Pesquisa analisa HPV detectado em populações isoladas da Amazônia
O vírus do papiloma humano ou HPV (do inglês Human Papillomavirus), como é mais conhecido, infecta pele ou mucosas e possui mais de 100 tipos diferentes, podendo causar lesões benignas, como verrugas, ou malignas, como o câncer do colo de útero. A pesquisadora Cristina Maria Borborema dos Santos coordenou um estudo recente, no qual sequenciou e analisou o genoma de um desses vírus. A pesquisa, fomentada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), analisou o HPV do tipo 13 encontrado, em grande parte dos casos registrados, em populações isoladas da Amazônia.
Professora adjunta da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Cristina Borborema realizava estudos sobre o papilomavírus, quando foi procurada pela Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMTAM), para que procedesse o diagnóstico laboratorial de um HPV que acometia pacientes nativos do norte do Amazonas e sul de Roraima. Os pacientes portavam uma doença chamada hiperplasia epitelial focal, diagnosticada clinicamente pelo médico Sinésio Talhari. Segundo ela, faltava, ainda, um diagnóstico molecular que comprovasse a presença do HPV 13, vírus causador da doença. Algumas tentativas de realizar esse diagnóstico fora do Amazonas apresentaram resultados inconclusivos.
“O doutor Sinésio (Talhari) fez o diagnóstico clínico e o estudo histopatológico da doença, chegou a enviar amostras para outros Estados, mas, como os resultados foram inconclusivos, ele me procurou e solicitou que eu realizasse um diagnóstico molecular do vírus”, explica a pesquisadora. Foram encaminhados à FMTAM cinco pacientes portadores da doença. “Pelo fato de ser uma doença rara – na literatura existem apenas descrições de casos isolados – o trabalho foi premiado em um congresso da área”, conta Cristina Borborema.
Os primeiros indícios de que esses pacientes estariam sofrendo de hiperplasia epitelial focal foram detectados pelo odontólogo Paulo José Benevides dos Santos. Durante sua pesquisa de mestrado, realizada com populações isoladas da Amazônia, ele identificou os sintomas e encaminhou os pacientes à FMTAM, onde foram atendidos por Talhari. “Fazendo apenas o diagnóstico clínico, Paulo Benevides detectou prevalência de 20% dessa doença na população. Em alguns casos, a doença involuia e sumia naturalmente, mas, em outros, sumia e voltava, e, algumas vezes, nem sumia”, revela Cristina. Benevides chegou a identificar uma lesão provocada pelo HPV 13 no olho de uma paciente.
A hiperplasia epitelial focal se caracteriza por lesões na mucosa da cavidade bucal, causando incômodo estético aos pacientes e aguçando a sensibilidade a alimentos ácidos, provocando irritações persistentes. O fato do papilomavírus ter um papel bem específico no câncer de colo uterino levou a pesquisadora a questionar se esse vírus, estando na cavidade oral dos pacientes durante muito tempo, de forma crônica, não poderia evoluir para um câncer. Felizmente, segundo a pesquisadora, o HPV do tipo 13 é considerado de baixo risco oncogênico (que pode evoluir para um câncer).
“Dependendo do tipo infectante, os papilomavírus tanto podem ser considerados de alto risco oncogênico quanto de baixo risco oncogênico, ou seja, alguns têm alta probabilidade de evolução maligna e outros têm baixa probabilidade de evolução maligna. Especificamente, o HPV do tipo 13 é considerado um HPV de baixo risco oncogênico”, elucida.
Similaridades com o HPV de macacos
Cristina Borborema co-orientou uma pesquisa sobre diagnóstico molecular de HPV em Manaus, realizada pela mestranda Maria Marta de Castro. Nesse estudo, foi encontrado o HPV 13 em uma paciente da Fundação Centro de Controle de Oncologia (FCECON), portadora de câncer de colo uterino. A pesquisadora fez o sequenciamento (determinação das bases hidrogenadas que compõem o DNA do vírus) do HPV 13. Esse trabalho também resultou em sua tese de doutorado, defendida em março de 2006 pelo Programa Multi-institucional de Pós-Graduação em Biotecnologia da Ufam, onde foi orientada pelo professor Spartaco Astolfi Filho.
“Também comparamos esse sequenciamento com o que já havia sido descrito na literatura. No banco mundial de dados genéticos, o Gen Bank, só havia uma descrição do HPV 13 feita pelo pesquisador Van Ranst”, aponta a pesquisadora. Nesse trabalho, Van Ranst compara o HPV humano com o HPV dos macacos e aponta similaridades entre ambos.
“Até passou pela nossa cabeça se haveria alguma ligação pelo fato de algumas populações nativas se alimentarem de macacos, contudo, por mais que esses HPV sejam similares, eles são altamente específicos da espécie em que surgem, ou seja, o do macaco só aparece nos macacos, o dos humanos apenas nos humanos. De qualquer modo, ainda vamos continuar pesquisando as similaridades”, afirma Cristina Borborema.
Após finalizar o sequenciamento desse papilomavírus, a equipe coordenada pela pesquisadora comparou-o ao descrito por Van Ranst, para verificar se havia algumas alterações que poderiam torná-lo um papilomavírus de alto risco. “Não encontramos grandes diferenças. Este não é um novo tipo de papiloma-vírus, é apenas uma variante do descrito por Van Ranst”, esclarece.
Novas pesquisas
Cristina Borborema acredita que esse trabalho abriu portas para outras pesquisas. “O resultado pode ter boas conseqüências, como o desenvolvimento de uma vacina específica para hiperplasia epitelial focal, que possa proteger as populações nativas”, diz. Segundo ela, a vacina existente hoje no mercado visa a proteção para o câncer de colo uterino e utiliza uma proteína específica dos HPVs 16, 18 (os mais prevalentes na população mundial em relação a lesões malignas), 6 e 11 (mais presentes na população mundial em lesões benignas), não afetando o HPV causador da doença que atua nas populações amazônicas isoladas.
O fato de a doença afetar especificamente populações nativas suscita teorias para sua prevalência nelas. “Ainda não sabemos se a doença pode ser atribuída a fatores genéticos, nutricionais ou de higiene dessas populações e até o presente momento não há nenhuma ligação comprovada entre o papilomavírus 13 com algum tipo de câncer”, esclarece Santos. Outras iniciativas de pesquisa estão sendo realizadas, com o apoio do Ministério da Saúde e da Fapeam, pelo “Programa Pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em saúde” – o PPSUS. Esse novo trabalho propõe-se a estudar outros papilomavírus, fazendo o sequenciamento desses tipos.
“Precisamos comparar o sequenciamento do HPV 13 presente nas lesões da boca, com o das lesões no olho e das lesões presentes no câncer de colo uterino para determinar se são o mesmo vírus e ou se são variações”, explica.
Além disso, a pesquisadora Cristina Borborema também coordena um novo projeto recém-aprovado no Programa Primeiros Projetos (PPP) da Fapeam com o título “Importância do Diagnóstico Molecular no contexto das Doenças Sexualmente Transmissíveis”. O que torna tais projetos tão necessários e relevantes para o bem estar da sociedade são as soluções que essas pesquisas científicas podem vir a apontar para os mais diversos males que acometem populações da região amazônica.
Hemanuel Jhosé – Decon/Fapeam