Narrativas de familiares de pessoas em tratamento psiquiátrico são abordadas em pesquisa científica


 Estudo tem como objetivo refletir sobre a narrativa dos familiares, pois eles carregam consigo diversas experiências quanto à forma de lidar com o transtorno mental, de providenciar cuidados, assim como do próprio relacionamento que produzem com os serviços de saúde mental

Narrativas de familiares de pessoas em tratamento psiquiátrico são abordadas em pesquisa científica

“Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal e fazer tudo igual, eu do meu lado aprendendo a ser louco, um maluco total, na loucura real”. O trecho de Maluco Total, de Raul Seixas, retrata um cenário pouco percebido na sociedade atual, o da Saúde Mental. Com o apoio do governo do Amazonas por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), a pesquisadora Randiza Santis Lopes está desenvolvendo um estudo que faz uma abordagem sobre o tema a partir de narrativas de familiares de pessoas com transtornos mentais em tratamento.

De acordo com a pesquisadora, o estudo faz uma abordagem do estado ‘normal’, o da família, para conhecer o estado da ‘loucura’ do paciente com transtorno mental. Intitulado “Família, crime e loucura: a construção da memória sobre o louco infrator a partir da narrativa dos familiares dos internos do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho”, o projeto de pesquisa é o tema da tese de mestrado de Randiza Lopes.

O estudo é desenvolvido na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) no âmbito do Programa de Apoio à Formação de Recursos Humanos Pós-Graduados do Estado do Amazonas (RH-Mestrado) da Fapeam e deve trazer contribuições para os serviços de saúde mental no Estado, especialmente na atenção aos pacientes judiciários.

Segundo Randiza Lopes, a pesquisa tem como objetivo refletir sobre a narrativa dos familiares, pois eles carregam consigo diversas experiências quanto à forma de lidar com o transtorno mental, de providenciar cuidados, assim como do próprio relacionamento que produzem com os serviços de saúde mental.

O transtorno psíquico tende a gerar abalos na dinâmica familiar e o olhar para a experiência da família é importante porque possibilita a compreensão da participação deles durante todo o processo.

“É fundamental ressaltar que a investigação parte do ponto de vista do campo da memória social. Neste sentido, muito mais do que interpretar o que foi vivido pela experiência familiar, buscamos, sobretudo, transformar essas experiências em histórias de vida possibilitando dar voz a estes sujeitos, além de contribuir no olhar que se tece sobre a pessoa com transtorno mental, ainda mais porque estamos caminhando rumo à construção de uma rede de atenção em saúde mental cujos princípios defendem incessantemente o respeito à dignidade humana e a liberdade de pessoas que foram secularmente excluídas e enclausuradas”, disse a pesquisadora.

Narrativas de familiares de pessoas em tratamento psiquiátrico são abordadas em pesquisa científica

O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Manaus (HCTP) assim como o Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro estão em fase de desativação.

O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Manaus (HCTP) assim como o Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro estão em fase de desativação. O fim dos trabalhos no Eduardo Ribeiro se dá mediante a determinação da lei 10.216/01 (Lei da Saúde Mental), que propôs um novo modelo de atenção em saúde mental, baseado na construção da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Já a desativação do HCTP foi recomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2013.

O estudo da pesquisadora também aborda pontos relacionados à Lei 10.216/01 que dispõe sobre a proteção e os direitos da pessoa com transtorno mental. A norma se baseia na perspectiva da inserção social, mesmo que haja tratamento em regime de internação, recomendado quando recursos hospitalares forem insuficientes.  Ainda assim, a reinserção do paciente será constantemente estimulada no processo que é trabalhado por meio de dispositivos que pretendem ofertar e garantir os cuidados necessários aos que utilizam os serviços de saúde mental.

 “Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), Serviços de Residência Terapêutica (SRTs), a moradia assistida, são exemplos de serviços ofertados pela rede. Neste sentido, formam-se um conjunto de serviços abertos e comunitários onde se trabalha na perspectiva da inserção social. É necessário compreender que há a necessidade do serviço ser ofertado de modo a garantir a integração do sujeito com a família e com o meio social”, disse a pesquisadora.

Para Randiza Lopes, na medida em que a família também é inserida no tratamento destinado ao paciente psiquiátrico ela é beneficiada porque estabelece, em conjunto com trabalhadores da saúde mental, uma relação cuja possibilidade transforma a experiência do regime de internação. Daí a importância de conhecer as experiências desses familiares para a construção das redes de saúde mental.

“Buscaremos trazer contribuições que tenham impacto na construção da rede de atenção destinada ao tratamento do paciente judiciário e no fortalecimento das organizações de familiares juntamente dos Fóruns de Saúde Mental estaduais como segmentos do movimento de base da Reforma Psiquiátrica. Como a pesquisa é produzida no campo interdisciplinar da memória social, buscamos, além de trazer contribuições acadêmicas, ampliar o debate sobre o papel da família na construção das redes de apoio ao tratamento de pacientes judiciários”, disse.

Contribuição

Narrativas de familiares de pessoas em tratamento psiquiátrico são abordadas em pesquisa científica

“São raros os pesquisadores que querem estudar sobre a saúde mental. Muitos têm medo, acham que o louco vai atacar. É um campo desconhecido”, disse Rosângela Melo.

O projeto de pesquisa deve contribuir com a elaboração de um estudo sobre a importância da atenção à família do louco infrator no Amazonas,  com a ampliação do debate sobre o papel da família na construção de redes de fortalecimento em apoio ao interno e egresso do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico da cidade de Manaus, além de disponibilizar um material científico aos órgãos de saúde mental do Estado.

Para a Terapeuta Ocupacional e integrante da Coordenação Estadual de Saúde Mental da Secretaria de Estado da Saúde (Susam), Rosângela Melo, o estudo é relevante, pois trata de um assunto que muitos pesquisadores deixam de lado e grande parte da população tem o mínimo de conhecimento a respeito.

“São raros os pesquisadores que querem estudar sobre a saúde mental. Muitos têm medo, acham que o louco vai atacar. É um campo desconhecido”, disse Rosângela.

Segundo ela, o Amazonas conta, atualmente, com 22 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no entorno de Manaus e nas regiões dos rios Negro e Solimões, Juruá, Madeira, Médio Amazonas, Baixo Amazonas, Triangulo e Alto Solimões.

Conforme a Coordenação de Saúde Mental, quatro CAPS estão instalados na capital e cinco policlínicas de Manaus possuem ambulatoriais equipados para atendimento a pacientes com transtornos mentais.

Francisco Santos / Agência Fapeam

Foto destaque e corpo do texto: Divulgação

Foto personagem: Érico Xavier / Agência Fapeam

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