Golfinhos sofrem com grandes obras na Amazônia
A Amazônia possui um complexo sistema de rios onde vivem duas espécies de golfinhos de água doce: o boto-vermelho, Inia geoffrensis, e o tucuxi, Sotalia fluviatilis, um dos menores golfinhos do mundo. Ambos são endêmicos da bacia do rio Amazonas e ocorrem em sete países amazônicos, com exceção do Suriname e Guiana Francesa, sendo que o tucuxi não ocorre nos rios da Bolívia.
Apesar de os golfinhos não serem classificados como ameaçados de extinção, eles são direta e negativamente afetados por programas de desenvolvimento que produzem impacto negativo em seu habitat e recursos alimentares. Por exemplo, o plano do Governo Federal para a construção de 70 hidrelétricas na Amazônia nos próximos 50 anos.
Entretanto, até que ponto essas medidas desenvolvimentistas afetarão a flora e a fauna existente na região? Para a cientista Vera Silva, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a construção de barragens na região pode trazer sérios problemas para as populações de golfinhos. Primeiro, porque promove o aumento da eutrofização (excesso de nutrientes na água causando a diminuição de sua qualidade) e evapotranspiração dos reservatórios. Os processos ocasionam a redução do nível de oxigênio, assim, afetando peixes e eliminado as espécies consumidas pelos golfinhos.
Outra conseqüência da construção de barragens, segundo a pesquisadora, é a eliminação do sistema de inundação natural, responsável pela entrada e ciclagem de nutrientes. Além disso, as obras interrompem a migração de estoques de peixes e golfinhos. Dessa forma, reduzindo as populações à montante da barragem. Por fim, há o risco iminente de fragmentação da população de golfinhos em pequenas e discretas sub-populações, diminuindo a diversidade genética.
"Existe uma necessidade urgente de pesquisas e monitoramento para avaliar o impacto atual e futuro de algumas formas de poluição, as quais afetam os golfinhos da Amazônia e seus habitats. Sem uma mudança fundamental na filosofia dos tomadores de decisão em relação ao desenvolvimento da região, existe uma chance real que o boto vermelho e o tucuxi terão o mesmo destino de duas outras espécies de golfinhos de água doce, Lipotes e Platanista, existentes em outros locais do planeta: a extinção", alerta.
Contudo, de acordo com Vera Silva, os problemas não param por aí. Ela cita como exemplo a questão da poluição química dos rios por agrotóxicos, mineração e vazamento de óleo de máquinas de garimpo. Ela diz que, hoje, ainda existem países amazônicos que utilizam pesticidas, herbicidas e fertilizantes em suas lavouras, por exemplo, DDT e PCB. "Esses produtos são proibidos no primeiro mundo, mas continuam sendo utilizados em certas regiões da Amazônia", enfatiza.
Em relação à mineração, a poluição de mercúrio durante o processo de garimpo é provavelmente o mais eminente. Estima-se uma descarga de 90-120 toneladas por ano de mercúrio no ecossistema local. Além disso, os efeitos da acumulação de mercúrio na cadeia alimentar local podem se tornar mais severas na fauna silvestre. Isso porque as concentrações altas de mercúrio já foram encontradas em peixes carnívoros. "Em estudos de hábitos alimentares, das 43 espécies de peixes consumidos pelo boto vermelho 37% são carnívoros. Na dieta do tucuxi, das 28 espécies de peixes identificadas, 32% são carnívoras", afirma.
A pesquisadora também alerta que a poluição causada pelo vazamento de óleo das máquinas usadas durante o garimpo de ouro e de barcos também é extensiva. Ela diz que de um total de 6 mil recipientes abertos, foram jogados cerca de 5 milhões de litros por ano no rio Madeira, envenenando organismos e afetando o ciclo de nutrientes de suas águas.
Essas informações estão reunidas no livro História Natural, Ecologia e Conservação de Algumas Espécies de Plantas e Animais da Amazônia, no qual, há um capítulo intitulado "Conservação de Golfinhos da Amazônia: Ameaças e Perspectivas", o qual foi escrito pela pesquisadora do Inpa, Vera da Silva.
A obra foi coordenada pelo cientista da Coordenação de Ecologia do Inpa, Renato Cintra, e editado pela Editora da Universidade Federal do Amazonas e Editora Inpa, com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).