens desses igarapés são de extrema relevância”.
O orientador do estudo e pesquisador do Inpa, Jansen Zuanon, também considera urgente a adoção de políticas direcionadas à conservação desses fragmentos florestais urbanos, bem como medidas voltadas à intensificação da educação ambiental junto à população. “Mesmo para parte da população local, há aparentemente visões diferentes sobre o valor das áreas verdes da cidade. Enquanto muitos valorizam esses espaços e entendem seu papel fundamental para a melhoria da qualidade de vida, outros encaram essas porções de floresta, como locais apenas de despejo de lixo e entulho”, avalia.
Sobre a Pesquisa
Instituição: Inpa/Ufam
Programa: Pós Graduação em Biologia Tropical e Recursos Naturais
Título: “Efeitos da Fragmentação Florestal e da Poluição sobre as Assembléias de Peixes de Igarapés da Zona Urbana de Manaus (Amazonas)”
Orientador: Jansen Zuanon
Ano de obtenção: 2007
Hélio Daniel dos Anjos recebeu bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam)
Lisângela Costa – Agência Fapeam