Investimento em iniciação científica no Amazonas ultrapassa R$ 3 milhões
SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA, AM – Dois importantes programas de iniciação científica júnior, o Jovem Cientista Amazônida (JCA) e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica Júnior (Pibic-Jr), receberam investimentos de R$ 3,4 milhões em menos de quatro anos, contemplando não apenas estudantes da capital, mas também do interior do Estado. Um dos municípios beneficiados, e que já apresenta resultados importantes, é o de São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, a 852 quilômetros de Manaus em linha reta. Foram destinados mais de R$ 740 mil para os dois programas nesse singular município amazonense, cuja população é predominantemente indígena.
O JCA é um programa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), vinculada à Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia (Sect), e conta com recursos apenas do tesouro estadual. Já o Pibic-Jr é desenvolvido em parceria com o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e parte dos recursos é oriunda do tesouro nacional. Ambos os programas beneficiaram, de 2003 até hoje, 610 estudantes do ensino fundamental (de 5a. a 8a. Séries) e médio do Amazonas (446 do Pibic-Jr e 164 do JCA), dos quais 112 são do município de São Gabriel (70 do Pibic-Jr e 42 do JCA).
O grande diferencial nos projetos desenvolvidos em São Gabriel é a temática fortemente vinculada aos problemas locais e aos aspectos culturais, uma vez que a grande maioria dos bolsistas é indígena. A possibilidade de pautar suas pesquisas e atuar como agente pesquisador e não objeto de pesquisa faz com que a visão desses povos e de sua cultura seja priorizada nas agendas científicas do Estado e do pais.
"Inserir a discussão sobre C&T a partir desses povos significa o respeito à sua cultura e o compromisso da valorização de sua cidadania enquanto povo, enquanto etnia. E transformar isso em politicas públicas só é possível num governo democrático e popular", diz José Aldemir de Oliveira, secretário de C&T no Amazonas. Ele ressalta que o Pibic-Jr e o JCA proporcionam o resgate do saber tradicional nas mais diferentes áreas do conhecimento, o que vem se constituindo em um relevante acervo da população amazonense e brasileira.
Para Odenildo Sena, diretor-presidente da Fapeam, um dos pontos mais relevantes desse investimento é a descentralização dos programas de iniciação científica da capital para todo o Estado. Segundo ele, essa iniciativa adquire uma importância ainda maior em São Gabriel por sua singularidade: segundo a Funai, é o município brasileiro proporcionalmente com maior predominância de indígenas, tendo 90% da população distribuída em 22 etnias.
"Esses investimentos demonstram o compromisso do Governo Estadual e da Fapeam com essas etnias, promovendo a inclusão social e dando oportunidade de jovens tornarem-se bolsistas remunerados. Por outro lado, com essas ações, nos antecipamos na formação de pesquisadores, pois a grande maioria dos jovens que participam de iniciação científica segue em seus estudos, construindo carreira científica. Em síntese, estamos investindo no futuro", acrescenta. Alguns egressos dos programas confirmam essa tendência.
"Participar de um projeto de iniciação científica me ajudou muito, aprendi a fazer relatório, textos, pesquisas, técnicas de manejo, o que hoje se reflete na minha graduação. Pretendo seguir carreira e fazer mestrado também, para depois me tornar pesquisador", revela Charles Gregório Melgueiro, 19 anos, estudante de Engenharia na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em Manaus, egresso do Pibic-Jr. Ele participou do projeto "Implantação de um mini-ecossistema aquático dentro da Escola Agrotécnica", sob a orientação da professora Eleanor Ferreira Neta Toro.
Alex Sarmento Melo, 18 anos, estudante de Engenharia de Pesca na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), também participou desse projeto e relata a sua experiência: "Quando cheguei aqui, não tinha noção nenhuma do que era pesquisa, o Pibic Jr me colocou nesse caminho. Passei a ter noção de como fazer projetos, da importância da fundamentação teórica, da literatura. Fui um dos primeiros a participar da iniciação científica em São Gabriel e hoje estou colhendo os frutos. Na faculdade, sou apenas calouro, mas percebo que professores valorizam alunos que já trabalharam em projetos de iniciação científica. Eu me sinto valorizado por causa dessa minha experiência anterior".
