Estudo traça paralelos entre a tradição oral africana e as origens do jazz


Louis Armstrong, Miles Davis, Nina Simone, John Coltrane. Os fãs do jazz conhecem todos esses artistas, mas nem todos conhecem a história desse ritmo musical. Uma pesquisa de mestrado do Departamento de História da USP tentou desvendar as raízes desse gênero que nasceu no início do século XX, nos Estados Unidos, e faz sucesso até hoje.

Para conseguir traçar a história dos ritmos que deram origem ao jazz, o administrador de empresas Ricardo Annanias Pires fez um levantamento bibliográfico e documental. Ele também ouviu registros sonoros de cantos africanos, além de exemplos das primeiras gravações de blues e jazz. Pesquisou principalmente as manifestações musicais da África Ocidental, de onde saíam os negros que trabalhavam como escravos nos Estados Unidos.

A África Ocidental tem uma tradição oral muito forte e o pesquisador traçou paralelos entre essa tradição e as primeiras manifestações musicais que deram origem ao jazz, como o folk e o blues rural. “A palavra para o africano tem um significado muito importante, pois apresenta o poder de transformar”, explica Pires. Nas tribos do oeste africano, há um membro que exerce a função de embaixador, músico, genealogista, poeta e historiador, o griot. Os griots têm um canto característico, muito similar ao blues rural americano.

Os griots são classificados por duas designações: dieli e doma. Segundo Pires, “O dieli é o grande improvisador que, de forma descompromissada, pode até mesmo exagerar ou suprimir certos fatos narrados para enfatizar algum detalhe de sua música. Já o doma é o grande historiador, dotado de grande precisão nos detalhes de sua narrativa conferindo muita credibilidade.” Ele acredita que do canto do dieli, que improvisa a narração para entreter o público, nasceu o blues.

Da África aos Estados Unidos
Pires lembra que nos Estados Unidos do século XVIII, em todos os estados escravistas, as manifestações culturais dos africanos eram severamente proibidas. "Qualquer referência de identidade com sua terra natal poderia fazer com que houvesse algum tipo de movimento de independência dentro do solo americano.” A única exceção foi o Estado da Louisiana, que até 1803 era colônia francesa, onde as manifestações culturais africanas “eram toleradas e até incentivadas”.

Os cantos representavam uma forma de resistência. “O blues [canto do lamento] é resultado de uma interação do arsenal melódico e declamatório africano com as harmonias européias mais simples”, descreve Pires, e surgiu das worksongs e as field hollers (cantos entoados durante o trabalho nos campos de algodão e outros trabalhos extenuantes).

O pesquisador lembra da análise de Eric Hosbsbawn sobre o blues. Em A História Social do Jazz, o autor afirma que “o blues, essencialmente, é uma música antifônica, na longa tradição africana de canto e resposta. Na verdade, é um dueto entre a voz e o instrumento”.

A cultura européia, segundo o pesquisador, também deixou traços no jazz. “Os africanos, presentes em solo americano, pela imposição da escravidão, fundiram seus elementos culturais à cultura européia, dando luz essa nova concepção musical, o jazz.” Porém, ele considera que “o jazz não pode ser considerado apenas um gênero musical de origem americana. O jazz está presente em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, onde se torna renovado devido à riqueza e diversidade cultural deste país.”

Como projeto de doutorado, Pires tem a intenção de estudar os ecos da tradição oral africana no Brasil “o jongo, canto dos escravos onde juntamente com a dança e o canto improvisado deram base para o hoje chamamos de samba de roda”.

A dissertação de mestrado A tradição oral africana e as raízes do jazz foi orientada por Antonia Fernanda Pacca de Almeida Wright, professora do Departamento de História da USP.

Fonte: Agência USP DE Notícias

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