Perda da cultura preocupa índios do sul do Amazonas
A revitalização das práticas tradicionais indígenas para evitar a perda da cultura é uma das grandes preocupações dos índios do sul do Amazonas, especificamente nos municípios de Humaitá e Manicoré. Os desafios das comunidades envolvem a falta de material didático específico e diferenciado, desrespeito aos calendários das cerimônias, falta de um projeto político-pedagógico, entre outros.
De acordo com Ana Carla Bruno, doutora em Antropologia e Linguística pela Universidade do Arizona (EUA), todos os professores entrevistados dos municípios mencionaram que aprendem como devem trabalhar nos cursos de formação e capacitação. “Todavia, muitos ainda não aceitam e falam: ‘para que aprender essas coisas de roçado, de cultura tradicional? Nossos filhos precisam aprender as coisas dos brancos’.”, salientou.
Segundo a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a preocupação com o resgate da educação e da cultura indígena surgiu em uma das oficinas realizadas com a Fundação Estadual dos Povos Indígenas (Fepi), entre 2004 e 2005. Ela disse que o encontro impulsionou a realização do projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), denominado “Educação, Resgate e Revitalização Cultural: Etnias Indígenas de Humaitá e Manicoré: Tenharim, Parintintim, Diahoi, Munduruku, Torá, Apurinã e Mura”.
O projeto surgiu de uma demanda das comunidades, conforme Bruno, que ressaltou a iniciativa dos índios em procurar a instituição de pesquisa. Ela disse que isso por si só é um fator importante e diferencial.
Mesmo tendo, inicialmente, recebido apoio do Programa Amazonas de Apoio à Pesquisa em Políticas Públicas em Áreas Estratégicas (PPOPE/FAPEAM), Bruno informou que as pesquisas continuam sendo feitas nos dois municípios citados. “Primeiramente, trabalhávamos com a proposta de obter informações sobre cultura e história das etnias para depois implementar uma política educacional com processos próprios de ensino-aprendizagem que respeitem o modo de vida de cada grupo”, observou.
Ao falar sobre as ações promovidas nos municípios para superar as dificuldades, Bruno informou que foram realizados diagnósticos por meio de entrevistas, seminários e questionários sobre os problemas e as perspectivas. O resultado foi a capacitação dos professores para pesquisar e pensar sobre suas realidades.
O projetou possibilitou a produção de um vídeo didático sobre a cerimônia da Mbotawa, que acontece anualmente para agradecer a colheita, relembrar os mortos, reforçar os laços matrimoniais, e um livro sobre “A Arte Plumária Kagwahiva ”, que está em processo de finalização.
“Queremos que os professores indígenas e as secretarias de educação dos outros municípios utilizem o material para mostrar a realidade das etnias pesquisadas. Os produtos produzidos permitiram uma melhor compreensão da situação real da educação indígena”, destacou.
De acordo com Bruno, mesmo com histórias e organizações sociais opostas, e em alguns casos sem compreender o que é de fato esta “educação indígena, diferenciada e intercultural”, todas as etnias expressaram que a escola que queriam era uma voltada para a realidade da comunidade.
PPOPE
O programa financia atividades de pesquisa induzida que possam beneficiar a formulação e a implementação de produtos, processos e inovações tecnológicas vinculados às Políticas Públicas do Governo do Estado do Amazonas.
Conforme Bruno, a participação no programa foi importante porque sem o financiamento da FAPEAM a pesquisa não teria se concretizado. “A articulação da instituição e a perspicácia da mesma para elaborar um edital desse porte foi fundamental. Um edital preocupado com elaboração e proposição de políticas públicas em várias áreas, como saúde, educação, pesca, turismo, entre outras”, declarou.
Luana Gomes e Luís Mansuêto – Agência Fapeam