Macaco comunicativo
Tentar entender a comunicação verbal de animais exige muita dedicação e o uso de técnicas e métodos de gravação e coleta de dados contextuais, sonografia e análise estatística, como no estudo do repertório vocal do macaco muriqui (Brachyteles hypoxanthus), conduzido pelo antropólogo Francisco Dyonísio Cardoso Mendes, professor da Universidade Católica de Goiás.
O muriqui, ou mono-carvoeiro, é o maior primata das Américas. Encontrado no Brasil, chega a ter 1,5 metro de altura e vive no que sobrou da Mata Atlântica, em grupos com cerca de 50 indivíduos que se organizam de forma igualitária e em diversas configurações socioespaciais.
O estudo, apresentado no 12º Congresso Brasileiro de Primatologia, realizado na semana passada, em Belo Horizonte, mostrou uma complexidade vocal que conta com características tradicionalmente consideradas exclusivas da linguagem, como a percepção categórica (capacidade de distinguir sons), a referencialidade (emitem sinais especifícos) e o caráter combinatório dos sons.
Nos muriquis, Mendes identificou 14 tipos de elementos sonoros, sendo cinco curtos e nove longos. Os curtos, breves e secos, são conhecidos como estocadas; os longos, graves e roucos, são os relinchos. As diversas combinações desses sons resultam em chamados, usados pelo grupo em diferentes contextos. No forrageamento, por exemplo, eles preferem sons mais agudos. Já para reunir o grupo disperso, usam sons mais roucos. O pesquisador, que considera como “frases” as seqüências com até 30 chamadas, registrou 534 seqüências diferentes em 649 chamadas.
“ Os muriquis têm um sistema de comunicação complexo, usado o dia inteiro. A linguagem tem ligação direta com os sistemas sociais e com os fatores ambientais. Para entendê-la, temos que observar não apenas a combinação dos sons, mas em que circunstâncias são emitidos”, explicou.
O antropólogo atribui a riqueza vocal dos muriquis ao tamanho grande do grupo, ao modo de vida nas florestas – em que há pouca visibilidade – e à organização social igualitária, que permite várias combinações de convivência.
Regra seqüencial
O repertório vocal dos muriquis é usado em situações diversas, como alarme, nas interações e nas disputas intergrupais, no cuidado com os filhotes, de forma lúdica e em outras do cotidiano do grupo, independentemente de estarem se locomovendo ou não.
“Cada indivíduo produz séries variadas de chamadas, mas é interessante perceber que a maioria das seqüências começa com um mesmo tipo de som, e pela sonoridade nota-se que há uma regra nos intercâmbios seqüênciais”, disse o professor da Universidade Católica de Goiás.
Segundo Mendes, as “conversas” dos muriquis exibem uma variedade de formas estocadas e relinchos e um intercâmbio a cada três minutos entre os vários indivíduos do grupo.
O material colhido e analisado pelo pesquisador e colegas é significativo no âmbito da pesquisa sobre a linguagem dos primatas. “Apesar da relevância do tema, poucas espécies neotropicais tiveram seu repertório vocal estudado. A maioria carece de qualquer estudo sobre comunicação. No caso dos muriquis, temos uma série de informações interessantes, muito indicativa, mas ainda não temos muitas respostas”, disse.