Movimentos sociais colaboram com criação de Reservas
23/07/2010 -A luta e o desejo de cada morador, caboclo, seringueiro, ribeirinho foram fundamentais, por meio dos movimentos sociais, para a criação das Reservas Extrativista do Médio Juruá (Resex) e de Desenvolvimento Sustentável (RDS) de Uacari, na região do Médio Juruá, localizadas no município Carauari, a 786 km de Manaus.
Foi o que apontou o levantamento etnográfico feito pela tese de doutorado “As Diferentes Faces do Estado na Amazônia: etnografia dos processos de criação e implantação da Resex Médio Juruá e da RDS Uacari no Médio Juruá”. O projeto foi desenvolvido pela pesquisadora Kátia Helena Serafina Cruz Schweickardt, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e apresentado em dezembro de 2009.
Durante a pesquisa, foi verificado que a geopolítica em torno das unidades de conservação envolvia toda uma dinâmica que passava pela questão do território, dos movimentos sociais, do poder estadual e federal, das questões econômicas, dentre outras. “As reservas adotaram modelos de desenvolvimento diferentes. A Resex foi implementada pelo Governo Federal, enquanto a RDS pelo Estadual”, salientou.
A pesquisadora explicou que diversos fatores colaboraram, como, por exemplo, a criação do Instituto Chico Mendes, a presença da Igreja Católica, a cooperativa de óleos vegetais, que mais tarde viraria Cooperativa de Desenvolvimento Agroextrativista e Energético do Meio Juruá, responsável pela instalação de uma usina para produção de óleos vegetais.
Segundo ela, os movimentos dos seringueiros também contribuíram muito para esse processo de criação. Além disso, havia ações da Igreja Católica, como o Movimento de Educação de Base (MEB), que promovia encontros entre os ribeirinhos, extrativistas e seringueiros. “Diferentemente do Acre, o Amazonas não contou com a assessoria de intelectuais, antropólogos e cientistas políticos, por isso não teve a mesma visibilidade”, informou.
A ocupação de cargos públicos por militantes da região no Centro Nacional de Populações Tradicionais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na Secretaria Adjunta de Políticas Extrativistas da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável (SDS), tanto na capital quanto em Carauari, conforme a pesquisadora, também impulsionaram o processo de criação das RDS.
“Tivemos peças do Estado que se aliaram ao grande capital. Forças que se aliaram aos movimentos sociais, que defendiam o contrafluxo da agropecuária da época. Há ocasiões em que ganham uns, e em determinados momentos ganham outros, conforme a conjuntura. A criação das RDSs mostra a vitória dos movimentos sociais”, destacou.
Movimentos seringueiros
Com a institucionalização do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), o movimento ganhou força, dimensão, visibilidade, importância dentro das políticas governamentais e estabeleceu aliança com os ambientalistas.
No Amazonas, a luta do MEB era contra os grandes pescadores e madeireiros, pela proteção dos lagos e contra a pesca predatória, que estava acabando com a possibilidade de sobrevivência das comunidades. Somam-se a isso os problemas relacionados à pesca e o comércio de produtos nos rios. Os lagos foram arrendados pelos grandes pescadores e os seringueiros passaram a comprar produtos superfaturados dos regatões (comerciantes dos rios que substituíram os patrões dos barracões).
Para garantir a sobrevivência, criou-se na região a Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), fomentada pelo MEB, em uma tentativa de coordenar o comércio nos rios. Foi um embrião de todo o movimento que culminaria na criação da Reserva Extrativista em 1997 pelo Ibama. Contudo, quando o desenho final da reserva saiu pegou apenas um lado do rio e excluiu, por exemplo, a sede das reuniões, a comunidade Mandioca.
Resex e RDS
Após a criação da Resex, toda a comunidade Mandioca se muda para a reserva e funda a comunidade São Raimundo, que era um antigo seringal. Eles não entenderam porque foram excluídos. Uma das justificativas era de que havia três planos de manejo para exploração de madeira aprovados pelo Ibama. Conforme a pesquisadora, logo após, outras comunidades iniciam uma luta para ampliar o perímetro da Resex ou criar outra reserva extrativista.
“O governo estadual defendia a criação de RDS porque a Resex prevê a desapropriação das áreas particulares. De acordo com o plano de manejo, a RDS prevê proprietários dentro dela. As lideranças dos seringueiros fizeram um trabalho de convencimento junto às comunidades e elas aceitaram”, afirmou.
Dez anos depois, em 2005, a SDS cria a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uacari, com quase o triplo do tamanho da Resex. A primeira tinha cerca de 680 mil hectares e a segunda aproximadamente 280 mil hectares.
A entrada do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 1999, ajudou no processo de reconhecimento, o que ocorre por meio de uma parceria com o Ibama. Com isso, foram levados para o local os créditos alimentar e habitação. “A vida dos seringueiros melhorou muito com as novas políticas”, destacou Shweickardt.
Luís Mansuêto – Agência Fapeam
Foto 1 e 2 interação das comunidades com a Reserva (Kátia Schweickardt)