Alex também integrou o projeto Avaliação e Estabelecimento de duas plantas nativas em Consórcio Agroflorestal, sob orientação do professor Simão Corrêa da Silva. O estudo consistia no consórcio de duas plantas nativas do viveiro da Escola Agrotécnica Federal do município, a cucura e o genipapo. Os jovens pesquisadores identificaram uma área degradada por queimada nas proximidades de uma estrada e, a partir do plantio consorciado, recuperaram a área.
Daniele Rocha Sobrinho, 18 anos, diz que a iniciação científica foi decisiva na escolha de sua profissão. Ela participou do projeto Avaliação Qualitativa da Água no Abastecimento de São Gabriel da Cachoeira. "Na pesquisa, coletávamos água em diversos pontos da rede de abastecimento de água, no ponto de captação, nas casas e no caminho delas. Nesse sentido, o projeto me influenciou bastante. Como eu trabalhei muito com a parte de doenças que podem vir na água, microorganismos etc. pretendo cursar Ciências Biológicas e futuramente me tornar uma pesquisadora. Quero retornar a São Gabriel, já que o município em um vasto campo de pesquisas".
Bolsista do JCA, Bruno Silva e Silva, 18 anos, da etnia Baniwa, comunidade Canadá, no rio Aiari, participa do projeto Ração Alternativa para os peixes amazônicos, no sub-projeto Substituição do milho pela macaxeira, sob a orientação do professor Francisco de Assim Mendes. Apesar de o estudo estar no início, Bruno tem a exata dimensão do que representa a iniciação científica em sua vida: "A pesquisa é a melhor forma de o aluno aprender. É através da pesquisa que avançamos em todas as áreas do conhecimento e o resultado disso será percebido daqui a alguns anos, quando o Amazonas terá outra cara". "Fapeam é um patrimônio do Amazonas".
Egressos e bolsistas reconhecem o papel da Fapeam na sua formação e na possibilidade de novas perspectivas para a pesquisa em São Gabriel. "Por meio do Pibic Jr., a Fapeam abriu oportunidades para nós, aqui no município, que eu nunca sonhei em conseguir. É um patrimônio no nosso Estado. Eu gostaria que outros jovens aproveitassem e se integrassem a esses projetos da Fapeam, porque sãos importante para o nosso futuro. Se deixarmos escapar essas oportunidades, continuaremos presos ao passado", avalia Alex.
Para Charles, o auxilío que a Fapeam presta aos jovens do interior do Estado é muito positivo em vários sentidos."O fato de oferecer oportunidade de formação aos estudantes, afastando-os da criminalidade, por exemplo, acaba beneficiando a comunidade como um todo". Membro do Movimento Estudantil Indígena do Amazonas (Meiam), ao terminar sua graduação em Manaus, Charles pretende retornar a São Gabriel da Cachoeira, para incentivar, com sua experiências, outros jovens do município.
Bolsista do Projeto Mitoteca na Escola Indígena Baniwa, desenvolvido na Escola Pamaali, onde atuava como professor tutor, Trinho Trujillo, 25, ex-JCA, Baniwa da comunidade Juivitera, rio Içana, acredita que os investimentos da Fapeam são importantes porque os beneficiados incentivam os alunos a buscarem mais conhecimento sobre sua cultura, sua língua, seus costumes, sempre interagindo com a cultura ocidental, porque isso também é importante.
"É fundamental não perdemos de vista essa interação entre as diferentes culturas, a nossa e a cultura ocidental. As duas andam paralelas. Significam a valorização dos conhecimentos tradicionais para as comunidades indígenas sem a negação de outros saberes. É preciso buscar conhecimento para uma melhor compreensão da situação social em que vivemos e aí é que entra a questão da pesquisa, de você entender como encontrar alternativas para melhorar a vida de sua gente. E isso pode vir pela pesquisa. Nesse sentido, a Fapeam é um patrimônio que devemos valorizar", conclui.
Ana Paula Freire
Hemanuel Jhosé
Decon/Fapeam
Hemanuel Jhosé
Decon/Fapeam