Jornalismo científico deve ser mais crítico
SÃO PAULO – O sentido do que é notícia sobre ciência e a falta de uma visão mais crítica por parte dos jornalistas científicos no processo de investigação dos fatos e políticas de C&T no Brasil foram as duas principais questões abordadas no primeiro dia do IX Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico, nesta quinta-feira, no auditório da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em São Paulo.
Pela manhã, foi realizada a mesa-redonda “A Experiência Brasileira de Jornalismo Científico”. Foi consenso, entre os debatedores, que o tema ciência ganhou mais espaço e visibilidade na mídia nacional, nos últimos anos. Entretanto, a qualidade da informação ainda precisa de mais reflexão.
Para Marcelo Leite, colunista de Ciência da Folha de São Paulo, a maior parte das reportagens acaba sendo meros relatórios de pappers (publicações científicas) ou de congressos. “Não há independência no ato de informar. Geralmente, o jornalista aceita o enquadramento das pesquisas desejado pela fonte”, afirmou.
Contudo, por mais paradoxal que possa parecer, os profissionais que cobrem C&T no Brasil estão se qualificando cada vez mais, na opinião de Leite. “Fico otimista ao perceber que há vários jovens talentosos, mas pessimista quando vejo os resultados, sobretudo na cobertura da política científica, por vezes ‘chapa branca’ ”, acrescentou.
Outro aspecto levantado por Leite foi a “decadência da narrativa” no jornalismo, que também se reflete no jornalismo científico. “No processo industrial, não há espaço para contar histórias. É óbvio que isso dificulta o processo de criação; o fato é que o jornalismo empobreceu e hoje praticamente não temos narrativas”, disse.
Mariluce Moura, editora da revista Pesquisa, da Fapesp, também lamentou a falta de narrativa no jornalismo brasileiro. “É triste, porque jornalismo é narrativa por excelência do contemporâneo”. A jornalista trouxe à discussão várias proposições teóricas sobre o fazer jornalístico e científico.
Citando o italiano Gianni Vattimo, em suas reflexões sobre os conceitos de ciência e sua relação com a linguagem corrente, indagou: “qual seria o verdadeiro momento da verdade da ciência e qual é o momento de verdade do jornalismo para falar para a sociedade?”.
Em seguida, Mariluce apresentou imagens das principais publicações jornalísticas sobre ciência no país e destacou a iniciativa das fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs) de estimular novos canais de divulgação. “É gratificante ver que as FAPs estão se empenhando na divulgação da ciência”.
Entre as imagens selecionadas, estava a capa da edição no 1 da revista Amazonas Ciência, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). “A FAP do Amazonas, apesar de nova, tem uma revista, a FAP de Minas Gerais tem uma revista; são novos canais que se abrem no campo do jornalismo científico no Brasil”.
Sérgio Brandão, que ficou conhecido por reportagens para o programa Globo Ciência, da TV Globgo, lamentou que o tema ciência não tenha, na televisão, o mesmo espaço que tem na mídia impressa. “Enquanto na Europa os programas sobre ciência passam no horário nobre, aqui no Brasil os poucos que existem passam em horários de pouca audiência”.
Mediadora do debate, Simone Bortoliero, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), observou a importância de repensar a prática jornalística no Brasil, seja na relação com as fontes, seja no sentido do que é divulgado. “Não podemos perder de vista duas questões: a quem pertence o conhecimento e de que ciência falamos no Brasil”.
Para ela, o jornalismo científico brasileiro ainda é tratado como produto e não como processo. “Existe a preocupação em divulgar os resultados, mas quase nunca em propor reflexões acerca da produção do conhecimento enquanto processo”.
Paulista radicada na Bahia, Bortoliero ressaltou que, ao se repensar a praxis jornalística no âmbito da C&T, “é fundamental que se inclua as regiões excluídas no jornalismo científico brasileiro”.
À tarde, houve três sessões de trabalhos com apresentação oral e exposição de banners de projetos de comunicação científica desenvolvidos em instituições de ensino e pesquisa de todo o país, bem como de agências de fomento.
Michelle Portela – Agência Fapeam
As jornalistas estão representando a Fapeam no Congresso em São Paulo