Fungos e doenças na mira dos pesquisadores
Se alguém tem alguma dúvida quanto a seriedade e a capacidade das pesquisas realizadas no Amazonas, principalmente as que exploram a biodiversidade da região amazônica, é porque não conhece os estudos e o trabalho do pesquisador e biotecnólogo do Laboratório de Micobacteriologia do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), Dr. João Vicente Braga de Souza, que recentemente foi convidado a fazer parte da Academia Brasileira de Ciências. Junto com uma equipe de pesquisadores, o trabalho desenvolvido por ele está ajudando a desvendar a importância dos microorganismos amazônicos para a área de saúde em duas frentes: a determinação de um novo e rápido método para o diagnóstico de fungemias (doenças causadas por fungo no sangue) e a identificação de novas substâncias para o combate desse tipo de doença em humanos. Nesta entrevista exclusiva à FAPEAM, que é uma das instituições financiadoras destes estudos, ele fala um pouco sobre esse universo ainda inexplorado que é a biotecnologia e os microorganismos amazônicos.
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Agência Fapeam – Há quanto tempo o senhor trabalha com a micologia e como surgiu o interesse por estudar as doenças do sangue?
João de Souza – Eu comecei a trabalhar com a micologia em 1998 como aluno de Iniciação Científica no Departamento de Parasitologia da Universidade Federal do Amazonas. Comecei trabalhando com produção de enzimas de interesse industrial (pectinases) aplicadas em sucos industrializados. Cursei o mestrado e doutorado juntos em 2001 em Microbiologia Aplicada (decomposição de substâncias poluidoras por fungos). Quando eu ingressei na Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, em 2005, surgiu o interesse pela micologia médica, por meio dos pacientes da FMTAM que desenvolvem doenças causadas por fungos, principalmente em portadores de HIV Aids.
Agência Fapeam – Quais doenças do sangue causadas por fungos são estudadas pelo senhor?
João de Souza – As doenças oportunistas são as micoses causadas por fungos, conhecidas como a Criptococose, a Histoplasmose e a Candidose, que são fungemias (micoses causadas por fungos encontrados nas fezes de pombos e morcegos que quando inaladas pelo homem são disseminados pelo sangue) acometem, de forma significativa, pessoas com sistema imunológico comprometido como os portadores de HIV.
Agência Fapeam – Como a sua pesquisa ajuda no tratamento destas doenças?
João de Souza – Nosso trabalho parte do desenvolvimento de um exame capaz de detectar de uma só vez a presença das três doenças no organismo humano. O maior desafio nestes exames é diminuir a demora nos resultados com o método anterior, dando maior chance de identificar o agente causador e iniciar o tratamento adequado junto ao paciente. Foi o que conseguimos a partir da ferramentas moleculares.
Agência Fapeam – Como a FAPEAM contribuiu para a evolução da sua pesquisa, ou seja, esse novo diagnóstico?
João de Souza – A FAPEAM contribuiu a partir do Edital do PPSUS em 2006, em parceria com o CNPq que destina recursos para financiamento de pesquisas na área de saúde. Na época, havia uma linha de pesquisa para doenças envolvendo portadores de HIV/Aids. A partir dos recursos, estruturamos um laboratório e iniciamos as análises que determinaram o novo exame para a detecção das fungemias.
Agência Fapeam – Como está hoje o andamento da sua pesquisa?
João de Souza – Os resultados foram tão positivos que o Amazonas é hoje o primeiro Estado a utilizar a técnica para diagnosticar as três doenças por meio de um só exame. Acreditamos que, em curto prazo de tempo, com a ajuda dos gestores e da FAPEAM, a metodologia desenvolvida estará sendo utilizada como rotina em dois centros de referência de Manaus, a Fundação de Medicina Tropical (FMTAM) e o Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV).
Agência Fapeam – Quais as perspectivas futuras para os estudos na sua área?
João de Souza – Na verdade, hoje nós, eu e um grupo de pesquisadores, estamos atuando em duas vertentes, uma que está relacionada ao diagnóstico molecular das fungemias e outra que se destina a investigar o potencial da bioprospecção de substâncias antifúngicas produzidas por Actinomycetes isolados da Região Amazônica, ou seja, descobrir substâncias para combater as fungemias, a partir de organismos encontrados no solo, na natureza.
Foto: Cultura de fungos (Ricardo Oliveira)
Ulysses Varela – Agência Fapeam