Opinião: As duas Amazônias, artigo de Odenildo Sena
Talvez não me faça entender neste início de texto, mas vou, mesmo correndo esse risco, dar abrigo às convicções que tenho construído nos últimos anos. Estou cansado da Amazônia. Para ser mais preciso, confesso-me cansado da interminável dízima periódica que reverbera esse nome em meus ouvidos e o expõe às minhas cansadas retinas. Para ser mais objetivo, ainda, tornei-me intolerante com o uso em vão do nome Amazônia, sempre associado à condição de região estratégica para o Brasil e o mundo. Para todo lado que me viro, deparo-me com seminários, congressos, colóquios, reuniões de trabalho e eventos das mais diferentes e inimagináveis naturezas versando sobre a Amazônia. O mais curioso é que tudo isso é feito, dito e alardeado além e muito além das fronteiras da região. Em síntese, atingiu-se o estágio de se conviver com a banalização desse nome. E isso é extremamente nocivo, porque se cria uma espécie de fetiche que esvazia semanticamente os sentidos e as verdadeiras razões sociais e históricas da Amazônia e da gente que aqui vive, tornando-as apenas uma peça de puro marketing e de vazia retórica, uma vez que isso não se traduz em ações que, de fato, sejam respostas para suas reais necessidades. Dispensável, aqui, ilustrar as distâncias entre essa Amazônia fantasiada pelo Brasil e pelo mundo afora e a Amazônia em que vivemos e que queremos. Limito-me, porém, a uma só ponderação. Não se pode considerar sério e consequente o reconhecimento de uma região como altamente estratégica se não se criam todas as reais condições para se gerar o máximo de conhecimentos sobre ela. A propalada soberania sobre a Amazônia exige domínio de sua complexidade, de sua vasta biodiversidade e potencialidade, da exploração sustentável de sua riqueza e do conhecimento de sua gente. E isso não acontece por voluntarismo. Como dar conta do tamanho desse desafio, com apenas 4% dos pesquisadores do país? A resposta não passa pela retórica nem pelo marketing, mas pela convicta opção de que a Amazônia é prioridade e é estratégica. E isso só faz sentido se traduzido verdadeiramente em investimentos. Há, portanto, duas amazônias. Aquela da fantasia, que serve à retórica e ao marketing e da qual estou extremamente cansado, e a real, que demanda ações verticalizadas e urgentes e da qual fazem parte 21,9 milhões de almas.
Odenildo Sena